O que esperar e cobrar do MEC de Camilo Santana

O que esperar e cobrar do MEC de Camilo Santana
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Por Rafael Valladão – Camilo Santana é o ministro da Educação do terceiro governo Lula. Seu discurso de posse possui algumas ideias-fortes que merecem destaque. É evidente que discursos de posse costumam ser declarações de intenção, e devem ser avaliados com cautela. Os discursos podem ser mero protocolo esvaziado de significado real. Além disso, nem sempre é possível cumprir todas as metas definidas no programa ministerial, e casos há em que o ministério sequer possui um programa de ações. Mas, neste caso em particular, temos razões para crer que Santana mostrou ao público certas diretrizes factíveis que devem orientar as ações do Ministério da Educação. Vamos a elas.

1. A alfabetização é um processo cognitivo-educacional delicado que merece destaque. Em seu pronunciamento, Santana citou dados alarmantes a respeito da quantidade de alunos analfabetos dentro de seus próprias turmas escolares, alunos que não foram alfabetizados na idade apropriada, e que, porém, são promovidos indiscriminadamente. Para erradicar a doença do analfabetismo infantil, e acelerar o processo de alfabetização vigente no âmbito municipal, Camilo Santana ressaltou a importância de haver um robusto pacto interfederativo entre municípios, estados e União.

A ideia não é propriamente novidade. E a persistência do mal aponta para a necessidade de manter-nos em guarda contra o analfabetismo infantil. A ex-presidente Dilma Rousseff estabeleceu o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, em 2012, num esforço envolvendo milhares de municípios e milhões de profissionais da educação de nível infantil, básico e superior. Também no Ceará, em 2007, o então governador Cid Gomes deu início ao Programa de Alfabetização na Idade Certa (PAIC), política de notável êxito que teve continuidade e fortalecimento durante o mandato de Camilo Santana. Não é demais mencionar a concretude da vitória: o Ceará possui 87 das 100 melhores escolas públicas do Brasil, segundo o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Escola Básica).

2. A educação em tempo integral é uma realidade nos países desenvolvidos. No Brasil, infelizmente, ainda está longe de se concretizar em larga escala. As recentes políticas educacionais da BNCC e de reforma do ensino médio apenas sinalizaram a meta vaga de ampliação gradual da carga horária de aulas. Durante todo o governo Bolsonaro, absolutamente nada foi feito no sentido de fortalecer as parcas iniciativas de universalização da escola em tempo integral. Em seu discurso de posse, Santana afirmou que um objetivo central de seu ministério será estabelecer e organizar um projeto nacional de educação escolar integral. Desde a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (lei nº 9394/1996) fala-se em chegar à escola integral sem que, contudo, existam movimentos coordenados nessa direção.

O ministro citou os experimentos bem-sucedidos em estados nordestinos, que já adotaram o modelo de ensino integral, como modelos inspiradores de políticas extensivas a todo o país. Nosso arranjo federativo, malgrado seus defeitos de descoordenação, propicia aos estados a possibilidade de servirem de laboratórios de políticas experimentais. Nesse sentido, o Ceará governado por Camilo Santana e Izolda Cela rendeu ao Brasil um atestado de competência e êxito na implementação de políticas educacionais. Ao dizer que pretende transformar em projeto de Estado o que deu certo nos estados bem-sucedidos do Nordeste, o ministro demonstra abertura ao diálogo produtivo e disposição de ânimo para capitanear um movimento de nacionalização do sucesso. E sabemos por que seguir nesse caminho: a escola integral inibe a evasão e aperfeiçoa a formação ampla do aluno. Sabemos, como dizia Anísio Teixeira, que escola pública custa dinheiro. É preciso investir estrategicamente na educação básica, definindo os necessários critérios de avaliação e os fins onde serão empregados os investimentos públicos. Sem medo de teto de gastos.

3. O ministro ressaltou a importância de se estender o acesso à internet de qualidade para uso de alunos e profissionais da educação. É impossível executar ações públicas de educação sem recurso à internet, sem conexões estáveis e sem sistemas integrados de compartilhamento de informações e de métodos pedagógicos digitais. Nesse campo, as escolas privadas, munidas com as ferramentas tecnológicas dos grandes sistemas privados de ensino, saem na dianteira, e aprofunda-se a desigualdade material entre escolas públicas e escolas privadas.

