Por que Dilma não deu parabéns para Lula em seu aniversário?

dilma lula pt
Foto: REUTERS/Adriano Machado
Botão Siga o Disparada no Google News

Lula completou 76 anos semana passada. O PT e diversos aliados do PCdoB e PSOL comemoraram efusivamente. Porém, a segunda pessoa mais importante da história do partido, depois do próprio aniversariante obviamente, a sua sucessora, a primeira mulher eleita presidente do Brasil, Dilma não deu parabéns, pelo menos publicamente, para Lula. Diversos políticos postaram fotos com o ex-presidente, ele mesmo compareceu a uma festa na casa do advogado Pedro Serrano com diversos convidados. Mas nada de foto de Dilma com Lula no Instagram, nem sequer um tuite ou post no Facebook.

Essa pergunta parece mera intriga típica de revistas de futilidade ou fofoca da vida pessoal. Mas na política uma declaração de cunho pessoal ou um silêncio em data comemorativa invariavelmente expressam um sinal emitido conscientemente com algum conteúdo implícito, mas importante.

Essa fato chama atenção principalmente após a pancadaria entre Ciro Gomes e Dilma Rousseff no Twitter recentemente. Ciro acusou Lula de ter atuado, ainda que por uma ambiguidade errática e negligente, pela queda de Dilma em 2016. Essa acusação pode parecer contra-intuitiva para quem não conhece os bastidores da política, mas o fato é que a relação entre Dilma e Lula não é de amor incondicional e lealdade mútua.

Dilma é a pura expressão da política hegemonista de Lula, o que paradoxalmente engendra uma rivalidade subterrânea entre os dois, que resultou na prisão de um, no impeachment da outra, e na crise da economia e das instituições democráticas do Brasil.

Para chegar até a fofoca do bate-boca de Dilma com Ciro e da ausência de um parabéns no aniversário do petista, é importante voltar para a primeira eleição de Lula quase 20 anos atrás.

No documentário Entreatos de João Moreira Salles, o herdeiro do Itaú que Lula deixou filmar os bastidores de sua campanha em 2002, momentos após a apuração do segundo turno com a vitória do petista, entram em uma sala quatro pessoas: o presidente eleito, José Dirceu, Antônio Palocci e Luiz Gushiken. Esse era o núcleo duro de fundadores do PT que levou o partido ao poder. Dali deveria sair o sucessor de Lula, e os três disputavam internamente o futuro do PT à ferro e fogo, principalmente Palocci, como Ministro da Fazenda, e Dirceu como Chefe da Casa Civil.

Porém, no meio do caminho tinha uma pedra: os escândalos de corrupção do governo. José Dirceu foi derrubado por Roberto Jefferson no Mensalão em 2005. Dirceu seria condenado e preso pelo STF, atualmente está em liberdade, mas sempre sob a ameaça de nova prisão nos diversos outros processos que sofre, inclusive da extinta Operação Lava-Jato. Luiz Gushiken também seria denunciado na Ação Penal 470 que julgou o Mensalão, mas posteriormente foi absolvido pelo STF antes de morrer de câncer em 2013. Já Antônio Palocci caiu do Ministério da Fazenda em 2006 após o escândalo do caseiro Francenildo que testemunhou que o então Ministro frequentava uma mansão em Brasília onde ocorriam reuniões com lobistas e festas com prostitutas. Hoje em dia, Palocci também foi condenado na Lava-Jato, tentou fazer uma delação premiada contra Lula e outras figuras do PT e se desfiliou do partido.

Derrubado esse núcleo duro de fundadores e líderes do PT que poderiam suceder Lula, no segundo mandato se instalou uma corrida pela candidatura petista em 2010. O ex-governador do Rio Grande do Sul, que tornou-se Ministro da Justiça, Tarso Genro chegou a dizer que era preciso “refundar o PT” mirando em assumir a candidatura de sucessão. Tarso faz parte de um campo interno do PT chamado “Mensagem ao Partido” que é composto principalmente pela “Democracia Socialista” (DS), corrente proto-trotskista do PT e outros grupos menores, que competem pelo controle do partido contra a corrente majoritária Construindo um Novo Brasil (CNB) de Lula. A ex-prefeita de São Paulo, e então senadora que chegou ser Ministra do Turismo por um tempo, Marta Suplicy também desejava ser candidata a presidente. Além de outras figuras fortes como o então governador da Bahia, Jaques Wagner, ou o próprio senador Aloízio Mercadante que já havia sido vice de Lula em 1994.

