Brasil, o homem doente da América do Sul: Por que Lula não pode nos salvar de Bolsonaro

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Por Maria Eva Angelim – A expressão “o homem doente da Europa” já foi usada mais de uma vez por analistas políticos. Seu criador foi o Czar Nicolau I, no século XIX, que se referia ao Império Otomano, Estado decadente que veio a se esfacelar com o final da 1ª Guerra Mundial.

Outro uso bastante emblemático da expressão foi em relação à Alemanha do período da República de Weimar. Naquele momento o país, que era uma das maiores potências europeias, estava absolutamente imerso em conflitos políticos cada vez mais radicais, e em uma crise econômica sem precedentes originada na crise de 1929.

O Estado alemão, embora parlamentarista, estava com o Congresso totalmente dividido e era de fato governado pelo seu presidente. Paul Hindenburg, um veterano de guerra e figura política conhecida, foi chamado aos 84 anos e com saúde já delicada para disputar as eleições presidenciais do seu país.

Hindenburg era na época visto como o “único candidato capaz de impedir a ascensão de Hitler”. Os partidos democráticos da Alemanha se uniram em torno de sua candidatura e Hindenburg de fato venceu a eleição com 53,0% dos votos contra 36,7% de Hitler, uma vitória folgada. Os democratas, do centro à esquerda, respiraram aliviados.

Para responder à crise, Hindenburg indicou como ministro da Fazenda o economista Heinrich Brüning. Brüning, um liberal, queria evitar a todo custo a hiperinflação que a Alemanha viveu entre 1921-23, e acreditava que qualquer tentativa de renegociar os pagamentos da dívida externa seriam repudiadas pelos credores internacionais.

Nesse contexto, o governo começou um plano de deflação (ajuste fiscal) draconiano. Entre outras medidas, cortaram investimentos públicos, suspenderam todos os novos pagamentos de seguro desemprego, reduziram drasticamente benefícios para doentes, inválidos e pensionistas, cortaram em 20% os salários, aluguéis e remunerações.

O resultado líquido, como se sabe, foi que no período 1929 e 1933 o desemprego alemão aumentou de 8% para 30% da população, e a produção industrial caiu em 42%. Bancos internacionais suspenderam empréstimos para a Alemanha e a situação ficou insustentável.

Instalou-se um período de colapso econômico e social que permitiu a ascensão de Hitler como chanceler em 1933, apenas um ano depois de sua derrota eleitoral. Em 1934 Hindenburg faleceu e, sem novas eleições, Hitler acumulou o cargo de presidente sendo denominado então führer (líder) da Alemanha.

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O que o caso do homem doente da Europa alemão nos conta? Em primeiro lugar, que a disputa eleitoral é diferente da disputa política. Embora Hindenburg tivesse vencido com vantagem as eleições de 1932, o nazismo como força política e social nunca perdeu força.

A força do partido nazista não era o resultado eleitoral de seus líderes, mas sua capilaridade social, a articulação com patrocinadores no meio empresarial, a penetração nos aparatos de Estado alemão, e sua força ideológica nas classes médias e trabalhadoras. Uma derrota eleitoral não destrói uma força política organizada.

Em segundo lugar, o caso alemão nos mostra que por trás da disputa ideológica, havia algo concreto que alimentava permanentemente o Partido Nazista, a crise econômica. A Alemanha estava imersa em problemas econômicos estruturais: uma dívida externa avassaladora e a ausência de colônias como outras potências ocidentais.

A elite política alemã, incluindo o SPD, de centro-esquerda, não via alternativa fora de uma concepção econômica liberal, como a aplicada por Hindenburg. Sua perspectiva era a de “remediar” os males provocados pelo modelo econômico adotado.

A incapacidade das elites políticas de produzirem reformas profundas era o alimento do qual o Partido Nazista se alimentava e crescia. Ele era o combustível invisível por trás do crescente radicalismo da sociedade alemã, e de sua disposição de abandonar tudo pela perspectiva de uma mudança radical, viesse ela do Partido Comunista ou do Nazista.

É importante observar as muitas similaridades entre o período do Entre-Guerras e o período que estamos vivendo. Há uma mudança geopolítica importante em curso, com uma disputa crescente entre as velhas potências (Inglaterra e França na época – EUA e União Européia hoje) e as novas (EUA, Alemanha, Itália e URSS na época – a China hoje).

Também houve, e há agora, um conservadorismo e uma incapacidade das elites políticas do establishment em elaborar um modelo que transforme profundamente as bases de seu sistema econômico. Como isso não ocorre, as forças políticas radicais vão surgindo e se fortalecendo nos diversos cantos do mundo.

Nos EUA, mesmo depois de sua derrota eleitoral contra Biden, do establishment, o trumpismo continua uma força política fortíssima. Na França, depois da eleição do social-liberal Macron, Marine Le Pen só ganhou expressão política. Na Itália, a crise política se aprofunda sem perspectiva de fim, e movimentos neofascistas se fortalecem.

Na América Latina a situação é similar. Javier Milei caminha a passos largos na Argentina diante do imobilismo do governo peronista. No Chile, a extrema direita de José Kast já é a segunda colocada nas pesquisas para as eleições presidenciais. Para além de qualquer perspectiva eleitoral, esses movimentos fortalecem suas presenças na sociedade.

No Brasil, Bolsonaro continua firme como líder de massas, insufla amplos setores sociais contra as instituições, com penetração em policiais e outras forças de segurança, um exército de influenciadores digitais que alimentam sua máquina de comunicação, e financiamento garantido por empresários simpáticos à sua plataforma política.

