Com o Supremo, com tudo, com Ciro e com Lula

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Por Leandro Freire e Franco Chiariello – Foi esquisito ver, no ato do dia 12, cartazes #VoltaTemer que militantes contratados do MDB seguravam em frente onde Marcelo Ramos, vice-presidente da Câmara dos Deputados, mais tarde, discursaria. Sua presença quase surpresa, explicou o enorme caminhão de som cercado de seguranças que estava estacionado ao lado das barracas da Turma Boa. Depois de todos os solavancos dessa semana do dia 12, ficou mais nítido o poder político do pessoal da coalizão “Com Supremo, Com Tudo” que o Temer faz parte.

Em 2018 Bolsonaro aproveitou uma brecha do sistema. Financiado e gerido por Steve Bannon, agregou os militares bandidos, neopentecostais mercadores de fé e neoliberais rentistas (que estão em todas desde o governo FHC) e usou, como nunca, a máquina das redes sociais. Ganhou. E a coalizão “Com o Supremo, Com Tudo” pagou pra ver. Tentou avançar em suas pautas, mas o descontrole da besta fera do Palácio do Planalto falou mais alto. O Santa Ignorância realmente tentou colocar em prática o discurso ditatorial que antes parecia apenas palavra de ordem eleitoral, o que fez com que a coalizão tivesse que apelar ao plano B. Aproveitaram para sugar tudo que podiam do Poder Executivo e, pro barco não afundar de vez, acionaram a parte suprema da coalizão para assegurar o direito de se elegerem. Hoje mexem nas regras eleitorais, para que nada, nem ninguém, atrapalhe a mamatinha segura.

Bolsonaro não mudou, como se esperava de alguém minimamente consciente de suas limitações que saiu dos grotões do baixo clero da Câmara para a presidência da República. E provou não só ser um inútil ao sistema político como o está atrapalhando. Foi enquadrado e pediu arrego, quem sabe para tentar sobrevida na eleição que vêm. Não consegue liderar nem uma manifestação de rua com seus fanáticos, tampouco tem estrutura mental para planejar e executar um mínimo da venda do Estado. Sempre foi motivo de piada na Câmara e hoje consegue o feito no Planalto. O que ele tem de forte são os discursos rasos que, nas redes, agregam certa massa popular e enganou aos milhares em 2018. Isso ainda deve ter relevância em 2022.

Lula sabe disso e, durante os últimos meses, foi até essa coalizão se vender como alternativa. Apostou na eficiência de sua máquina de propaganda nas redes para tirar o foco da contradição da narrativa do golpe que viria. Assim, apostou nas conversas com Renan, Sarney e Eunício, e fez a Dilma segurar a bucha. Ela segurou se mantendo sumida. A máquina sempre quente de mídia petista joga tudo para mudar o foco das contradições para os adversários, principalmente o terceiro lugar Ciro, especialmente porque este disputa a base progressista. E também para dar mais cara de “paz e amor ao temperamento de Lula”, deixando o Partido (Gleisi) ter a cara do “pega pra capar” e dos seus esquerdismos mil que deixam a massa em polvorosa. 247, DCM e companhia ltda. vêm à rebalde. O que é um peido pra quem tá cagado? Tem dado certo.

Mas a coalizão “Com o Supremo, Com Tudo” ainda não fechou com Lula. Há muita resistência entre as elites que ela representa, mais por preconceitos, do que por resultados. Parte dela se viu no ódio de Bolsonaro. O papo da volta da era de ouro dos tempos do Lula, é papinho para eleição. Na verdade, Lula sabe e as elites racionais sabem, que Lula entregou o que o sistema econômico e político queriam: normalizou o neoliberalismo e aprofundou a promiscuidade na relação com o Congresso. A elite política, sabendo que o Lula não é exatamente um deles, muito menos a Dilma, dobrou a aposta quando a presidenta chegou. E o PT escolheu entrar no jogo e pagar na moeda que o “Centrão” pediu.

Lula quer se mostrar como opção, pois pensa que aprendeu uma maneira muito própria e exclusiva de manejar a política. Na verdade, e a reconfiguração de forças atual mostra, o resultado do seu governo foi colocar a “Nova Elite Política” que o PT trouxe à Brasília no seu devido lugar. Foi nessa toada que os trabalhadores e intelectuais que o partido representava foram enquadrados à posição de subalternidade útil: justificando o adiamento das pautas históricas e reivindicações por uma pitada de hospital e escolas aqui, uma distribuição de bolsas e mestrados acolá, normalizando o espírito desindustrializante da política econômica e fazendo-os, até, defender, com orgulho e lágrimas, políticas assistenciais sem ampliar o complexo industrial brasileiro. O resultado foi deixar em aberto os alicerces capazes de fazer qualquer nação soberana no mundo contemporâneo reagir com serenidade a qualquer oscilação tanto política quanto econômica. Vide Coréia do Sul, China, e um tanto de outros países mundo afora.