Lula não queria nenhum deles. O popular presidente queria um candidato de mais confiança que estivesse sob controle dele em 2010, e ninguém poderia ser melhor do que… ele mesmo. Isso é pouquíssimo lembrado nos debates políticos atualmente, e escondido como um ‘não-fato’ pelo PT. Mas o candidato de Lula para sucessão era o próprio terceiro mandato. Ele queria mudar a Constituição, assim como FHC fez para se reeleger em 1998. E não era uma proposta egocêntrica tirada apenas da cabeça dele. Muitos setores do PT, e mesmo fora, como o PCdoB que era usado como bucha de canhão para defender essa ideia em público contra a oposição da Globo, preferiam continuar sendo governados por Lula do que por algum outro petista histórico forte com ideias próprias.

Para levar a cabo essa alteração constitucional polêmica, Lula precisava de uma pré-candidatura fake, um poste que ele pudesse retirar da disputa a hora que bem entendesse caso conseguisse emplacar no Congresso Nacional a emenda do terceiro mandato. Ninguém poderia ser melhor que a tecnocrata que tocava obras no Ministério de Minas e Energia e foi promovida para tapar o buraco na Casa Civil após a queda de Dirceu no Mensalão.

Dilma não era petista, ela veio do PDT, onde rompeu com Brizola chamando o primeiro e único governador negro da história do Rio Grande do Sul, Alceu Collares, de ‘fascista’. A então Chefe da Casa Civil era tratada como mera executora da vontade de Lula, ele o “pai do PAC” (Programa de Aceleração do Crescimento), e ela a “mãe do PAC”. Caso o terceiro mandato não vingasse, ela seria eleita para obedecer o chefe petista e, se necessário, abriria espaço para ele ser candidato novamente em 2014. Como Lula disse recentemente, “Dilma não nasceu para mandar, mas para obedecer”. Mas ela discordava.

Eleita com o prestígio de Lula, Dilma aprofundou as piores medidas do antecessor, a exemplo do fortalecimento do corporativismo judicial. Foi Lula que abriu a Caixa de Pandora do Lavajatismo com as nomeações “sindicais” para a Procuradoria-Geral da República, com a Lei da Ficha Limpa, com as nomeações identitárias para o STF do tipo Joaquim Barbosa, Carmen Lúcia, Ayres Britto etc. Mas Dilma triplicou essa aposta com a Lei da Delação Premiada, nomeações do tipo Luiz Roberto Barroso, Luiz Fux, Edson Fachin etc. Se Lula abriu a Caixa, Dilma deu anabolizantes para os monstros de Pandora.

Na economia a mesma coisa. Lula construiu seu prestígio com uma pequena parte do orçamento entregue para os miseráveis no Bolsa Família e com aumento de salário mínimo no empregos de baixo valor agregado sustentados pela exportação de produtos primários. Dilma apostou na radicalização do neoliberalismo ao realizar desonerações fiscais tremendas aguardando que os empresários rentistas investissem na indústria, e após o fracasso da ‘Nova Matriz Macroeconômica’, aplicou um ajuste fiscal de fazer inveja ao Chile de Pinochet.

Todo mundo no PT sabia que Dilma era uma lavajatista que odiava os políticos e era inepta para governar. Diversos petistas graúdos aconselharam Lula a enfrentar Dilma e ser candidato em 2014 para tentar estabilizar o país. Esse foi um dos motivos do rompimento de Marta Suplicy, que defendeu publicamente a candidatura Lula 2014, e por isso caiu em desgraça com o governo Dilma. Marta terminou votando a favor do impeachment no Senado, mas ela rompeu com Dilma e não com Lula. Tanto que, a título de anedota, ao contrário da presidente impichada, Marta deu efusivos parabéns a Lula e mantém ótimo diálogo com ele.

Lula tentou retirar a incompetente presidente que escolheu como sucessora, mas não foi capaz de resolver nos bastidores e não quis guerrear com Dilma publicamente para arrancá-la da disputa pela reeleição em 2014. A então presidente reagiu, também nos bastidores, e deixou a Polícia Federal comandada pelo Ministro da Justiça de sua confiança, José Eduardo Cardozo, tocar o terror para cima de Lula. O entorno de Dilma, entre eles o próprio Cardozo e Mercadante, achava que a perseguição aos crimes de corrupção do governo de Lula não atingiriam a então presidente.

