Tabata e algumas verdades inconvenientes

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As defesas públicas da deputada Tabata Amaral continuam no sentido da confrontação ao partido, e não da mera defesa de sua posição.

É natural, porque ela ouviu do partido e de sua militância aquilo que não está acostumada a ouvir: críticas.

Um partido de verdade é isso, quando um membro toma um rumo diferente daquilo que sua tradição defende, ele é criticado. Também é natural.

A mágoa é mútua, tanto do partido que apostou muito nela, quanto dela que apostou no partido contra seus patrocinadores, o que por si só, foi sinal de que pelo menos algo de identificação com o PDT ela tem.

Mas não é mais hora de mágoas, mágoas são coisas de namorados.

Somos correligionários.

Passado o impacto da decepção mútua, vamos à concretude da disputa de interesses, legítimos e ilegítimos, que é a vida política.

A deputada em seu artigo lembra ao PDT de algumas verdades inconvenientes, e temos que encarar essas verdades.

Primeiro, que o manifesto do movimento do qual ela participa expressamente prega uma política de compromisso a qualquer custo, tentando negociar o menos pior com o sistema, portanto, ela não enganou ninguém, não foi uma “infiltrada”. Ela foi de fato convidada pelo partido, não o enganou sobre suas ligações anteriores e não pode ser tratada como um “cavalo de Tróia”.

Segundo, lembra que fez o PDT paulista (não o nacional) assinar com ela uma carta de compromisso onde respeitava a “voz e voto” de militantes de seu movimento, embora reconheça que isso não exclua o respeito à convenção e às normas partidárias, às quais ela também se submeteu quando assinou sua ficha de filiação.

Terceiro, que a reforma que o PDT rejeitou em Convenção foi a proposta do governo Bolsonaro, e ao ir ao plenário, a proposta votada era muito diferente, portanto, é difícil aplicar a decisão da Convenção a ela.

Considero essas afirmações todas verdadeiras, e acho que o partido tem que ponderá-las.

Eu também tenho algumas afirmações que considero verdades inconvenientes, e gostaria de colocar à consideração do partido e da própria deputada.

Não creio ser verdade que a proposta aprovada era “dois terços igual a proposta do PDT” de reforma, e nem sei como se faria essa correspondência. Mas um terço de diferença é o suficiente para rejeitá-la, ainda mais quando esse terço defende o achatamento brutal das aposentadorias e condena à morte no trabalho os brasileiros mais pobres.

Da mesma forma, ela não pôs o estabilishment trabalhista abaixo, ninguém nem afirmou nem acredita nisso. A julgar pelos comentários que recebe todo dia em suas páginas, talvez o dano esteja na direção oposta.

Muito menos o questionamento à sua posição é pelo fato de ela ser mulher, esse tipo de expediente sexista e vitimista usado por algumas políticas em situações de questionamento comuns é indigno e diminui as mulheres, é um resquício de machismo usado como arma que tenta intimidar os críticos mas acaba fazendo as mulheres parecerem frágeis demais para suportarem uma crítica política.

Por fim, reformar o sistema de previdência é claro que pode ajudar a trazer mais justiça social aos mais pobres, mas obviamente, não essa reforma. Muito menos o fim do abono para quem ganha menos de dois salários mínimos.

Mas todas essas são interpretações políticas, em certa medida, subjetivas.

Concordo com a deputada quando ela se ressente pelo fato de que muitos militantes, entre os quais eu me incluo, e também os principais dirigentes do partido, sobrereagiram ao seu voto como se ele tivesse sido uma grande surpresa.

De fato, não foi.

Acho que vários gostariam que a deputada tivesse se enamorado do partido como muitos no partido se enamoraram da deputada, mas isso não aconteceu.

Eu não.

Política não é relação de pai e filha, irmão e irmã, namorada e namorado.

É disputa de interesses, legítimos e ilegítimos.

E os interesses que precisamos resolver agora, amigável e respeitosamente, primeiro é o da relação do partido com esses movimentos que se aproveitam das brechas na legislação eleitoral para financiar candidatos.

Não acho isso necessariamente um mal, mas é uma questão eticamente complicada que tem que ser enfrentada para que os partidos de esquerda e centro-esquerda, que confrontam interesses do grande capital, não sejam comprados e imobilizados por dentro.

Outro conflito de interesses que precisamos resolver é se Tabata realmente quer ficar no partido e obedecer, tão somente, suas decisões tiradas em convenção, democraticamente. Talvez ela só queira no momento ser expulsa para sair como vítima dessa situação, pois o partido não tem mais a oferecer a ela no momento como tinha há um ano atrás.

Um partido precisa tentar defender o que promete à população defender. Isso não é autoritarismo, é o mínimo de dignidade política. Mais grave que votar contra a deliberação do partido, é pregar que um partido deliberar seja uma coisa anacrônica.

Não queria originalmente a expulsão da deputada do partido, muito pelo contrário, queria sua integração a ele, mesmo que fosse uma voz, às vezes, dissonante. Um partido em alguma medida deve abrigar leves contradições.

Mas ela precisa decidir se partido é uma estrutura ultrapassada e desprezível ou algo a ser respeitado. E dar consequência a sua decisão.

A vida não precisa sempre acabar mal.

Quando a morte chega, ela pode nos encontrar ainda lutando pelos mais fracos e contra os mais fortes, por mais beleza, justiça e bondade nesse mundo.