Por Juliana Leme Faleiros – O membro do MBL, Arthur do Val, conhecido como Mamãe Falei e deputado estadual paulista, envolveu-se em mais um episódio bárbaro. Em razão do conflito entre Rússia e Ucrânia, ele e Renan dos Santos, coordenador do MBL, viajaram à região para, de acordo com suas declarações, mostrar a verdade. Só por isso já mereciam sérios questionamentos, pois é preciso, antes, indagar: a verdade do que e de quem? Qual a experiência dos dois sobre tais conflitos? Qual a perspectiva ideológica do MBL?
Arthur do Val e seus amigos foram paridos na onda reacionária que se levantou a partir das jornadas de junho de 2013 intensificada pela reeleição de Dilma Rousseff e consequente golpe revestido de impeachment. Mamãe falei apoiou a ascensão do atual presidente, deixou-se fotografar com o filho 03 – ambos portando armas com uma frase escandalosamente fascista (“eu pacificamente vou te matar”), brigou com Ciro Gomes, referiu-se ao Padre Júlio Lancelotti como cafetão da miséria, dentre outras ofensas para manter-se na cena política. Um agitador que provoca e atira impropérios para todos os lados contra todas as pessoas. Um sujeito belicoso que, agora, teve sua face misógina acintosamente desmascarada. Ao desembarcar no Brasil, Arthur do Val confirmou a autoria dos áudios e deixou a verdade à mostra. Não era isso que queriam? Mostrar a verdade?
Em meio à uma guerra, Arthur do Val estava empolgadíssimo com as mulheres ucranianas. Chamando-as de deusas e fáceis por serem pobres, estava sem palavras para descrever a experiência vivida em meio a tantas mulheres lindas e loiras. Racista que fala? Como pode, em meio a uma guerra sanguinária com risco de um desastre nuclear, sentir-se empolgado e planejar uma viagem para exploração sexual? Será mesmo que é o Padre Júlio Lancelotti o cafetão da miséria?
Sua justificativa – um momento de empolgação numa conversa privada com trechos retirados de contexto – é previsível. Nada de novo no front. Arthur do Val é o homem médio, o típico brasileiro que se diz dono da verdade, da moral e dos bons costumes. Aquele mesmo que se exaspera com mulheres na política, com autonomia sobre suas vidas e que dá vida ao bolsonarismo – é desnecessário trazer a ficha corrida de declarações racistas e misóginas do atual presidente. A expressão homem médio não exclui milhares de mulheres com mesma visão de mundo: egoísta, excludente, preconceituosa e mantenedora do Brasil nesse abismo de desigualdade socioeconômica.
Recém filiado ao Podemos, a conduta do deputado paulista atinge diretamente a candidatura do ex-juiz à Presidência da República, que já se pronunciou afirmando que jamais dividirá palanque com essa gente. Hipocrisia. Abandonou a magistratura para ser ministro do atual presidente que tem o mesmíssimo comportamento, a mesmíssima visão de mundo, a mesmíssima verborragia misógina.
São todos cheios de boas intenções numa casca grossa de barbárie. O bafafá envolvendo o deputado paulista talvez deixe à margem os “tour de blonde” de Renan dos Santos na mesma toada do atual presidente que incentiva o turismo para a exploração sexual de mulheres brasileiras. Tal afirmação deve ser mantida à vista, pois, compõe o mesmo tipo médio e revela a verdade sobre o patriarcado racista que sustenta a sociedade brasileira.
Talvez Arthur do Val seja punido individualmente, mas enquanto houver apoio a esses tipos de pessoas públicas e as relações cotidianas não forem questionadas com a radicalidade feminista, o Brasil vai continuar ouvindo áudios de homens médios que se sentem à vontade para falar demais.
Por Por Juliana Leme Faleiros, doutora e mestra em Direito Político e Econômico (Mackenzie). Especialista em Direito Constitucional (ESDC). Bacharela em Direito e Ciência Política. Advogada e professora.