Essa maneira de fazer política se baseia em dois consensos simples: ser um pacificador da luta de classes através do uso de medidas assistencialistas sempre dentro dos limites do rentismo e do consenso de Washington, por um lado, e ser gestor dos conflitos políticos com loteamento de cargos e olhos fechados, por outro. Claro que nunca deixando de lado a atuação pra confundir, na cabeça “da patota”, o significado da palavra “Esquerda”.

Outra força importante que ganhou espaço na política institucional são os jovens neoliberais da Faria Lima. Apesar de minoritários nas casas legislativas, eles têm força ideológica, poder nas mídias e influência nos rumos econômicos. Combatem ferozmente os discursos identitários, cooptando as mesmas minorias que o PT tenta trazer para si, do outro lado do espectro político. Só conseguem isso pois ambos disputam a visão liberal da individualidade. Mas o resultado prático da ideologia do MBL é que, no geral, a prática política que ela impõe passa ao largo do que a média dos políticos legislativos, que tem base real e interesses em atender demandas locais (famoso centrão), precisam para manter seus cargos.

O desmonte do Estado, proposto por essa ideologia, não dá voto, pois políticos com base real precisam mostrar que são “os caras mandam fazer”. Quando surge uma demanda dos rentistas, como a venda de empresas lucrativas estatais ou uma oportunidade de maior garantia ao pagamento da dívida pública, o esgarçamento dessa política neoliberal é compensado, dentro das casas legislativas, com uma enxurrada de reais nos bolsos de políticos e líderes partidários.

Aí, rola aquela retórica da moda sapeca. Dizem que o Estado precisa ser responsável, que devemos enxugar gastos, aquele blá blá blá, isso desde 1994. Usam as mídias locais pra propagar o discurso, e fica tudo certo com o seu eleitorado. Mas, no fundo, eles sabem dessa contradição e por isso se vendem caro. Sabem que um dia essa prática será extinta, como em qualquer país de democracia consolidada no mundo, e correm para ter o maior lucro durante o seu período de mandato. Essa é a dinâmica que gira a máquina partidária no Brasil de hoje. Pesado, né não?

Já Ciro enxerga as contradições do discurso neoliberal no conjunto político e entende a brecha onde cabe o discurso de um enfrentamento à ideologia Faria Limmer. Ele faz questão de ir até eles para quebrar os preconceitos, como fez no dia 12 de setembro, pois acredita que pode convencer parte deles utilizando a razão. Na conjuntura que vivemos, já é um grande avanço se propor a retirar os preconceitos ao discurso econômico desenvolvimentista, que ao fim e ao cabo, possui o exemplo prático de que só por esse caminho, a lavoura será salva.

Para a bancada do centrão, Ciro aposta em abarcar esses conservadores e progressistas com pequenos PRD’s (Projeto Regionais de Desenvolvimento) que empoderariam tais políticos dando a eles o protagonismo “dos caras mandam fazer”. A ideia é boa: relembrar à classe política a antiga, mas não ultrapassada, memória popular de que político tem que fazer coisas e não ficar só no discurso, de que mais do que “Economizar a grana dos impostos”, o mais importante é saber bem emprega-la. Em resumo, é entregar obras, funcionários públicos, melhorias de vida das pessoas dentro de um plano maior de desenvolvimento do Brasil, para que a grana gire, as contas sejam pagas, impostos arrecadados adequadamente (com baixas concessões pra conglomerados já bastante contemplados por conta do seu já construído poderio) e o povo consiga perceber que isso tudo seja um grande rearranjo nacional, visando o bem coletivo de modo total.

Se fosse só isso, seu plano teria grandes chances de êxito rápido e à longo prazo afastaria os interesseiros da política. Mas sua ambição, como sempre fala, é criar imediatamente uma nova governança política entre executivo e legislativo, excluindo pressões sem propósito para vender empresas públicas e pedir cargos no Executivo. Explicando…

A curto prazo, Ciro quer enquadrar o legislativo no seu Projeto Nacional de Desenvolvimento com auxílio dos Governadores, usando a renegociação da dívida entre Estados e União. A médio prazo, quer fazer com que os deputados entendam que é trabalhando e propondo adendos ao PND que vão conseguir emendas parlamentares, ganhar votos e continuar em seus cargos. É um salto e tanto, visto a degradação política que se construiu até hoje.

Na prática, todos sabem, essa nova governança dificulta a possibilidade de ganhos espúrios que o rentismo propõe. Se Ciro contasse com o PT para esse projeto, sua estrada poderia ser mais curta, mas o histórico de ser oposição para crescer do Partido dos Trabalhadores, e as inúmeras puxadas de tapete que Lula dá em quem brilha do seu lado, faz Ciro ter que escolher o caminho mais árduo.

