Ainda sobre a independência do Banco Central

A pauta da independência do Banco Central havia sido recusada, explicitamente, por Fernando Henrique Cardoso, quando era presidente da República. Ele percebia como essa medida alteraria a estrutura de poder dentro do Estado brasileiro.
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Por Cesar Benjamin – A pauta da independência do Banco Central havia sido recusada, explicitamente, por Fernando Henrique Cardoso, quando era presidente da República. Ele percebia como essa medida alteraria a estrutura de poder dentro do Estado brasileiro.

Esta pauta foi retomada no governo Lula, que mais de uma vez sinalizou apoio, principalmente por declarações e ações do então ministro Antonio Palocci. Mas a medida não chegou a se concretizar, até mesmo por resistências dentro do próprio PT.

Mesmo assim, Lula fez concessões de grande alcance. Em julho de 2008, assinou a Medida Provisória 435, que passou despercebida.
Na época, escrevi o artigo “O Banco Central tomou o poder”. Como é extenso, transcrevo apenas parte dele:

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“O BC teve prejuízo de R$ 47 bilhões em 2007. O mais importante não é ressaltar o prejuízo em si, que em parte decorre de operações legítimas, mas sim a qualidade da política econômica que o produz. Vamos simplificar: o BC compra dólares que entram no país. Com eles, forma reservas cambiais. Para evitar que haja reais em excesso na economia, oferece títulos do Tesouro Nacional no mercado aberto. Os dólares tendem a se desvalorizar, enquanto os títulos, entregues aos agentes privados, pagam altas taxas de juros. O BC perde. O prejuízo é repassado ao Tesouro Nacional e contabilizado como déficit.

“Até aqui, o BC operava com uma limitação: só podia usar títulos que já estavam em sua carteira. A MP 435 altera isso: define que o Tesouro passará a entregar ao BC, sem contrapartida, a quantidade de títulos que ele solicitar.

[…]

“Se a MP 435 for transformada em lei, o BC passará a contar com um crédito automático e ilimitado, junto ao Tesouro, para cobrir os custos de suas decisões. As operações de mercado aberto poderão ter um crescimento explosivo e, com elas, a dívida interna. Os custos disso aparecerão para o público, genericamente, como obrigações do Tesouro Nacional. Aumentarão as críticas contra o Estado gastador, sem que se explicite onde ele gasta. Haverá maiores pressões para aumentar o superávit primário. Tudo em nome da boa causa do combate à inflação.

“Eis o que é relevante: com a MP 435, o BC se torna o único órgão público com licença ilimitada para gastar. Passa a comandar diretamente o Tesouro Nacional e, indiretamente, o conjunto do Estado. É inconstitucional: os incisos II e III do artigo 167 da Constituição vedam créditos ilimitados e estabelecem restrições a esse tipo de operação.

“Se o Congresso, o Judiciário e a sociedade civil não reagirem, a República deixou de existir. O BC tomou o poder.”

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A sistemática definida pela MP 435 continua em vigor. Isso dá bem uma medida de como está se criando um Estado paralelo dentro do Estado brasileiro: um órgão dotado de superpoderes, com licença para gastar, transferindo seus gastos para o Tesouro, e não submetido ao poder político da Nação.

A democracia brasileira está nas vésperas de se tornar apenas um eterno bate-boca entre políticos, sem nenhuma substância real.

Por: Cesar Benjamin.