A volta dos que não foram: neolulismo em tempos de cólera

A volta dos que nao foram neolulismo em tempos de colera
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Às 14 horas em ponto deu-se início, numa Brasília escaldante, a posse mais comentada das últimas décadas. Afinal, algum lunático tentaria matar o presidente? Quem entrega a faixa? Algum milico tentará fazer graça? A cachorra de Janja subirá a rampa do Planalto?

Linhas e mais linhas foram gastas na busca de prever o que poderia ocorrer. No final das contas, assistimos o que era esperado: uma Brasília desmobilizada (muito pelas loucuras de Bolsonaro), um discurso que mescla justas aspirações de melhora de vida do povo brasileiro e alguma cafonice importada do partido democrata americano.

O maior destaque da posse foi a multi-funcionalidade do fotógrafo de Lula (Ricardo Stuckert) amontoado por câmeras, drones, batendo escanteio e cabeceando – com direito à corrida ao lado dos policiais. Além disso, Lu Alckmin mostrou toda sua elegância já suficientemente bajulada (quem lembra do livro do Chalita “Lições de Lu Alckmin”) e roubou a cena nas redes sociais, tão caras à primeira dama.

Na política, poucas novidades. A primeira, o tom utilizado em relação à Bolsonaro – definitivamente mais beligerante e mostrando que quem esperava anistia “ampla, geral e irrestrita” pode dar com os burros n’água. No caso, com o burro.

Outra surpresa foram as palavras utilizadas em pautas como teto de gastos. Para um liberal como Lula, é surpreendente o ataque ao mercado que tanto lhe foi gentil durante a eleição. Talvez o trabalho difícil fique para Fernando Haddad, que terá muito mais semelhanças com o Fernando Henrique (do governo Itamar) do que apenas as iniciais FH.

O resto a gente já sabia. Acenos à cultura woke, afagos à “beautiful people” e lapsos de showbiz que pareciam retirados de um episodio do finado programa “Esquenta” – que inclusive passava no mesmo horário da posse. A Rede Globo manteve deu padrão de qualidade.

A presença de Raoni (que raramente é visto sem a companhia de Sting) fez a foto da posse rodar o mundo inteiro. Não tenham dúvidas que os líderes europeus, que se amontoaram pra tirar fotos com Lula, terão o maior prazer em arrotar suas virtudes nos jornais do Velho Continente. Enquanto isso, seguirão endividando a África para manter seus padrões de consumo. O que importa, afinal, é a foto (se for do Stuckert, melhor ainda).

Ironias à parte, é justo que digamos: há um avanço civilizatório claro entre um bonachão (como Bolsonaro) e um cappo (como Lula). Luiz Inácio é profissional do ramo, seu discurso final soou verdadeiro e suas interrupções para chorar foram um lapso de humanidade em tempos de cólera.

Janja terá papel central na condução da imagem pública do governo, para desespero do PT, que sabe muito bem o problema que isso dá. Empoderar alguém que não passou pelos trâmites da política – e sem compromisso com seus atores – é jogar um vidro trincado num pedregulho. O PT sabe e tenho certeza que em breve os ataques irão começar.

Por fim, Lula 3 começa parecendo o governo Biden. Um tímido intervencionismo estatal com a plena implementação da agenda identitaria. Dos males disponíveis no dia 30 de outubro, sem dúvida, o menor. O Brasil merece um presidente que sente-se à mesa e não se emporcalhe com farofa nas calças.