As três polarizações e a estrada à frente nas eleições 2022

As três polarizações e a estrada à frente nas eleições 2022
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Estamos a um ano da escolha em segundo turno do próximo Presidente da República. Fiz em outras duas ocasiões aqui avaliações do cenário há três e dois anos de distância da disputa das eleições 2022.

Qualquer um que leia os textos passados acredito que será capaz de reconhecer que o recorte feito foi bem útil para analisar e tentar prever o cenário político à frente.

Identifiquei seis projetos diferentes no Brasil, que evidentemente tem seus pontos de interseção, e que iriam lutar para se viabilizar em 2022. O Bolsonarismo, o Lulismo, o Nacional-desenvolvimentismo, o Liberalismo, o Lava-jatismo e o do Centrão.

Muitas surpresas alteraram o cenário desde as últimas eleições municipais, e, com as definições da última semana, chegou a hora de traçar uma nova interpretação do cenário de um ano antes das eleições.

AS TRÊS POLARIZAÇÕES

Ao contrário das acusações de “projetos pessoais”, que sempre existem, temos de fato no Brasil hoje projetos políticos muito distintos que determinam a presença ou não de candidaturas para representá-los.

Para distingui-los em seus aspectos básicos, proponho aqui três eixos de análise: o econômico, o político e o cultural.

No econômico, temos uma polaridade entre o projeto que transformou o país em potência econômica, o desenvolvimentismo, e o que o transformou na nação mais fracassada economicamente no planeta na década passada, o neoliberalismo.

No político, temos uma polaridade entre projetos autoritários e projetos democráticos, assim como entre gestão política baseada na corrupção e gestão baseada na pressão popular.

Por fim, no eixo cultural temos uma polaridade entre o projeto universalista e iluminista e o identitarismo, de maioria e de minoria. O que eu estou chamando aqui de identitarismo da maioria seus defensores bolsonaristas chamam de “conservadorismo” (o que é, de fato, um acinte).

Onde estão esses seis atores nesse momento?

OS SEIS PROJETOS

O Bolsonarismo era no começo do governo um projeto neoliberal em economia (portanto antinacional), autoritário e que queria levar o Congresso na base da pressão popular. Claramente um projeto anti-iluminista, assumia um conservadorismo de trevas anticientíficas e a defesa da identidade cristã, mestiça e heterossexual do brasileiro contra as ameaças das identidades de minorias religiosas, racialistas e sexuais. O que mudou? Só o projeto de gestão política, que ao ser entregue ao Centrão desidratou Dória e acabou com a via mais fraca das seis que identificava em 2019. O Bolsonarismo agora adotou o modelo de gestão política baseado na corrupção.

Já o Lulismo é um projeto neoliberal em economia que dá ênfase nas políticas compensatórias do neoliberalismo. Politicamente é um projeto democrático e que faz a gestão política através da corrupção (tendo renunciado à mobilização popular). O lulismo ao longo dos últimos dez anos passou de uma posição discreta no polo cultural para uma adesão extremada ao identitarismo anti-iluminista. Assume o lado das minorias na disputa identitária. Não podemos aqui confundir o papel de Lula com o da base militante do lulismo petista. Lula é mais esperto do que isso.

O Nacional-desenvolvimentismo, projeto responsável pela criação de tudo o que fez do Brasil uma nação, estava morto no cenário nacional até a candidatura de Ciro Gomes em 2018. Esse projeto é desenvolvimentista, politicamente democrático e promete governar com o modelo de pressão popular e negociações federativas. É um projeto iluminista, se coloca do lado da ciência e do universalismo de direitos em contraste com os identitarismos (que querem direitos diferentes para diferentes identidades).

O Lava-jatismo é a forma pós-moderna do udenismo, a velha crença da classe média que mora bem, come bem e veste bem, de que todos os problemas do Brasil são causados pela corrupção. Hoje já não se importa com aparência de patriotismo, e assume a candidatura de seu símbolo máximo, Mr. Moro, herói nacional dos EUA, o destruidor de nossa indústria de engenharia civil, naval e nuclear. O Lava-jatismo sempre foi (desde Lacerda) um cover up do liberalismo econômico, mais particularmente, da abertura comercial e dos interesses econômicos internacionais.

Politicamente é um projeto autoritário, e busca gerir a política através do fim do Estado de direito. Hoje enfrenta um dilema no campo cultural: aderir a um universalismo ou a um identitarismo de maioria para roubar votos do Bolsonarismo.

O Liberalismo brasileiro é o grande órfão dessa eleição com a desistência de Luciano Huck e a baixa pontuação de suas outras apostas, como Leite ou Mandetta. É neoliberal na economia, democrático no projeto político e como nunca teve apelo popular, gere a política através da corrupção. Culturalmente tem transitado de um universalismo iluminista para um identitarismo retórico, para esconder o problema da desigualdade econômica no problema da desigualdade de gênero ou etnia.

Já o projeto do Centrão é mamar no Estado. Para isso, eles precisam de algum Estado. O centrão é refratário ao neoliberalismo, mas se receber bem aprova suas reformas. É refratário ao autoritarismo porque na democracia tem mais poder, mas se vier a ditadura, adere. Sempre tenta impor a todo governo uma gestão política baseada na corrupção, e na guerra cultural se alinha com o conservadorismo, sem radicalismos, porque precisa de votos. No momento, se compôs com Bolsonaro e deixou Doria a ver navios, tendo que convencer o liberalismo brasileiro a apoiá-lo, e não à Moro.