O que Lula e o PT pretendem fazer diante disso tudo? Qual é a solução do PT para os problemas estruturais que vive o Brasil, o homem doente da América do Sul? Como vamos interromper o alimento básico das forças da extrema direita, que é a falência do modelo econômico? A esquerda brasileira está apostando todas as fichas na eleição de Lula?

O mais grave é que no último governo Dilma vimos como o PT lidou com a crise econômica da época. Dilma fez sua nova matriz econômica, que conseguiu ao mesmo tempo fracassar na sua missão de promover crescimento e reindustrialização do país, destruir seu equilíbrio fiscal, gerar inflação, e perder apoio no meio político e empresarial.

Depois disso, orientada principalmente por Lula, Dilma indicou um liberal para o Ministério da Fazenda. A percepção de Lula, que era também a de empresários e a da mídia da época, era a de que Dilma era muito heterodoxa. Lula queria Meirelles, seu ex-presidente do BC. Dilma, teimosa, queria “se impor” diante do padrinho. Chegou a sondar Luiz Trabuco, do Bradesco, e Paulo Guedes (sim, ele mesmo), mas terminou com Joaquim Levy.

A política de Levy não retomou o crescimento e fez Dilma perder o resto de base social que possuía, levando ao impeachment. Ironicamente, Michel Temer, que assumiu após o impedimento, foi quem seguiu a ideia de Lula e colocou Meirelles no Ministério da Fazenda. 

Após uma série de políticas formuladas durante o governo Dilma e implementadas por Temer, como o teto de gastos, a reforma trabalhista e a reforma da previdência, a população viveu um enorme sacrifício social. O crescimento econômico oriundo da “volta da confiança”, prometido pelos liberais, nunca veio.

No ambiente de caos político e social, a população revoltada elegeu Bolsonaro, que com Paulo Guedes na Fazenda redobrou a aposta no modelo anterior. Embora tenha sido amado pelo mercado nos primeiros anos, por entregar as “reformas” e pelo discurso liberal, mais uma vez o sonhado crescimento econômico nunca veio.

A crise decorrente da pandemia colocou a pá de cal em qualquer possibilidade de melhora do cenário econômico. Atônitas, a imprensa e a esquerda viram um fenômeno curioso: enquanto o bolsonarismo perdeu o apoio na maioria da população, é possível ver a adesão de setores aos apelos cada vez mais radicais do presidente.

De forma totalmente isolada da realidade, o PT, sua militância e seus apoiadores ficam presos ao debate das chamadas questões identitárias e simplesmente não apresentam, nem mesmo discutem, um programa econômico para o país que ao mesmo tempo transforme seus fundamentos e seja aceito pela sociedade e agentes do mercado.

Por outro lado, o histórico de Lula, tanto em seu governo quanto depois dele, como conselheiro de Dilma, é de que o ex-presidente vai negociar com o establishment. Isso o levará a adotar o mesmo liberalismo aplicado já há 6 anos ininterruptos, com meia dúzia de programas sociais para aliviar a vida dos mais desvalidos. 

Para quem duvida, basta observar os compromissos já firmados por Lula: transformar a Caixa, Furnas e a Eletrobrás em empresas de economia mista, e sua condenação de impostos sobre grandes fortunas. Não vai dar certo.

Os EUA se salvaram da onda fascista porque elegeram o presidente Roosevelt, criador do New Deal. Para implementar o New Deal, Roosevelt brigou com o seu partido, com a Suprema Corte dos EUA, com o consenso acadêmico e empresarial do seu país, e aplicou um plano ousado, que depois criou um novo consenso de 30 anos em seu país.

Fica a dúvida: o Lula está mais para Roosevelt ou para Hindenburg? Para o presidente arrojado das reformas profundas, ou para o presidente velho e cansado que vai desesperadamente, e inutilmente, tentar impedir a queda do establishment mantendo a mesma política econômica e levando à ascensão da extrema direita em seu país?

Se a resposta for a segunda, então Lula não será a salvação, mas a derrocada final do nosso país. O homem doente da América do Sul precisa de cura. O bolsonarismo não é a doença, é o sintoma de algo mais grave e profundo. Se a verdadeira doença não for curada, ela nos empurrará em direção ao imprevisível.

Por Maria Eva Angelim

  1. Vocês parecem malucos. Ciro, seu candidato, não se viabilizou. O que vocês querem? Que Lula, único candidato viável da esquerda, desista e entregue de bandeja para a direita? Vão se tratar

  2. Alex.
    Você tem um problema sério de interpretação de texto.
    Em nenhum momento CIRO GOMES é citado.
    Também não foi sugerido que Lula desista e entregue pra direita.
    Antes se é que você leu, o texto cobra um posicionamento econômico de Lula e do PT que ainda não existe.
    A saída pra crise econômica não pode ser apenas um cartão de visitas: Prazer, eu sou o Lula!
    Ficou claro! A Esquerda precisa apresentar uma solução viável pra crise econômica.
    Simples assim.

  3. Concordo em gênero, número e grau. Sou eleitor de Lula, nas penso que a solução é ele usar seu cacife político para ele introduzir unma agenda estruturalista com forte presença do Estado

  4. Se a tese desse artigo questiona a possível política do PT, qual seria mesma a saída? A 3ª via? Se o Lula realizou “APENAS” mweia dúzia de priogramas assistencializtas, como afirma o artigo, não seria interessante que esse artigo estivesse abetamente defendodo a políuca atual de Paulo Guedes?

  5. Maria Eva Angelim é pseudônimo? Não achei nada sobre ela nem aqui no site da disparada

  6. Às vezes encontro pessoas que erroneamente comentam sobre um texto maravilhoso como este que nos leva a fazer uma reflexão sobre dois velhos politiqueiros Lula e Bolsonaro, tentando incluir o Ciro Gomes que tem um Projeto Nacional de Desenvolvimento para colocar o País no rumo certo.

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