Exemplo marcante foi a Copa do Mundo, alvo dos protestos “Não Vai Ter Copa” liderados por Guilherme Boulos. Dilma dizia nos bastidores tanto sobre os eventos esportivos questionados pela imprensa e por movimentos sociais, como pelos atos de corrupção: “Isso é coisa do Lula”. Dilma impulsionou o Lavajatismo como resposta à crise política e social que o Brasil vivia desde as “Jornadas de Junho de 2013”. A então presidente aderiu ao discurso da anti-política contra a “velha política”. Ela achou que seria escolhida como campeã da “nova política”, deixando seu antecessor para o passado.

Em 2014, Dilma praticou o maior estelionato eleitoral desde FHC em 1998 quando o tucano mentiu sobre o valor cambial do Real sem ter reservas internacionais e desvalorizou o câmbio bruscamente em janeiro de 1999 após a reeleição. A petista prometeu para o povo uma política econômica e social desenvolvimentista e, imediatamente após ser reeleita, entregou um violentíssimo ajuste fiscal com cortes de direitos trabalhistas, aumento explosivo do preço dos combustíveis, e de tarifas públicas como energia elétrica.

Diante de todo esse contexto é que Lula, nos bastidores, concordava com seus aliados do MDB e do Centrão, que Dilma não tinha mais condições de governar. A tentativa de nomear Lula para a Casa Civil não foi apenas para dar foro privilegiado para o ex-presidente perseguido pela Lava-Jato, mas para efetivamente assumir o governo e conduzir o “grande acordo nacional com Supremo, com tudo”. Dilma seria encostada no Palácio Alvorada para fazer o que Lula desejava lá em 2010, apenas assinar os despachos decididos pelo chefe de fato. Afinal de contas, como já citado, Lula colocou ela lá para obedecer e não mandar.

Daí para frente, a história está mais fresca na memória dos brasileiros. Lula foi impedido de virar Ministro e Dilma foi derrubada sem resistência, e o vice escolhido pelo PT em 2010 assumiu o governo e indicou o presidente do Banco Central do governo Lula para o Ministério da Fazenda.

Pois bem, agora voltamos à briga entre Ciro e Dilma sobre Lula. Basicamente Ciro defendeu Dilma desse comportamento de Lula de tratá-la como um poste descartável. Naturalmente ela reagiu, pois ninguém gosta de ser exposto a esse tipo de humilhação. Porém a reação de Lula é que é digna de nota. Além de demorar para defender a correligionária, Lula apenas atacou Ciro, e cometeu uma infelicidade tremenda ao tripudiar das milhões de vítimas de sequelas de covid-19.

Evidentemente, Dilma não está magoadinha apenas porque Lula não a defendeu como deveria, mas porque eles efetivamente tornaram-se inimigos políticos dentro do PT. Lula não quer ver Dilma nem pintada de ouro contaminando sua campanha eleitoral com sua rejeição radioativa tanto na população como no mundo político. Dilma é odiada pelo povo traído na eleição de 2014 e pelos políticos que sabem que por ela estariam todos presos, inclusive Lula.

Já Ciro Gomes foi um expectador privilegiado de todo esse processo de degeneração interna do PT porque foi o mais agressivo guerreiro contra o impeachment, pois considerava que Dilma era incompetente e péssima presidente, mas uma pessoa honesta que não cometeu nenhum crime, ao contrário do atual presidente.

Aliás, é bom lembrar, Ciro convidou Dilma para ser candidata a senadora no Ceará em 2018, onde ela certamente seria eleita devido à força do grupo político cearense liderado pelos dois populares ex-governadores irmãos Ferreira Gomes. No entanto, Lula impediu esse arranjo, pois apoiava a candidatura cearense ao Senado de Eunício Oliveira do MDB, partido que presidiu o processo de impeachment contra Dilma. Imagine isso! Lula obrigou ela a ir para Minas Gerais ser humilhada ao não ser eleita em sua terra natal, só para ajudar o candidato do partido que presidiu o impeachment que a derrubou! E sequer isso conseguiram, pois Eunício não foi eleito.

Por essas e outras, é perfeitamente compreensível que Dilma não se sinta confortável de enviar sinais públicos de afeto a Lula, e vice-versa. Porém, o povo brasileiro não esquece que está comendo o pão que Bolsonaro amassou devido o poste que Lula elegeu em 2010. Por mais que eles neguem, Dilma é Lula, e Lula é Dilma.