Terminei de estudar a PEC-5 e quero colocar uma modesta contribuição ao debate. Primeiro, como muitos já falaram, a PEC não tirava “autonomia” do Ministério Público e não colocava o Congresso controlando o MP. A PEC-5, modesta para tanto alarmismo, apenas mudava a composição do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Procuradores continuavam tendo maioria. Me parece mais uma tentativa de impor uma derrota política ao lavajatismo que mudança real no CNMP.
Até certo ponto, foi uma prova de fogo para o lavajatismo e a capacidade de mobilização do discurso anticorrupção do liberalismo. Depois da Lava-jato sofrer tantas derrotas, a PEC-5 era uma boa medida para saber que força eles ainda conservam. Dito isso, não existe justificativa jurídica e política para ser contra a PEC-5. Isso por dois motivos: primeiro, como disse, não era uma grande alteração no CNMP e segundo, politicamente era importante impor essa derrota ao lavajatismo.
O argumento de que Lira e o Centrão teriam mais força no CNMP não faz sentido. Tem eleição em breve e se não for Lira o bandido do momento, será outro. Nessa lógica, vamos deixar de usar o Congresso para qualquer coisa. Em segundo lugar, e talvez mais grave, é preciso cuidado com esse discurso de “envolver a sociedade civil”. Qual sociedade civil? ONGs financiadas pelo imperialismo e pela grande burguesia? O projeto estava longe de ser ideal. Na prática, continuava o espaço para corporativismo e a lógica lajavatista do MP, mas era uma reação.
A bancada do PSOL errou e muito votando contra. Com todo respeito aos deputados do PSOL, me parece que todos os argumentos colocados para decisão encobrem a questão real: na base eleitoral do PSOL, tem força o moralismo de classe média. E estamos na véspera da eleição. Desde o apoio do MES e Luciana Genro a Lava-jato, debato como é a lógica eleitoral pautando a política que produz aberrações como essa. Tanto Luciana Genro em 2015-2017, como Haddad em 2018, defenderam a Lava-jato na ideia de com isso captar votos. Eleitoral acima do político.
Claro que temos muitos outros elementos: liberalismo de esquerda, moralismo abstrato, falta de pensamento estratégico em alguns temas etc. Mas, me parece, que a questão central foi eleitoral. O lavajatismo mostrou força, mobilizou artistas, personalidades, a mídia entrou pesado. Do mesmo jeito que poucos meses atrás nomes da esquerda, como deputados do PCdoB e PT, votaram a favor do perdão de dívidas das igrejas. Você pensa: que suicídio político é esse? Bem, pode ser um grotesco erro político, mas faz sentido na lógica eleitoral imediata.
A escolha de apenas manter a base, sem disputar a consciência, tem consequências. Não é à toa que cada vez mais setores das esquerdas entram no liberalismo no debate sobre racismo, machismo e afins. Mais fácil pegar voto de leitor do Quebrando Tabu que disputar consciência.
A derrota da PEC-5 é a primeira vitória da Lava-jato em meses. É preciso cuidado. O lavajatismo pode se fortalecer em 2022 e em especial, se Lula ganhar. É preciso de agora, nesse momento, não ter qualquer tolerância com o lavajatismo e qualificar o debate sem moralismo. Todo mundo sabe as discordâncias que tenho com PT e Lula. E ninguém me vê chamando Lula de “ladrão” ou “corrupto”. Vamos debater reforma agrária, democratização da mídia, revogação das contrarreformas, retomar os poço do pré-sal. Em suma, bater em todo liberalismo – liberalismo de esquerda ou de direita.