José Dirceu: “O Brasil evitou um golpe quando Brizola armou o povo”

José Dirceu em encontro no Barão de Itararé com a Mídia Alternativa e Blogueiros em São Paulo. Foto por Lina Marinelli
José Dirceu em encontro no Barão de Itararé com a Mídia Alternativa e Blogueiros. Foto por Lina Marinelli
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Nesta quinta-feira (30/08), o ex-dirigente do PT e ex-Chefe da Casa Civil do governo Lula, José Dirceu, conversou com jornalistas da mídia alternativa na sede do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé.

Zé Dirceu, como é conhecido, é uma figura relevante da política brasileira há mais de 4 décadas. Dirigente estudantil da luta contra a Ditadura Militar, foi capturado no famoso Congresso da UNE em Ibiúna e trocado junto com outros presos políticos pelo embaixador dos EUA, Charles Elbrick, que havia sido sequestrado pelo MR-8 em conjunto com a Aliança Libertadora Nacional (ALN), em 1969. Exilou-se em Cuba, passou por treinamento de guerrilha, fez cirurgia plástica para não ser reconhecido e voltou clandestinamente ao Brasil. Ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores, do qual foi presidente, foi deputado federal, Chefe da Casa Civil, e novamente preso e perseguido por seus inimigos políticos. Dirceu é história viva do Brasil em carne e osso.

A conversa informal com os jornalistas foi marcada por uma análise de conjuntura misturada com uma reflexão histórica sobre o Brasil, além de lembranças da trajetória pessoal. O tom do discurso de José Dirceu era ameno, mas duro no conteúdo. Lamentando a situação na qual o Brasil se encontra, lembrou de situações difíceis do país e de sua luta política, exaltando uma figura política que nunca foi de seu partido e que disputou a hegemonia do campo da esquerda com o PT: “O Brasil evitou um golpe quando Brizola armou o povo!”. E imediatamente fez uma ressalva irônica para não ser mal compreendido: “Não estou defendendo que armemos o povo”, arrancando risos dos presentes. Mas citou Leonel Brizola ainda mais duas vezes, para lembrar de ensinamentos do ex-governador do Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro na luta contra a direita golpista brasileira.

Analisando a situação do Brasil perante o mundo, José Dirceu afirmou que há uma ofensiva autoritária e imperialista na geopolítica, e que a direita brasileira não consegue resolver nenhum dos conflitos estruturais que assolam o Brasil. Externamente, o Brasil está totalmente submetido ao Departamento de Estado americano, e perdeu todo o protagonismo dos anos Lula na política internacional. Internamente, não conseguem impor sua hegemonia para implantar seu projeto de desmonte do Estado social brasileiro e de sua atuação na economia.

O ex-ministro contrastou a subserviência do Brasil, que entrega seu petróleo para as empresas estrangeiras, com a soberania das monarquias petroleiras do Oriente Médio, que apesar de estarem sob influência dos EUA, não abrem mão do controle da renda de seu petróleo, e a utilizam para manter-se no poder e armar-se. Tal situação é confortável para a indústria bélica norte-americana, e sua política externa que isolou o rebelde Iraque, além de Irã e Síria que sobrevivem com apoio da Rússia, protegendo Israel e os interesses ocidentais na região. Por aqui, o Brasil abre mão de liderar sua região e outros países emergentes sem receber nada em troca da potência imperialista.

Sobre o momento da política nacional, José Dirceu enfatizou que não subestima Jair Bolsonaro. Disse estar impressionado com a adesão da burguesia ao capitão do exército, e que setores reacionários tem crescido e organizado lutas concretas como a greve dos caminheiros, e previu o aumento de uma tendência de conflitos entre as forças políticas que apoiaram o golpe pela incapacidade de resolução da crise, alertando: “a elite não tem pudor de governar pela força”. Mas mostrou-se cético à possibilidade do cancelamento das eleições, pois apesar da onda autoritária, acha improvável um golpe militar igual o de 1964 no “mundo de hoje”, além do que “a economia do Brasil colapsaria”. Sua análise é a de que o golpe se dá pelo controle das eleições pela mídia e pelo Judiciário, sendo a prisão de Lula a questão mais óbvia, além das restrições legais às campanhas, que são cada vez maiores.

No entanto, Dirceu mostrou-se otimista perante a incapacidade da direita de resolver a crise profunda do Brasil. Previu que as lutas populares irão acontecer com o aumento da pobreza e da retirada de direitos sociais, e que os partidos de esquerda precisam se preparar para estar ao lado do povo e organizá-lo. Atacou a panaceia da Reforma da Previdência para resolver o problema do orçamento público, apesar de concordar que uma reforma é necessária. Segundo ele, a solução é uma reforma tributária progressiva e uma ruptura com os juros altos tanto no setor público como privado.

Num balanço sobre os 13 anos de seu partido no poder, reconheceu erros do PT no governo federal e também seus individualmente. Mas defendeu a transformação social realizada com a eleição de Lula em 2002. Segundo ele, e admitiu arrependimento, faltou uma organização do povo para mobilização. Para o dirigente petista não bastava ganhar as eleições, venceram 4, era preciso levar adianta as propostas de criação de conselhos baseados nas necessidades da população: “Se tivéssemos conselhos enraizados no povo a partir do Bolsa Família, não tínhamos tomado o golpe”.

Dirceu disse que os partidos de esquerda devem retomar o trabalho de organizar a luta popular, com táticas e métodos de resistência, e não só de disputa eleitoral. Elencou episódios de violência causados por infiltrações e sabotagens das manifestações populares da esquerda nos últimos anos, e lembrou de sua época quando o movimento estudantil resistia aos ataques da repressão, afirmando que hoje a polícia acaba com uma manifestação de milhares de pessoas com facilidade, fazendo um gesto de peteleco com os dedos. Concluiu dizendo: “É preciso reconstituir uma força popular capaz de impor às corporações estatais um projeto de desenvolvimento.”.

Ao final, José Dirceu assinou autógrafos em seu recém-lançado livro, primeiro tomo de sua auto-biografia que está sendo publicado pela Editora Geração: “Zé Dirceu: Memórias – Volume I”. O livro tem 495 páginas, composto por 35 capítulos, além de dois anexos: seu discurso de posse na Casa Civil em 2003, e seu discurso de defesa na Câmara dos Deputados contra a acusação de Roberto Jefferson de que chefiava a compra de votos de parlamentares em 2005. O livro vai do começo de sua luta política, passando pela clandestinidade na Ditadura, pela fundação do PT e liderança da oposição, a chegada ao poder com a eleição de Lula, até justamente sua queda do governo no escândalo do Mensalão. Os desdobramentos de sua vida fora do poder ficaram para o segundo volume, no qual deve contar a repetição de sua prisão política, dessa vez como farsa, décadas após a tragédia da luta contra a Ditadura.

José Dirceu. Capa do livro Zé Dirceu: Memórias Volume 1