Federação entre PT e PSB está prestes a implodir

Federação entre PT e PSB está prestes a implodir márcio frança marcelo freixo fernando haddad
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Lula pode muito, mas não pode tudo. O plano ideal do PT é submeter todos os partidos de esquerda não apenas à candidatura presidencial de Lula, mas também à sua hegemonia formalmente em uma federação liderada pelos petistas. O PCdoB aceita qualquer coisa, pois seus dirigentes não tem opção diante da cláusula de barreira que vai destruir a estrutura financeira do partido. O PV está em situação parecida. Assim como a Rede, que, no entanto, ainda busca uma alternativa intermediária em uma federação com o PSOL. Mas com o PSB o buraco é mais embaixo.

De um ponto de vista formal-administrativo a construção de uma federação tem muitas complicações.

Primeiro, como é composta a direção federada? O PT quer que seja pela proporcionalidade da bancada de deputados, o que garante sua maioria absoluta. Contra isso, o PSB, com o apoio tímido do PCdoB, exige uma maioria qualificada para garantir que os partidos aliados possam contrariar o PT em decisões importantes, ou seja, uma “cláusula de veto” que é rechaçada veementemente pelos petistas. Outra proposta para mitigar o poder avassalador do PT seria uma proporcionalidade subsidiária baseada na quantidade de prefeitos, critério no qual o PSB levaria vantagem, o que sequer é cogitado pelos petistas como algo a ser discutido a sério.

Segundo, como serão montadas as chapas proporcionais? Por exemplo, no Distrito Federal (DF) são eleitos 8 deputados federais. As chapas proporcionais só podem ter uma vez e meia o número das vagas, portanto, no DF uma federação só pode ter 12 candidatos a deputado federal. Cada partido teria apenas 3 candidatos? Como esses partidos, principalmente PSB, PCdoB e PV, fariam para atrair deputados já com mandato ou outros candidatos, sem saber se poderiam inscrevê-los nessas chapas proporcionais disputadas à tapa com todas as tendências internas do PT que já se acotovelam na luta não apenas pela legenda mas pelos recursos do fundo eleitoral?

Com a decisão do STF de adiar o prazo para formação das federações de até março para até maio, ou seja, após a janela de abril para filiação e troca de partidos para as eleições, qualquer deputado vai ter que pensar mil vezes antes de decidir por qual partido disputará a reeleição sem antes saber exatamente onde está se metendo diante da incerteza sobre as chapas proporcionais.

Terceiro, e os candidatos majoritários? O PT tenta impor uma conversa fiada sobre “viabilidade” para decidir com base em pesquisas eleitorais quais seriam os melhores candidatos. Mas ninguém leva isso a sério, pois todo mundo encontra um argumento para dizer que é mais “viável” que o outro. Os candidatos majoritários são um problema político, e não meramente partidário-administrativo. Esse tipo de campanha aos poderes executivos inclusive servem para autoconstrução de lideranças e partidos mesmo sem perspectivas de vitórias, a exemplo da muito bem sucedida trajetória de Guilherme Boulos do PSOL, que ninguém que realmente opera política considera um candidato “viável”.

A federação com PT, PSB, PCdoB e PV, portanto, não gera dificuldades apenas na decisão sobre as candidaturas para governador, mas para a definição dos candidatos a prefeito em 2024. É por isso que o PSOL, por exemplo, nunca sequer cogitou uma federação com o PT, pois sabe que teria todas as suas candidaturas majoritárias esmagadas, e essa é uma das maiores preocupações do PSB.

Pois bem, colocados esses problemas da própria estrutura decisória da federação, é preciso analisar os problemas políticos específicos gerados nesse processo de negociação concreto principalmente entre PT e PSB. Os partidos menores não tem muito o que fazer, apenas engolir os ossos e farelos que caírem da mesa dos maiores, não sem traumas, é claro.

No PCdoB, o histórico dirigente Orlando Silva, que foi de presidente da UNE a ministro de Estado e deputado federal, deve negociar um espacinho na nominata paulista do PSOL, onde tem mais chances de se eleger, bem como Manuela Dávila, que é cobiçada por suas expressivas votações para governadora no Rio Grande do Sul e prefeita de Porto Alegre. Apesar de fiéis lulistas, Orlando e Manuela são antes de tudo, como todos os ex-comunistas, muito pragmáticos, e vislumbram que terão mais poder interno no PSOL do que em uma federação com o PT. Já no PV, o ethos de José Luís Penna é ainda mais pragmático, e a utopia oportunista é filiar Geraldo Alckmin e os ex-tucanos dissidentes contra João Doria como José Aníbal, Aloysio Nunes, etc.