O CENÁRIO ATUAL

A grande alteração no cenário, imprevisível dois anos atrás, foi a retomada dos direitos políticos de Lula com a anulação dos processos onde tinha sido condenado. Isso deu ao lulopetismo, isolado e moribundo em 2020, força renovada. Outra grande alteração foi o aprofundamento dos erros de Bolsonaro e o momento dramático da pandemia que vivemos em 2021.

Hoje as pesquisas, todas muito diferentes entre si, dão Bolsonaro com algo entre 21% e 30% das intenções de votos. Composto com o pior do Centrão, Bolsonaro matou a candidatura Dória e estreitou os caminhos de alianças para Lula e Moro. O desastre da gestão econômica, no entanto, como previ nos textos de 2019 e 2020, o torna o grande derrotado de 2022, seja no primeiro ou segundo turno, como era o PT em 2018. Ele vai jogar tudo na polarização cultural, mas é difícil acreditar que venha a ter êxito num país onde as pessoas estão comendo osso.

O lulopetismo, isolado em 2020, hoje tem na memória da condição econômica geral do governo Lula o grande ativo no país do colapso econômico de dez anos (causado pela rendição neoliberal do PT). O desespero ante a perspectiva de continuidade do governo Bolsonaro infla os números de Lula em pesquisas de opinião, que variam entre 33% e 47%. A tendência diante desse quadro é que as eleições de 2022 se transformem num debate sobre ele e o PT. Lula vai fugir de qualquer proposta, definição ou debate, e deve fazer uma campanha totalmente baseada na polarização com Bolsonaro e em imagens de um passado que hoje parece idílico no país do osso.

O nacional-desenvolvimentismo sofreu uma desarticulação de sua base com a volta de Lula ao cenário político. Neste momento seu representante, Ciro Gomes, vê seus números variarem entre 6% e 12% nas pesquisas. O caminho para 2022 será muito difícil, mas parece agora definido. Anti-sistema econômico, anti-gestão política, anti-polarização cultural, Ciro será o candidato anti-sistema, pois é pró-nação, pró-desenvolvimento e universalista. Uma posição intermediária entre dois projetos neoliberais e corruptos nunca pareceu mesmo ser uma aposta promissora. O anti-sistema deu certo para Bolsonaro em 2018. Dará para Ciro em 2022? Só João Santana sabe.

O lava-jatismo não tem qualquer chance de vitória num país onde metade está, de fato, sem emprego fixo, onde os miseráveis comem lixo e osso e os jovens estão desesperados. Já são oito anos de promessas de um país livre de corrupção e sueco, que virou um país de corruptos soltos e ugandense. O único apelo de Moro é seu histórico anti-sistema político, mas isso dificulta também suas alianças e tem um apelo desgastado por Bolsonaro. Promessas de processos, forças-tarefa e corruptos presos não vão seduzir quem está na fome e no desespero. Variando entre 5% e 8% nas pesquisas, o único papel de Moro nessa eleição será bater em Lula e tentar impedir que o nacional-desenvolvimentismo se consolide como terceira força antes das convenções. Se fracassar até nisso, Mr. Moro provavelmente será candidato ao Senado em 2022.

O liberalismo está em pânico. Sem qualquer apelo popular, sem promessas que não sejam mais “reformas” que há seis anos destroem cada vez mais direitos e a condição de vida do povo, viu seus balões de ensaio como Huck desistirem e os outros como Leite e Mandetta desaparecerem com a entrada de Moro. A tendência agora é se amalgamar com Moro numa única chapa, que, no entanto, pode se dissolver com a desistência do candidato norte-americano.

A possível desistência do candidato do Tio Sam é hoje a única esperança daquele outro candidato que queria entrar pelo Centrão, seu nome era… como era mesmo? Acho que era uma marca de margarina…

Enfim, Lula, mesmo com o favoritismo para 2022, ainda não conseguiu sair do isolamento político. No momento está anabolizado por ser visto pelo povo como a única alternativa à Bolsonaro. Já vimos candidatos bem na frente há um ano das eleições perderem e ganharem. Para o mundo político e mais de um terço do país, a volta do PT é um pesadelo. Para um outro terço, um pesadelo menor que o de Bolsonaro. Bolsonaro, a esta altura, já está derrotado, mas ainda lutará, como fez o PT em 2018, para se manter como o líder da oposição a um possível governo Lula.

Esse, se viesse, seria um imenso desastre, pois repetiria todas as fórmulas, econômicas e políticas, já esgotadas no país. Ainda pior, viriam dessa vez acrescidas de uma radicalização no identitarismo e na guerra cultural. Hoje o país vive a opção entre uma revolução econômica ou o colapso social. O colapso social no caso, cairia no colo de um Lula incapaz de um ato de coragem ou pensamento próprio. Um novo governo Lula teria tudo para ser breve e o caminho para a volta de uma extrema-direita 2.0.

Lula ainda vive um dilema mais grave. A escolha do vice. Se escolher um vice lulista, projeta isolamento presente e futuro. Se escolher um vice liberal e se eleger sem defender projeto algum para o país, fica exposto a um “ataque cardíaco” no primeiro ano de governo, sem nenhuma margem de manobra para nada desafiador do sistema na economia.

O único que ainda parece poder evitar essas opções desastrosas para o país é Ciro Gomes. Mesmo que não consiga ampliar para 2022 atraindo parte da direita de volta a um projeto desenvolvimentista, pode formar com Marina Silva uma chapa mais competitiva do que a de 2018 e tem o melhor marqueteiro do Brasil a seu lado. Sua campanha certamente será ano que vem mais forte do que em 2018. Mas ele ainda depende, para ter chance de virar o jogo, de crescimento de intenções de voto até maio e de alguma desidratação de Bolsonaro e de Lula. A primeira continua, a segunda, não dá sinais.

Quem viver, verá.