A conjuntura hoje

O Presidente eleito Jair Bolsonaro, fala com a imprensa após reunião com os futuros comandantes das Forças Armadas, no Comando da Marinha, em Brasília.
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Por Christian Lynch – Estamos num ciclo conservador, mas que não é reacionário, muito menos neofascista. Não está na nossa tradição. O Brasil sempre se achou atrasado. Até os conservadores do passado foram obrigados a embarcar no discurso modernizador.

Nesse sentido, o atual governo é inédito.

O tempo exigia, depois do caos de 2013-2018, a reformulação institucional da autoridade. Uma repactuação do modelo de governo, que redefinisse, por iniciativa do executivo, as relações com o legislativo e o judiciário. Nesse sentido, quem viesse a ser eleito seria um “Bonaparte”.

Mas Bolsonaro não fez nada disso. Montou um projeto familiar de poder de base populista e confrontacionista, inspirado em uma ideologia estrangeira, extremista e reacionária. Mais: negacionista, ou seja, anti-ilustrada e anticientífica. Ele representa deliberada e orgulhosamente, não o progresso, mas o atraso.

Seu único antecessor nativo foi o malogrado integralismo de Plinio Salgado, esmagado pelo verdadeiro Bonaparte da época: Getúlio Vargas, cuja ação radicava no ideal profundamente enraizado de uma modernização autoritária, de base ilustrada e científica.

O regime militar foi sem dúvida um regime modernizador. Mas o regime militar que inspira Bolsonaro não é o do desenvolvimento tecnocrático de Golbery. É aquele dos subalternos, do aparelho repressivo dos porões, ocupado apenas em caçar críticos e supostos subversivos.

Em suma, por seu extremismo, reacionarismo, familismo, negacionismo, Bolsonaro desperdiçou a chance de ser o Bonaparte, e tenta, com uma soberba incompatível com sua pouca capacidade, desempenhar esse papel de sub-Plinio Salgado, ou Trump de tanga no meio do cerrado.

O núcleo duro do governo, que preside a estratégia do marketing populista, é a própria família do presidente. Bolsonaro acredita que seus filhos possuem mais inteligência política do que todos os parlamentares e governadores e prefeitos brasileiros, juntos.

Falam que esse é um governo militar. Não é. É um governo que explora os militares por cooptação. Os militares, representantes da ideia de ordem, não apitam nas decisões cruciais do governo. São tratados como capangas, leões de chácara ou seguranças privados, contratados a bom preço para garantir a integridade física da família ou cumprir ordens as mais disparatas.

Os militares nesse governo são rainhas da Inglaterra: aparecem com medalhas, têm dinheiro, batem continência, mas não são quem mandam. As decisões estratégicas são da família do presidente. No passado recente, foram os militares que deram combate à ala reacionária, que flerta com o neofascismo. Eles conseguiram vitórias, mas foram de Pirro, destinadas apenas a lhes dar compensações simbólicas ou financeiras.

Agora são os militares e o centrão que estão avançando sobre esse mesmo núcleo, porque com ele é impossível governar para a maioria e satisfazer interesses mais amplos de que eles dependem para sobreviver politicamente. Mas Bolsonaro é fiel ao seu núcleo, e tudo o que faz, quando acuado, é enrolar, embromar, para ganhar tempo, e depois recuperar terreno e desfazer o que cedeu. Ele realmente se acha um ungido, que não tem porque fazer compromissos. Política para ele não é diálogo, é luta aberta.

É esse o cenário que temos adiante de nós nos próximos meses. O truque do golpe militar já não funciona. Nem economia. O presidente não quer dispensar seu núcleo duro e normalizar, sob pena de perder o carisma e a eleição. Sempre deu certo, pensa ele, agora vai dar também.
Alguma hora o cenário fará explosão. Todos os governantes que foram inflexíveis com o congresso em contexto de popularidade declinante, ou não terminaram (dom Pedro I, Deodoro, Jânio, Collor, Dilma), ou não emplacaram sucessores nas eleições seguintes (Rodrigues Alves, Afonso Pena).

No caso de Bolsonaro, o centrão está fazendo cálculos. Se de fato o número de mortes diárias continuar aumentando e o ritmo de vacinação continuar lento, com o país dominado indefinidamente pelo assunto, com a economia estagnada, o centrão não terá vantagens em segurar o governo. Ano que vem é ano de eleição. A população irada vai despejar a raiva em alguém em 2022, e essa ira recairá em quem estiver associado ao governo. Não adianta o centrão obter cargos e verbas, se o ódio pelo governo contaminar os deputados da base, comprometendo sua reeleição.

O centrão está tentando fazer o governo mudar de rumos para continuar a apoiá-lo. Se perceber que isso não é possível, será obrigado a se afastar do governo no final. Ou, se faltar muito tempo, o centrão terá de remover esse governo, para dar satisfação ao público, deixá-lo menos irado e continuar ocupando cargos em um contexto mais favorável para a própria reeleição de seus componentes para a câmara, senado, governadores e prefeitos.

É assim que funciona.

Por: Christian Edward Cyril Lynch.