A última idiotice do Bolsonaro é querer trocar a palavra “golpe” por “revolução”, no ENEM, para se referir à tomada de poder pelas Forças Armadas em 1964. Como de praxe, mais uma discussão vazia, voltada unicamente para gerar polarização, gritinhos, bolsadas e puxões de cabelo em torno de conceitos que, descontextualizados, tornam-se rótulos abstratos e sem sentido, bons para fazer panfletagem e péssimos para o esclarecimento científico.
Se o objetivo fosse incentivar uma visão mais ampla e não estereotipada dos governos militares – não digo favorável necessariamente, porque aí depende dos valores e crenças de cada um, mas mais abrangente – em vez de se disputar palavras sem contexto, seria importante dar mais destaque para os empreendimentos construtivos do período, como aspectos objetivos formadores da Nação.
Um exemplo são as políticas sociais da ditadura, como demonstrado no quadro extraído do livro O Estado de Bem Estar Social na Idade da Razão (2012), da prof. Celia Lessa Kerstenetzky, insuspeita de qualquer simpatia com o regime autoritário. Faltam nesse quadro, ainda, a criação do Estatuto da Terra (1964), do PIS/PASEP (1970), do INCRA (1970) e da Central de Medicamentos (1971).
Como também consta nesse livro, o nível de investimentos públicos sociais em relação ao PIB triplicou entre 1960 e 1980 (na base de um PIB muito maior em 1980 do que em 1960), a taxa de pobreza foi reduzida em 40% na década de 1970 e o desemprego médio foi de 2,5%.
Infelizmente, não convém a nenhum dos principais grupos políticos de hoje o estudo dessas realizações. Ao contrário, eles se empenham em produzir uma amnésia coletiva sobre elas, para normalizarem a falta delas e alcançarem melhor seus objetivos politiqueiros.
Para Bolsonaro e os demais liberais é melhor que sejam esquecidas e ignoradas, já que eles se opõem frontalmente a elas e as enxergam como “comunismo”. Para eles, se ninguém lembrar, não farão falta. Também para a esquerda, ou pelo menos para a maior parte dela, é melhor que sejam esquecidas e ignoradas para que o bolsa família apareça como a primeira e maior política social de todos os tempos (“nunca antes na história desse país…”).
E, para todos eles, quanto mais se esquecer o que de bom foi feito antes da Nova República, mais legítima se torna uma “democracia” que, em termos de direitos e garantias materiais, mais tem tirado do que dado, e que, na prática, é mais uma aliança oligárquica entre a partidocracia, a juristocracia e a bancocracia, na qual até mesmo o direito à liberdade de expressão, uma das vantagens inegáveis da Nova República frente aos regimes autoritários anteriores, está ameaçado sob pretexto de combate às “fake news”.
E assim descaminha o Brasil.