Verdades duras de se engolir sobre a sabatina de Bolsonaro

Verdades duras de se engolir sobre a sabatina de Bolsonaro
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Algumas verdades são duras de se engolir.

Há pelos becos obscuros das redes sociais um certo furor “otimista” com a sabatina do nosso presidente-lesa-pátria no Jornal Nacional que é totalmente infundado. Esse otimismo parte da premissa de que os jornalistas pagos pelos banqueiros “desmascararam” Bolsonaro, mostraram a falsidade de suas afirmações e conseguiram encurralá-lo em diversos momentos, como quando falaram da pandemia, do meio ambiente, da inflação e, sobretudo, da relação com o tal “centrão”. Por trás, o sentimento de “wishful thinking”, o desejo que contamina todo raciocínio, de uma grande coalizão liberal que mantenha intacto o pacto de 1988 e a mais longeva estabilidade político-institucional de nossa história.

Nada poderia estar mais equivocado.

A verdade é que Bolsonaro saiu-se muito bem na sabatina desta segunda (22/08). Essa é a dura verdade que essa suposta esquerda em estado psicopatológico de negação da realidade não consegue engolir.

Dispensamo-nos do comentário a respeito da conjuntura, marcada por uma alteração estrutural da economia mundial, que fizemos na coluna a respeito dos atos pela democracia. O que importa reter é que a crise da democracia é objetiva, real, e não um problema subjetivo. Seu sintoma é a polarização, mas a patologia é mais profunda: quarenta anos de neoliberalismo destruíram o tecido social brasileiro, patente no desemprego massivo, no genocídio cotidiano da crise da segurança pública e na neurose coletiva engendrada pela falta de projeto enquanto sociedade.

O povo não é burro. Corre no ar, por assim dizer, a consciência do que está acontecendo. Como não cansamos de repetir, a eleição de Bolsonaro é de um certo modo um voto plebiscitário não contra o governo, mas contra toda a estrutura que produziu esse fracasso da democracia. Tanto que não foi um fato isolado: atores pornôs, chiliquentos de internet e outras subcelebridades de redes sociais foram eleitas para os diversos níveis da federação.

É claro que essa consciência é recalcada. Aqui reside a aliança tácita entre o petucanismo e o bolsonarismo para desviar o foco do debate público das “perdas internacionais” na bela síntese de Brizola. Preferem trazer os holofotes para seus respectivos picadeiros, onde mantém hipnotizados vastos segmentos do eleitorado em “mamadeiras de piroca”, golpes de Estado imaginários e o avanço do suposto Comunismo financiado pelo notório anti-comunista George Soros.

Mas essa consciência, ainda que recalcada, acerta alguns alvos concretos, principalmente a Globo.

Não deve ser mistério para ninguém que se a plutocracia financista tem um rosto, este é o de William Bonner no Jornal Nacional. O conglomerado empresarial liderado pela família Marinho sempre foi opositor ao nacionalismo brasileiro e sua organização dos Trabalhadores e consistemente atuou difamando e caluniando nossos governos e quadros. Foram protagonistas em episódios como o assassinato/suicídio de Vargas em 54, a crise sucessória que de JK, a tentativa de evitar a posse de Goulart e o golpe de 1964. Isso sem contar a campanha contra Brizola nos anos 80 e 90.

Com vasta ligação ao sistema financeiro e midiático imperialista, a Globo consegue produzir aquele jornalismo plastificado com cara de ocidental que carrega um ar de “verdade” pela repetição incessante por diversas mídias, que faz parecer louco quem o denuncia. Soube absorver como ninguém o identitarismo e transformá-lo em norma comunicacional para toda mídia, com amplo apoio dos três oligopólios privados do sistema bancário brasileiro. A Globo é a principal defensora cotidiana dos grilhões financistas que acorrentam o Brasil, como o Teto de Gastos, as privatizações, o ataque aos direitos trabalhistas e aos sindicatos, o câmbio valorizado, a vassalagem aos EUA e a autonomia do Banco Central, para ficar somente em alguns poucos. Opera como ninguém um terrorismo econômico a respeito da inflação e retrata a política brasileira como uma chacota, da qual somente a “neutralidade técnica” de agências fora o alcance da soberania do voto popular pode “nos proteger”;

Para o povo, o que aparece é a Globo e a propaganda alaranjada do Itaú com lacrações. O neoliberalismo aparece assim como um bloco comunicacional. É Pablo Vittar e ataques aos direitos trabalhistas, crise da segurança pública e tutelagem sobre a língua portuguesa – tudo ao mesmo tempo.

Escusamo-nos aqui de fazer uma distinção das pautas de opressão do identitarismo que as sequestra, como o fizemos (incidentalmente) em outra coluna.

Recalcada, a consciência do fracasso desse arranjo liberal se expressa na rejeição ao identitarismo e o consequente medo do “comunismo”, associado – ironicamente – ao neoliberalismo. O fato dos governos petucanos terem sido completamente neoliberais não é acidental e está umbilicalmente ligado a isso.

