Muita gente da bolha progressista se incomoda e diz que Ciro Gomes erra quando critica Lula e o PT. Na visão dessas pessoas, o inimigo é Bolsonaro e Ciro perde muito “atacando” Lula. Essa ideia tem como pano de fundo um raciocínio que prevê a divisão da sociedade apenas em dois blocos, um bloco progressista, hegemonizado pelo PT, e um bloco antipopular, neoliberal ou qualquer outro nome do momento. Na verdade, o que muita gente não percebe é que o erro mesmo está em pensar dessa forma. Por que digo isso?
A bolha progressista, especialmente os artistas, tem praticamente toda a sua mentalidade formatada pelos formadores de opinião do lulismo. Isso vai desde o que se autointitula “mídia independente” (na prática, meios de comunicação totalmente alinhados ao lulismo) e suas ramificações nas redes (principalmente YouTube) e perfis supostamente neutros em relação ao bolsonarismo. Esse conjunto de instrumentos de hegemonia funciona para criar uma identidade progressista completamente alinhada com a estratégia política lulista e seu pragmatismo eleitoral. Isso acaba criando uma cultura de justificação para tudo o que é feito pelo lulismo em seu vale-tudo para vencer as eleições. Ainda, esse trabalho de hegemonia direciona os holofotes do “campo progressista” apenas para aquilo é útil de acordo com essa estratégia eleitoral do lulismo.
Querem um exemplo? Quando Ciro negociava com Alckmin uma aliança em São Paulo para o apoio à sua candidatura presidencial, isso era taxado como uma “guinada à direita” do Ciro. Quando Alckmin vira o vice do Lula, isso passa a ser uma “união contra o fascismo” e ninguém mais pode criticar isso. De repente, tudo passa a ser justificado e Alckmin passa a ser um democrata na luta contra Bolsonaro. O que isso tem a ver com o que quero falar aqui? Apenas mostra como pedaços da realidade são selecionados de acordo com o que eles querem, com a interpretação que eles querem, para levantar ou destruir alguma liderança. Nesse caso, a mentalidade média do progressista é feita para se adequar à estratégia do hegemonismo petista. É justamente esse ponto que atinge o núcleo da minha argumentação.
A mídia “independente” seleciona apenas os momentos em que Ciro critica o PT, ignorando completamente sua oposição ao Bolsonaro, para passar uma imagem de que o Ciro só faz isso agora. Basicamente, é a mesma coisa que fizeram com a Marina quando tentam passar a impressão de que ela só aparece na eleição. Nesse caso, nossos consagrados progressistas, supostamente críticos, embarcam na narrativa formatada para eles da mesma forma como os bolsonaristas embarcam nas fake News contadas pelo seu gabinete do ódio. No fim das contas, o mecanismo é o mesmo: adulterar a realidade para que ela conte uma narrativa útil a algum grupo político. É justamente por ter essa identidade progressista construída a partir da estratégia do lulismo que muitos reagem e apontam que Ciro está errando e “se perdendo” ao criticar Lula.
Agora, temos que discutir se é realmente um erro o Ciro criticar o Lula. Vamos refletir agora sobre esse ponto. Se um candidato como o Ciro quer ser presidente, ele tem que buscar os votos de todos os eleitores ou apenas os votos de quem se diz ideologicamente de esquerda ou progressista? Nesse caso, alguém acha frutífero a candidatura do Ciro tentar conquistar os votos apenas de quem se diz de esquerda e já está fechado com a candidatura do Lula? Na cabeça dessas pessoas, Ciro deveria abrir mão (de novo) em prol do Lula em sua sétima eleição em torno da tão falada “unidade” (sempre a favor do PT).
Poucos se lembram, ou simplesmente ignoram mesmo, que a estratégia de poupar Lula e o PT já foi utilizada em 2018 e a única coisa que o Ciro conseguiu foi um percentual mais elitizado do voto lulista que entendia que Haddad não ganhava do Bolsonaro. Essas pessoas, tendo a possibilidade de votar em Lula, não vão continuar votando no Ciro. Boa parte do eleitorado lulista é fiel a um ponto de não abrir mão, tendo opção de voto no PT (ainda mais quando essa opção é o Lula), para votar em outro. Qual a saída então? Resta alguma saída que não seja se mostrar como alternativa a Lula, apontando todas as contradições do lulismo durante o debate de ideias? É verdade que podemos discutir se o tom das críticas é o adequado, se a forma como algumas palavras são colocadas é adequada, mas não podemos achar que a crítica a Lula não pode ser feita. Se Ciro quer ser uma opção contra Lula e Bolsonaro, ele precisa criticar os dois, não apenas um.
Os que pedem para que Ciro não critique o PT estão com uma mentalidade de que ser progressista ou de esquerda é aceitar acriticamente a liderança de Lula. Nesse caso, na prática, eles querem que Ciro se submeta ao PT agora (algo próximo ao que faz Boulos) e “aguarde seu momento”, como se seu destino dependesse do PT. Sinto desapontar, mas garanto que isso não vai acontecer. É justamente com essa leitura de que essa estratégia de poupar o PT deu errado que Ciro entendeu que o caminho não passa pela subordinação ao hegemonismo lulista.
Essa estratégia de crítica ao Lula pode dar errado? Pode, mas é o único caminho possível para que o Ciro seja presidente. O grande erro do Ciro não é criticar o PT. Na verdade, o erro mesmo foi ter se colocado próximo demais do PT no período 2016-18 com o impeachment da Dilma e a prisão do Lula. Essa estratégia garantiu apenas um voto residual suficiente para um terceiro lugar (honroso, mas insuficiente), uma rejeição por conta do atrelamento ao lulismo e uma rasteira do PT, que preferiu Bolsonaro no segundo turno em 2018.