Portanto, o jogo de xadrez que realmente importa nas negociações pela “unidade das esquerdas” é entre PT e PSB.

Quem manda no PSB são os pernambucanos que governam o segundo maior estado do nordeste há 16 anos e não abrem mão de continuar no controle do orçamento gerido pelo Palácio do Campo das Princesas no Recife. Diante do recall eleitoral de Lula, eles toparam um acordo nacional com o PT que consiste basicamente em apoiar a volta do ex-presidente ao Palácio do Planalto em troca do apoio petista ao candidato do PSB ao governo de Pernambuco. De resto, os diretórios estaduais que negociem caso a caso. Paulo Câmara, Renata e João Campos, e todo o complexo clã herdeiro de Miguel Arraes, não estão nem aí para o que o PSB de Márcio França em São Paulo, ou de Renato Casagrande no Espírito Santo, ou de Alessandro Molon e Marcelo Freixo no Rio de Janeiro, consigam arrancar do PT no varejo.

O acordo que supostamente condiciona o apoio a Lula à reciprocidade petista em outros estados é uma ficção que serve somente ao presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, que é uma figura simbólica sem base eleitoral, cuja função é servir como mediador dos conflitos internos do partido hegemonizado pela ala pernambucana.

Esse acordo pseudo-nacional gerou uma celeuma gigantesca com vários fortes pré-candidatos a governador do PSB como Renato Casagrande que poderia ter sua reeleição ao governo do Espírito Santo ameaçada sem o apoio petista ou Márcio França que possui alta intenção de voto ao Palácio dos Bandeirantes em São Paulo, mas Lula e o PT não abrem mão da candidatura do poste Fernando Haddad como já expliquei em “Lula fecha com PSB pernambucano, mas frustra Flávio Dino e Márcio França“. Flávio Dino até conseguiu contornar a chantagem petista ao trazer o seu candidato a governador, seu vice tucano Carlos Brandão, para o PSB, e assim garantir o apoio formal do PT, ainda que Lula não vá deixar de subir em palanques de outros candidatos no Maranhão.

Porém, Márcio França não tem solução que não seja enfrentar o candidato do PT ao governo estadual ou se submeter a ser candidato a senador e ter sua influência político-eleitoral seriamente diminuída em São Paulo. O PT alega que em troca da retirada da candidatura do PSB paulista estaria dando apoio ao partido em outro estado importante do sudeste, o Rio de Janeiro. E esse golpe chega a ser obsceno.

No Rio de Janeiro, Lula convenceu Marcelo Freixo a sair do PSOL para poder ampliar seu palanque fora do gueto sectário da esquerda. No entanto, ao se filiar ao PSB, Freixo entrou quase como um petista infiltrado, e não ampliou nada. Pelo contrário, o movimento de Lula e Freixo fizeram o prefeito da capital fluminense, Eduardo Paes do PSD, fechar uma aliança com o PDT de Ciro Gomes, unindo os pré-candidatos Felipe Santa Cruz e Rodrigo Neves. Já no PSB, Alessandro Molon vinha construindo sua candidatura ao Senado há bastante tempo e buscando realmente uma chapa de amplitude, movimento que foi atropelado pela dupla Freixo/Lula.

Não foi só no Rio que Freixo chegou dando empurrões a mando de Lula dentro do PSB. O deputado carioca também quis se meter na disputa paulista e declarou que o petista Haddad deveria ser o candidato único da esquerda ao governo de São Paulo.

Diante do isolamento da pré-candidatura de Freixo simbolizado pela aliança estadual PSD/PDT e o impasse na formação da federação, Márcio França provocou o carioca sutilmente hoje em entrevista à CNN. Ele disse que a pré-candidatura ao Senado de Alessandro Molon pelo PSB é mais antiga que a filiação do deputado que veio do PSOL e não será retirada para contemplar um acordo com o PT carioca, bem como enfatizou que sem a federação, o partido está livre para ter candidatura própria ao governo paulista.

Por fim, o pré-candidato a governador de São Paulo do PSB disse que a federação é polêmica por ser praticamente uma “pré-fusão”, ou seja, os socialistas querem mesmo se tornar uma tendência interna ao PT? A provocação aos seus correligionários de outros estados que desejam entregar sua cabeça e se submeter a Lula a todo custo indica que Márcio França pode até ser derrotado, mas que o jogo ainda não acabou. Pelo contrário, a preços de hoje, tanto a federação como a candidatura de Freixo estão prestes a tornarem-se feitiços que se voltaram contra os aprendizes de feiticeiro.