Cinismo e idealismo no debate nazismo vs. socialismo

stalin-hitler Cinismo e idealismo no debate nazismo vrs. socialismo-min
Botão Siga o Disparada no Google News

Não se faz justiça aos regimes marxistas-leninistas (vulgo comunistas) dizendo que eles eram melhores que o nazismo por se basearem numa “teoria mais humana” e num “ideal mais fraterno”. Marx, Lenin e seus discípulos consideravam idealista, utópica, anticientífica e pequeno-burguesa a tendência de abstrair as ideias da realidade material histórica e de julgar os processos reis concretos à luz da sua adequação com teorias e ideais abstratos. Marx chegou, na Ideologia Alemã, a ironizar os “verdadeiros socialistas”, cujo critério de verdade estava no mundo das ideias e dos valores e não na práxis. O marxismo-leninismo se bateu contra os “socialistas utópicos” de projetos e valores a priori e defendeu o “socialismo científico” que, por ser “científico”, ganharia sua configuração no devir histórico, independentemente de juízos morais.

Apesar dos vários “socialistas utópicos” que defendem utopicamente os regimes socialistas reais, há também aqueles que procuram interpretar e defender “materialisticamente” tais regimes. Em geral, produzem análises muito honestas e interessantes, que destacam o empenho comunista em desenvolver os meios de produção e criar uma sociedade trabalhadora propriamente dita. Aprendemos, então, sobre os formidáveis índices de produtividade na URSS, sobre o pleno emprego lá quando o mundo capitalista se debatia na Crise de 29, na redução generalizada da jornada de trabalho, na construção de luxuosos parques para os trabalhadores etc. Eles apontam corretamente que a URSS criminalizou o racismo enquanto o nazismo o aplicava sistematicamente, o que, em termos de antirracismo, efetivamente coloca a URSS muito acima do III Reich. Temos muito a aprender nesses termos com os regimes marxistas-leninistas, todos eles, e os marxistas que apresentam esses pontos prestam uma contribuição muito relevante ao debate público.

No entanto, na maioria dos casos, essa honestidade científica se limita aos regimes de sua preferência, de modo que o que se torna desculpável ou minimizável para eles se torna um atestado de crueldade absoluta e monstruosa para os outros. Assim, o fato de Stalin ter extraditado comunistas e/ou judeus para a Alemanha nazista é tido como uma “nuance histórica”, enquanto o fato do governo de Getúlio ter autorizado a extradição da Olga para o III Reich macula-o definitivamente como “ditador”, que não pode ser defendido sem restrições e sem um pedido de desculpas a cada parágrafo.

Da mesma forma, o fato de Cuba, na década de 1960, ter mandado milhares de homossexuais para campos de concentração, onde se tentava “convertê-los” pavlovianamente ligando eletrodos dentro do ânus deles enquanto lhes era apresentado pornografia masculina, é considerado uma “etapa do aprendizado revolucionário”, irrelevante frente à redução do analfabetismo e às melhorias espetaculares na saúde pública, enquanto a ditadura militar brasileira, que comparativamente reprimiu muito, mas muito menos que o socialismo cubano e basicamente limitou suas execuções, prisões e torturas a membros da luta armada ou à procura deles, é tida como anátema moral absoluto, mesmo tendo promovido reformas sociais e econômicas bem mais à esquerda do que qualquer governo de esquerda que veio depois, e que não deixavam nada a desejar ao que de melhor a URSS e outros países socialistas fizeram. Se alguém discorda, que abra mão do seu PIS-PASEP, do seu FGTS, do seu salário-maternidade, das suas férias remuneradas de 30 dias, da sua previdência rural (se for o caso), e doe para o Tortura Nunca Mais.

Se a questão fosse meramente política, seria compreensível, afinal, não se espera de adversários políticos que se elogiem reciprocamente. O problema é que a maioria (ou seja, existe uma minoria a que isso não se aplica) dos que advogam uma análise “materialista dialética” para os regimes do seu agrado condenam da forma mais moralista e idealista aqueles que não são. Eles gostam de dizer que isso é ser “crítico”, mas no bom e velho português isso se chama cinismo. E é em cima desse cinismo que o bolsonarismo e olavismo deitam e rolam, afinal, se se deve condenar integralmente a ditadura militar pelos seus 434 mortos e desaparecidos, por que condenar integralmente o stalinismo pelos seus 3 milhões de mortos e o socialismo cubano pelos seus quase 10 mil mortos, num país com população significativamente menor que a do Brasil?

Alguns desses chegam até a querer criminalizar quem elogie o Estado Novo e a ditadura militar, pelo menos nos seus aspectos repressivos, mas se o fã-clube (deplorável) de Filinto Müller e Ustra deve ir para a cadeia, por que não o fã-clube do paredão e do “Stalin matou foi pouco”? Por que as conquistas sociais efetivas dos países socialistas podem ser lembradas como um bem em si só e como a prova da superioridade do socialismo sobre as democracias capitalistas, mas as do Estado Novo e as da ditadura militar aqui não podem ser debatidas sem se derramar um balde de lágrimas por Olga e Marighella a cada parágrafo? Não estou pedindo para celebrar a morte de ninguém, mas se é legítimo ver a história dos países socialistas em termos objetivos de construção nacional e processo histórico, por que a mesma legitimidade geralmente não é concedida a regimes nossos, cujo legado positivo até hoje nos beneficia? Se o materialismo histórico-dialético vale sem ressalvas para uns, por que não para outros?

Apesar de todos os rodeios dialéticos, a política preconizada por Marx e Lenin encaixa-se perfeitamente na máxima de Millôr Fernandes: “democracia é quando eu mando em você, ditadura é quando você manda em mim”. O que deriva da máxima de Lenin “fora do poder, tudo é ilusão”, que pode ser traduzida como: tudo que seja feito por nós é bom, e tudo que seja feito pelos outros deve ser condenado, por melhor que seja. Ela também define o modus operandi do fascismo.

  1. Errou, amigo, pq a discussão passa longe de ser essa. A discussão é o cerne da ideologia e não o que se faz em nome dela. Se você me provar que o comunismo promove extinção de raça, condena homossexuais ou prega supremacia de povo, podemos começar a discutir. A igreja prega a paz de Jesus mas foi responsável por pelo menos 200 milhões de mortes. Lacração intelectual é a pior de todas.

    Ps. Marx não condenava o socialismo utópico, a briga dele era contra o idealismo hegeliano. Marx inverteu os polos da dialética ente burguesia e proletariado pela praxis, não tinha essa de socialismo utópico, até pq a ideia foi inaugurada por ele e Engels…

  2. Mais uma vez o articulista desse site, Felipe Quintas, demonstra que é um mero propagandista e emulador do Bolsonarismo….

    E o pior é que busca as mesmas falsas simetrias que a narrativa da Direita Raivosa no Brasil utiliza – também sem nunca ter lido o Manifesto Comunista, o Capital, Ideologia Alemã ou qualquer outro livro dos pensadores da ideologia que ataca (Marx, Engels, Lenin, ou até Trotski/trotskista).

    Aliás, duvido mesmo que tenha lido algum livro de Darcy Ribeiro, Vânia Bambirra, Teotônio dos Santos ou mesmo de Alberto Pasqualini. Vale até biografias, até para saber que a Ditadura Militar que tem tanta admiração foi instituída a partir de golpe ao Trabalhismo.

    Brizola se revira do túmulo.

Deixe uma resposta