E é aqui que Bolsonaro sabe manobrar. Evidentemente que em seu governo quem realmente governou foi a Faria Lima, como as privatizações e o financismo deixam patentes. Porém, o governador-geral do Brasil em processo de colonização soube se colocar ao lado “do homem comum” contra esse bloco comunicacional ao mesmo tempo que aplica cada uma de suas medidas econômicas.

Daí a inutilidade da esquerda junto com a Globo em denunciar suas medidas contra a quarentena na Pandemia, como ocorreu em uma pergunta “crítica” de Renata Vasconcellos contra o presidente-lesa-pátria. Em um país cujo mercado de trabalho é marcado pela informalidade, somente um auxílio financeiro direto e muito planejamento poderiam assegurar que a população efetivamente ficaria em casa. Era também necessário medidas para salvar os pequenos comércios e lidar com aluguéis, para ficar apenas em algumas.

A insanidade neoliberal que assalta o Brasil há quase meio século é que vedou isso. As discussões sobre o auxílio emergencial foram sequestradas pelos bancos que literalmente trocaram-no pela retenção no pagamento de precatórios. O sangue dessas milhares de mortes pela doença e das milhões de vidas devastadas pelo caos econômico está na mão destes lobbyistas financistas.

O “valor agregado” de Bolsonaro aqui era ser a cara para levar a culpa. Mas de burro o capitão não tem nada e soube devolver para seus “muy amigos” a responsabilidade colocando-se como o homem comum contra a “ditadura comunista” dos governadores. Os bancos encheram seus bolsos, satisfeitos, enquanto os políticos se digladiavam e o povo morria de fome ou asfixia.

Bolsonaro também devolveu a batata quente para a Globo. Ausentando-se da responsabilidade de ser um chefe de Estado, Bolsonaro deixou a emissora da família Marinho como responsável junto da juristocracia e dos governos locais pela aplicação das medidas sanitárias necessárias para reduzir o número de mortes. Sua estratégia mostrou-se acertada quando pode capitalizar politicamente a um só tempo contra a quarentena e a favor do auxílio financeiro indispensável para os Trabalhadores. No longo prazo, ainda se posicionou contra o bloco comunicacional.

Outra pergunta em que Bolsonaro torpedeou este bloco comunicacional foi a respeito do tal “centrão”. Contra os ataques da Globo contra a democracia brasileira, evidentemente falha, o governador-geral pode se pôr como defensor da democracia.

“Então você está me estimulando ser um ditador?”

Com sua devolutiva capciosa, o presidente-palhaço mostrou o rídiculo da posição liberal dominante, que defende uma “democracia” desde que esta seja esvaziada de seu conteúdo: a soberania do voto popular. A criminalização da política é o coração do projeto lavajatista encampado pela Globo, em última instância uma ditadura pinochetista do Judiciário.

Na questão do meio ambiente, mais uma vez o presidente-traidor pôde brilhar. Reproduzindo o discurso do complexo OTAN-Onguismo que ameaça a Amazônia brasileiríssima, a Globo mais uma vez destilou preconceito contra as populações ribeirinhas, classificando-as como criminosas e devastadoras do meio ambiente. Deu de brinde para um presidente que está destruindo a indústria brasileira a brecha para defendê-los, colocando-se ainda como protetor da legalidade ao discutir sobre as demarcações de terra. Fez jus a sua ampla vantagem nas pesquisas de intenção de voto na região Norte do Brasil.

Ao final, ao comentar sobre a lisura do processo eleitoral, Bolsonaro arremeteu contra todo o bloco comunicacional que se apega ao arranjo neoliberal e sua expressão institucional – em franco colapso.

Por toda a sabatina, Bolsonaro manteve a postura de vítima do sistema e o candidato que estaria lutando contra o fracasso do arranjo que está aí. Tanto a Globo como a estrutura petucana na internet acabaram reforçando essa posição. Bolsonaro poderá agora usufruir de sua ampla rede popular de comunicação, que além de robôs, conta com muita gente simples que milita pelo presidente na justa fé de que está lutando contra um arranjo intolerável.

Enquanto a esquerda se recusar a entender que o arranjo neoliberal de 1988-2016 derreteu junto com o golpe lavajatista, dará de brinde para Bolsonaro a posição de candidato anti-sistema. Por mais que os fundamentos de sua política econômica sejam a radicalização do neoliberalismo petucano, na aparência (que de fato o que importa numa eleição) Bolsonaro consegue se mostrar como a superação de um sistema fracassado.

Por isso o otimismo dos influenciadores petucanos não passa de “wishful thinking” de que as lacrações de Renata Vasconcellos e William Bonner desmascarem Bolsonaro. Ao fim e ao cabo, colocar-se contra este bloco comunicacional foi uma grande vitória do governador-geral que está terminando de devastar nosso país. Recusam-se a entender que a fase ascendente do neoliberalismo se encerrou e com ela os fundamentos geoeconômicos que permitiram o arranjo político-institucional e também econômico sintetizado na expressão petucanismo (1994-2016). São verdades duras demais para essa esquerda em decadência engolir.

O resgate do nacionalismo, da bandeira brasileira, do nacional-desenvolvimentismo só pode ser feito se tivermos a coragem de atacar o bloco comunicacional Globo-Faria Lima.