Lula, a jaca da esquerda

Lula a jaca da direita
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Lula está hoje, claramente, prometendo um governo neoliberal com Meirelles na fazenda, internacionalista com governança global da Amazônia, identitário com promessa até de “Ministério dos Povos Originários” e corrupto com a volta dos piores ladrões da República.

O que pode explicar que diante disso a esquerda ainda veja em Lula, depois de mais de 30 anos de seguidas traições e capitulações, sua única liderança?

A resposta a essa pergunta certamente passa pela falta de memória e da maior parte da militância de vermelho construída pela falsificação da história promovida pelo PT. Passa também, é claro, pela mamadeira de piroca petista do “golpe do Bolsonaro”, a crença de que estamos às portas da perda de nossa democracia.

Mas esses dois pontos não conseguem explicar o tamanho e complexidade desse fenômeno.

Eu gostaria de levantar, além dessas hipóteses políticas, uma hipótese psicológica para explicar tamanha aberração. Essa hipótese já foi levantada por mim em relação a Bolsonaro, mas é muito mais explicativa em relação à Lula.

É a hipótese da jaca. Há vários anos, eu e um amigo meu estávamos em crise existencial depois de dois anos de faculdade de economia. Uma segunda normal, ele apareceu de volta de uma viagem à Ilha Grande dizendo que tinha trancado o curso. Perguntei o que tinha acontecido, já que eu ainda não tinha alcançado aquele estágio de decisão. Ele me respondeu que o que tinha acontecido era uma jaca.

Na viagem à Ilha Grande, ele e um grupo de uma dezena de amigos tinham saído numa excursão até o centro da Ilha, que dura meio-dia claro. Lá, no meio da mata virgem, encontraram uma jaqueira gigante. Ele disse que aquelas jacas tinham sido as mais deliciosas que eles já tinham comido na vida. Então sete decidiram levar uma jaca cada um de volta pela trilha para o acampamento, o que durava mais meio-dia claro. Chegariam ao acampamento na praia pelo anoitecer. Começada a trilha, duas meninas viram imediatamente que não teriam como levá-las até o fim, e desistiram de suas jacas. Cinco homens ainda tinham que provar sua macheza levando jacas nas costas por cinco horas.

Dois desistiram quando viram que estavam ficando para trás e iam pegar noite fechada. Três, incluindo meu amigo, decidiram se despedir do grupo e andar mais devagar carregando suas respectivas jacas. Uma hora depois, as costas deles começaram a sangrar e um deles desistiu.

Meu amigo e o outro restante fizeram um pacto de sangue solene de comer aquelas jacas no acampamento. Mas durou pouco. Quando a noite começou a cair sobre eles, o outro tentou dissuadir meu amigo de continuar. Mas ele fez então outro juramento: ou levaria aquela jaca para casa ou morreria tentando, ele não era um desistente. Não ia desistir depois de tanto esforço, de um ferimento, de tanto orgulho envolvido. E continuou sozinho. Alguns minutos depois, na noite fechada, entendeu: aquela jaca era o curso de economia. Quanto mais esforço, quanto mais tempo, quanto mais sofrimento e expectativa ele tinha dedicado a ele, mais difícil se tornava deixá-lo para trás. Ele não queria mais sequer comer a merda da jaca, mas um minuto antes estava disposto a morrer por ela.

No Pequeno Príncipe, Exupéry nos ensina que o que faz uma pessoa qualquer especial é o tempo que gastamos com ela. Isso vale para as coisas boas e ruins. Quanto mais tempo e esforço gastamos com as coisas, mais nos apegamos a elas. Elas deixam de valer pelo que são e passam a valer por todo o tempo que já gastamos com ela.

Lula é a jaca da esquerda. Minha geração e a geração que veio antes de mim apostaram tudo nele. Mesmo os que nunca apostaram, como eu, tiveram todos os esforços de suas vidas políticas e construção catalisados por Lula. A maioria dessas pessoas simplesmente não tem como deixá-lo ir. Quanto mais ele falha com eles, mais elas querem que ele volte para consertar tudo o que estragou, tudo o que não cumpriu. Eles não podem deixar sua biografia acabar na cadeia porque de certa forma é a biografia deles também.

É por isso que eles esperam a guinada à esquerda de Lula na segunda metade de 2002, no segundo mandato, no mandato da Dilma, no segundo mandato da Dilma e agora no retorno de Lula.

Eles vão morrer abraçados na jaca.

É um preço muito alto deixar a jaca para trás e reconhecer que suas vidas políticas foram jogadas fora. Que nada, nenhum, absolutamente nenhum de seus sonhos foi realizado.

A propósito, quando meu amigo teve essa epifania deu um grito gutural e atirou a jaca no chão, literalmente meteu o pé nela, a destruiu em mil pedaços. Um minuto depois, descobriu que estava somente a vinte metros da praia.

Pode ser até que eles estejam com sua jaca a vinte metros da praia, eu duvido muito. Pra mim essa jaca já está podre. Mas mesmo que estejam, deve ser tarde. O tempo de Lula está acabando. Somos, afinal de contas, mortais. A noite, cai. Sempre.

  1. Agora falando dos que não estão caregando a jaca, não está longe o dia em que todos os agredidos pelo PT vão se unir. Os petistas são os valentões da política brasileira. O isolamento deles é ocultado pela frente ampla criada a base de intimidação e suborno. Talvez somente eles ignorem a repulsa que despertam nas mais variadas agremiações políticas. O PT se comporta do mesmo jeito que o cafetão: agride e protege, rouba e sustenta, é gentil e truculento, e, acima de tudo, domina. Na cabeça dele, o petista apenas exerce o direito do mais forte ou o direito de quem tem a linha política mais correta. Supondo que eles sejam os mais competentes e os donos das propostas mais corretas; a pergunta que eu faço é: ainda assim eles têm direito de fazer tudo que tem feito nos últimos anos? Não está longe o dia em que todos os agredidos pelo PT vão se unir. Nesse dia o PT vai ver que não tem braço pra bater em todo mundo ao mesmo tempo.

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