Isto é mais facilmente exequível nas escolas situadas em meio urbano, onde a oferta de provedores de internet é mais abundante e o capital humano das escolas já está mais abastecido de instrumentos digitais. O mesmo não se pode dizer das escolas rurais, situadas em contexto de pobreza e escassez de recursos tecnológicos. É para esse alvo que Camilo Santana deverá apontar suas ações prioritárias de modernização digital. Há iniciativas esparsas nesse caminho. Em 2012, Dilma Rousseff deu início ao Pronacampo, um programa de distribuição de recursos a municípios que investissem amplamente em escolas rurais ou quilombolas. O programa de Dilma não se dirigia exclusivamente à criação e manutenção de redes de internet, pois as escolas atendidas careciam de recursos mais elementares, como saneamento básico. Em 2019, Bolsonaro criou o Educação Conectada, cujo pecado capital está em centralizar recursos nas escolas urbanas. O ministro Camilo Santana deve corrigir os erros de programas implementados no passado, reter o que é bom e prosseguir no rumo do combate às desigualdades regionais e de renda.

3. Quanto às universidades, que são de responsabilidade compartilhada com o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Camilo Santana não escapou à fraseologia típica. Depois de mencionar o descalabro absoluto do governo Bolsonaro para as instituições superiores, o ministro deslindou a retórica vazia de dirigentes do PT. Disse o ministro: “a universidade precisa ser espaço democrático, livre, que estimule a criatividade, a liberdade de expressão e um olhar de mundo mais solidário e humano”. O lulopetismo emplacou a marca de educação-inclusão em todos os níveis do ensino, afirmando aos quatro ventos que ensino superior é um direito do cidadão assim como o é o acesso e a permanência na educação básica. Essa confusão perversa e eleitoreira desvirtuou, nos últimos anos, as universidades federais de seus propósitos fundamentais: produzir e divulgar ciência, ensinar com elevada qualidade teórica e metodológica. Repare que a caracterização da universidade ideal pelo ministro da Educação envolve democracia, liberdade, criatividade, solidariedade, humanidade etc, mas não envolve ciência e ensino. Uma análise de discurso simples nos mostraria que as prioridades do ensino superior se inverteram.

Camilo Santana disse estar disposto a abrir intenso diálogo com instituições superiores de ensino e com organização não-governamentais, e lembrou, em seguida a iminência da elaboração do novo Plano Nacional de Educação (PNE). Aqui é preciso abrirmos os olhos para monitorar atentamente a atuação das poderosas organizações privadas de ensino (como a Fundação Lemann) na confecção do próximo PNE. Foi o ProUni, obra do populismo político-universitário do PT, que engordou os cofres de conglomerados de empresas privadas de ensino, assim como o FIES, igualmente obra lulopetista, pôs na dívida ativa milhões de brasileiros diplomados e desempregados ao mesmo tempo em que distribuiu isenções fiscais e benesses para cartéis do ensino particular. Temer chamou à participação na elaboração da BNCC todas as organizações privadas, dando prerrogativas ilegítimas a plutocratas interessados na mercantilização da educação. O governo Bolsonaro mais não entregou aos ricaços porque se preocupou em entregar a educação à turba alucinada do olavismo e de grupos religiosos e militares.

Além das diretrizes indicadas acima, o discurso também ressaltou que o primeiro ato do ministério será listar as obras paradas de creches por todo o país. Aqui temos uma presença e uma ausência discursivas dignas de nota. O ministro da Educação citou as creches municipais e não mencionou a lei de cotas – que recentemente completou 10 anos. Camilo Santana deliberadamente deu mais espaço à educação básica, salientando a todo momento a necessidade de cooperação federativa na consecução dos objetivos de aprimoramento da escola pública brasileira. E, mesmo quando reproduziu a retórica diversitarista e lugar-comum do lulopetismo sobre as universidades, não citou a pérola erística das cotas no ensino superior. Deliberada ou não, a omissão talvez seja efeito de uma mudança de prioridades na agenda educacional do ministério. Talvez, por fim, a construção de um arrojado sistema nacional de ensino básico tenha passado à frente da perfumaria da universidade “democrática, livre, solidária, humana etc”. Talvez.

Por Rafael Valladão

Mestrando em Ciência Política (UFF), professor de Sociologia e Filosofia no ensino médio.