Celso Daniel em definitivo no documentário da Globo

Celso Daniel em definitivo no documentário da Globo
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Não há inocentes no caso Celso Daniel. É esta a impressão predominante após 8 bons episódios da série-documental homônima, disponível no Globoplay (2022). Em suas quase 9 horas de duração, o diretor Marcos Jorge revira um amontoado de arquivos que vão desde a fundação do Partido dos Trabalhadores até os escalabrosos depoimentos dos assassinos do prefeito de Santo André. As escolhas técnicas são inteligentes, com reconstruções feitas em formato de animação, com roteirização impecável.

As imagens retratam um Brasil ainda mambembe com a recém conquistada liberdade de imprensa. Os jornais fizeram do sequestro (e posteriormente da morte) um thriller de fotonovela, com requintes de crueldade e sadismo dignos de nota. Assassinos são entrevistados (em coletiva de imprensa) como se fossem técnicos de futebol. Os promotores ensaiam a fórmula que consagraria o Ministério Público brasileiro: a vocação pelos holofotes. Se o PT tinha algum receio em relação à repercussão da série no fomento ao antipetismo, não há de se preocupar: fora as confissões de caixa 2 e um ou outro discurso mal ajambrado, o pior problema do PT é ser imbecil o suficiente ao politizar um crime que acabaria sendo colocado em sua conta. O primeiro capítulo demonstra claramente a tentativa da alta côrte petista , no momento imediato à morte, em transformar o assassinato em trampolim político para as eleições que aconteceriam meses depois.

Entre arquivos oficiais e depoimentos atuais de figuras históricas do petismo – como os ex-ministros José Dirceu, Gilberto de Carvalho e Aloízio Mercadante -, notamos a presença massiva dos protagonistas do caso: os membros do Ministério Publico. A instituição sob a qual não paira dúvidas (apenas certezas) construiu uma narrativa em que, vamos lá: uma fuga de presidio hollywoodiana (com direito a helicóptero pousando no pátio) acabaria culminando na execução do prefeito, que, cansado da corrupção que o beneficiava, resolvera denunciar seus comparsas. Some-se a isso o fato do mandante ser o melhor amigo do assassinado, adicione um suposto romance homoafetivo entre o executor e executado e teremos um prato cheio servido aos abutres da imprensa. A mesma imprensa que, ignorando as recomendações policiais, tratou de divulgar aos quatro cantos o sequestro de Celso Daniel, decisão que pode ter sido fatal na escolha da quadrilha em eliminá-lo.

A conclusão do caso fica dividida em duas teses centrais. A primeira, defendida pelo PT e pelas policias Militar, Federal e Civil, acredita num mero crime simples. O Brasil no inicio dos anos 2000 sofria com a epidemia de sequestros nas grandes cidades. A quadrilha, violenta e inexperiente, decide sequestrar um senhor inofensivo dentro de um carro importado. Quando descobrem ser o prefeito de Santo André, desesperam-se com a repercussão gigantesca e optam por matá-lo. A segunda tese, financiada pelo Ministério Publico, é repleta de reviravoltas, fugas espetaculares e situações cinematográficas. Um rocambole digno da instituição que mais tem faltado ao Brasil.

No espetáculo miserável do oportunismo político, ainda somos obrigados a assistir pessoas como a Senadora (e ex-braço direito de Eduardo Cunha) Mara Gabrili. Filha de um dos figuras que viviam de surrupiar o dinheiro publico de Santo André, a senadora se diz vítima de achaque e utiliza do cadáver de Celso Daniel para ganhos políticos. Em nenhum momento apresenta nada de substancial, a não ser vagas lembranças freudianas que só corroborariam uma recomendação psicológica. O mesmo acontece com Marcos Valério (ex-operador petista), que, acuado pelo então juiz Sergio Moro, inventa uma história sem pé nem cabeça – rechaçada até pelo MP e seu realismo mágico – em que Lula teria orquestrado a morte de Daniel com auxilio de José Dirceu e alguns empresários. Até Sergio Moro achou absurdo.

Os familiares de Celso são um show à parte. O irmão, que havia rompido relações com o prefeito dez anos antes, tenta cacifar-se enquanto guardião da memória, corroborando narrativas fantasiosas e comportando-se como grande companheiro do morto. Apenas no último episódio é informado ao espectador o fato de Celso ter rompido relações com boa parte da família UMA DÉCADA antes de morrer.

Também fica claro que havia um esquema de corrupção instalado em Santo André, nos setores de Transporte público e Limpeza urbana, – que são, provavelmente, os maiores setores para desvio público de nossa república. O operador financeiro do esquema era Sergio Sombra, o acusado de ser mandante do crime, achacador de empresários, amante, traíra e tudo que há de mal. Sombra foi morto em vida, vitima de uma perseguição (justa ou não) da mídia e do Ministério Público. Ronan Maria Pinto, também acusado, é dono do maior consórcio de ônibus do ABC ( e sócio de Sombra em diversos empreendimentos), possui tantos processos criminais que não faria muita diferença ser acusado por um homicídio. Um a mais, um a menos, os advogados já estão pagos.

Também é digna de menção a participação do ex- secretário de Serviços Urbanos, Klinguer Oliveira, acusado de ser um dos tentáculos do grande esquema de Santo André. É um personagem articulado, homem de confiança de Celso e apontado em diversos momentos como elo de ligação entre o consórcio de transporte e o poder público. Apesar de pouca coisa concreta, o personagem acabou preso em 2017, em mais um episódio no mínimo duvidoso do Poder Judiciário brasileiro. Klinguer era procurado desde 2015, estava “foragido” em Santo André e foi pego na única instituição repressiva que funciona no Brasil: a blitz.

Ao final da saga, fica a impressão de que todos os personagens têm alguma culpa. Os assassinos, pelo assassinato; o PT, por politizar o impolitizável; a família, por aproveitar-se do cadáver para cacifar-se como herdeiros políticos de um espólio que jamais fora seu; por fim (e não por último) o Ministério Publico, por criar narrativas cinematográficas para justificar sua autonomia. Esta, definitivamente, o maior erro da Constituição de 1988. Neste triste enredo macabro talvez nunca saibamos o que é real e o que é fantasia. Ambas misturam-se nessa orgia dantesca que se chama Brasil.

  1. Ainda mantenho a opinião de que quem melhor explica o Caso Celso Daniel é o Sr. Romulus Maya, do canal do youtube Duplo Expresso. A quem se interessar, existem vídeos muito sucintos que expõem os mandantes, o porq fizeram e a campanha de acobertamento que veio depois. Só um incauto ou alguém com esqueleto no armário para afirmar e defender a hipótese de crime comum, no meu ponto de vista.

  2. Tem Seres Humanos que Adoram Um Romance, quanto mais Dantesco, melhor, naqueles tempos eu pertencia ao PT, acompanhei esta estória com e mesmo, de crime político e sei das pataquadas, quando você odeia alguém e surge algo que venha a calhar contra esse alguém, pouco importa a verdade, minha narrativa é mais importante. Tenho pena de conspiracionistas, o que não significa que elas não existam as conspirações, mas é como no caso do menino filho de PMs que matou toda a família, apesar das provas cabais para quem acompanhou atentamente, como no meu caso, preferem viver de narrativas e manipulações. Parabéns ao autor do texto, muito lúcido.

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