Programa do governo Lula de repatriação de cientistas: como operar de maneira errada uma boa ideia

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A fuga de cérebros é um problema gigantesco para o Brasil e todos os países dependentes. É um problema gravíssimo desde uma perspectiva econômica, política, tecnológica e de soberania nacional. Vamos falar do problema em si primeiro.

Programa do governo Lula de repatriacao de cientistas como operar de maneira errada uma boa ideia
https://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2024/04/cnpq-diz-que-governo-tentara-repatriar-mil-cientistas-por-meio-de-programa.shtml

Os centros do imperialismo, como Estados Unidos e União Europeia, por sua posição de destaque na produção tecnológica mundial, são em si polos de atração de cientistas e pesquisadores do mundo todo (melhores salários, estrutura, condições de vida, maior prestígio etc.)

Esses países, com destaque para os EUA, têm estratégias múltiplas de captação de talentos no mundo todo. É quase impossível um pesquisador brasileiro, por exemplo, realizar uma pesquisa de potencial valor patenteável e não receber um convite para trabalhar nos EUA.

Combinado com esse problema, desde 2014, o Brasil vive ciclos permanentes e cada vez mais violentos de austeridade. O aumento de investimento público de 2005-2014 gerou milhares de novos mestres e doutores que, a partir de 2015, perceberam fechadas as chances de emprego.

Então, na dinâmica atual, temos, simplificando um pouco, dois problemas: um de ordem estrutural, ligado a força dos centros imperialistas de captação de cérebros e um mais conjuntural, ligado à austeridade, efeitos da Lava-jato, golpe de 2016, desnacionalização da economia etc.

Não está em questão, no Governo Lula III, construir um sistema nacional de inovação. Isso passaria por reformular nossa legislação de patentes, recuperar cadeias produtivas destruídas, enfrentar a desnacionalização da economia, retomar o controle do Banco Central etc.

Ao final do Governo Lula III, o Brasil continuará sem um sistema nacional de inovação digno desse nome, um consumidor de tecnologia e certas tendências – como o assustador déficit comercial na saúde – devem se aprofundar. A questão estrutural não será enfrentada.

O Governo Lula III, contudo, poderia enfrentar a dimensão conjuntural. Criar condições de emprego para a força de trabalho já especializada e formada, recompondo salários, carreiras, infraestrutura de trabalho e perspectiva de futuro imediato.

O Governo Lula III, por iniciativa sua e não do Congresso, empurrou um Novo Teto de Gastos e ameaça atacar os pisos constitucionais da saúde e educação. Não faz o suficiente para melhorar salários e carreiras, nega aumento aos servidores e melhora robusta da infraestrutura atual.

Nessas condições, o Governo não atua para enfrentar a questão estrutural e muito menos a conjuntural. É nessa situação, sem planejamento, sem política coerente, como barata tonta, anuncia um programa de repatriação de pesquisadores/as. Confusão e demagogia!

Primeiro deveria estancar a sangria atual recompondo orçamento das Universidades/Institutos Federais e dos seus servidores. Em seguida, pensar em programas direcionados de repatriação de cérebros, como no setor de petróleo e gás, saúde, mobilidade urbana, indústria de defesa etc.

Em seguida, numa dinâmica de construção de um Sistema Nacional de Inovação, pensar em programas gerais e amplos de repatriação. Como passo seguinte, em um projeto estruturado e de longo prazo, operar a atração de talentos de vários países do mundo.

Do jeito que a coisa foi apresentada, temos um programa desconexo, confuso, sem utilidade prática e que vai causar indignação (com razão) em estudantes, servidores públicos, mestres e doutores no Brasil que vivem situação difícil e sem perspectiva de futuro garantida.

E não é um problema de comunicação. É um problema de política. É um governo sem estratégia, sem norte, sem coordenação entre os ministérios e onde o Ministro da Casa Civil só aparece na hora de garantir alguma demanda do “Centrão” e da grande burguesia.

É uma irresponsabilidade tratar com tal grau de improviso, desconexão e infantilidade um problema tão sério quanto a fuga de cérebro. Um desserviço ao país e ao debate sobre soberania produtiva, científica e tecnológica.