O que ele propõe, portanto, é alterar as regras do jogo, tornando o Brasil mais republicano e soberano. Mas a coalizão “Com o Supremo, com Tudo” não gosta disso. Ainda não se convenceu de que essa nova ordem é possível, viável e benéfica aos seus interesses. Como é ela quem dá as cartas mas não tem candidato puro sangue, ela ficará tateando os primeiros colocados nas pesquisas, até a véspera da eleição, na esperança de garantir seu lugar ao sol com o máximo de garantias aos seus interesses. Quando não, bancando pesquisas antecipadas, de mais de 1 ano antes do pleito, para tentar dar um certo “dirigismo” no voto alheio. Fofos, não?

Eis o imbróglio.

Tudo dependerá dos ajustes, acenos e convencimentos que Ciro e Lula farão nos próximos meses. Ciro não se mostrou aberto a abrir mão do seu projeto republicano e quer convencer ao máximo de pessoas no gogó até ter que costurar alianças e negociar seu PND. Lula, por outro lado, conhecedor do sistema, foi pra cima dos seus velhos contatos. Ao mesmo tempo tenta cooptar o mercado financeiro com a promessa de que consegue entregar a abertura de capital de empresas públicas como a Caixa e a Eletrobrás, na esperança que o mercado também pressione (ou compre) os políticos da coalizão “Com o Supremo, Com Tudo”. Ao nosso ver, é pouco provável que a coalizão aceite Bolsonaro por mais 4 anos, até criar outra alternativa viável, mas pode ser uma opção para não perder o domínio do tabuleiro. Um apoio à um “João Trabalhador” ou algum outro Zé ninguém não está totalmente descartado.

Até lá, a regra da disputa entre as vias de oposição ao Bolsonaro será desconstruir um ao outro nas redes sociais e, na política real, tentar convencer a coalizão ou parte dela, em mudar a forma do jogo – Ciro -, ou manter as regras dividindo protagonismo com os “empregados” que entraram na política – Lula -, e assim, obter palanques que hoje não tem. No estágio atual, nenhuma das alternativas é cômoda à elite, admitamos. Ambas implicam em abrir mão de alguma parte do consenso criado desde o real início do golpe, lá em 2013.

Entre Ciro e Lula, a briga é de facão em sala iluminada por abajur lilás. As pessoas, em geral, ainda não pensam em eleição. As tretas, que esgotam militantes na internet, ainda são entre a parte politizada da sociedade. Que os facões não acertem nenhum membro vital. Afinal, ao acender das luzes, é o povo terá que escolher entre a continuidade ou mudança do sistema. A depender do resultado, Romero Jucá agradece.

Leandro PC Freire é Sociólogo, Advogado, militante de direitos humanos e presidente da Zonal Butantã do PDT-SP.

Franco Chiariello é sociólogo e presidente da Zonal Pinheiros do PDT-SP.

  1. Tratar Bolsonaro como um simples membro do baixo clero, desconsiderando-o como herdeiro da linha dura da ditadura militar, do esquadrão da morte e liderança das milícias paramilitares, é uma das principais falhas analíticas da análise produzida pelo PDT que frequenta esse sítio (o PDT real, seus filiados, sua heterogeneidade política e ideológica, que vai desde socialdemocratas sinceros a membros do próprio “Centrão” e neopentecostais que aqui se crítica, não se manifesta nesse sitio). O PT, por sua vez, assim como Lula, é apresentado de forma caricata, anticientífica, coisa que em nada contribui para estabelecer uma compreensão real, científica, racional, sobre os seus erros e acertos. No fundo, os erros do PT serão os mesmos erros do PDT ou de qualquer tentativa de implantação de um Estado de Bem Estar Social em um país da periferia capitalista: não compreender que o Estado tem caráter de classe e não poderá jamais ser colocado a serviço das classes que não representa e nem terá esse seu caráter de classe afetado pela vitória de qualquer candidato, por mais honesto e bem intencionado que seja. O caráter de classe do Estado não se disputa na luta institucional. Nesta se disputa as contradições das instituições do Estado burguês, que condicionam positiva ou negativamente a luta de classes que se desenvolve principalmente fora dessas instituições. A luta de classes se disputa para tomar o poder, sendo esse o objetivo final, que, em última análise, significará a substituição do Estado que representa os interesses da plutocracia por outro, que representará os interesses do proletariado. Nesse sentido, Coréia do Sul e China não podem comparecer como dois exemplos de mesmo valor quando se fala de soberania. A “soberania” sul-coreana, nem de longe, se assemelha à da China. Como poderia um país sede de bases militares ianques ser imaginado portador de soberania? Sem falar no corte da luta de classes “congelada” no tempo, que explica a existência de duas Coréias, divisão que, mais dia menos dia, terá que ser resolvida pir essa luta de classes.

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