Intentona Bolsonarista: o dia seguinte

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O feriado de independência era esperado pela fauna política brasileira. A partir dele, novos cálculos seriam feitos, novas alianças seriam viabilizadas e, até mesmo, antecipar-se-iam movimentos que seriam desvelados apenas às vésperas da eleição. Ao fim, o maior efeito do Putsch Bolsonarista foi atiçar o mundo político.

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Brasília realmente surpreendeu. Os esforços de concentração do agro estavam especialmente focados na região centro-oeste. Nos grupos de organização bolsonarista, além de loucuras QAanon (onde Trump seria uma espécie de Jesus Cristo bronzeado artificialmente), notava-se o esforço de concentrar as forças em três polos: São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.

Em São Paulo, apesar dos numeros também hiperbólicos, o efeito manada pareceu menor. A rejeição ao Bolsonarismo, apesar de ainda estar longe do ideal, não é capaz de fazê-lo repetir, em proporção, os atos de outros tempos. Em compensação, o esforço do Agrobusiness – incentivado pelo dólar à 7 reais – conseguiu arregimentar o rebanho brasiliense e goiano, além de engrossar o caldo Paulista com onibus saídos do interior do Estado e do Paraná. O Rio de Janeiro, berço do regime, continuava com a aliança zona sul/milícia que comprou a presidencia para o capitão da Barra. Queiroz, o corretor do negócio, estava presente, com sua habitual pinta de policial-bandido e sendo ovacionado pelos mesmos infelizes que outrora travestiam-se de “Morobloco”. Tudo contra a corrupção e em nome de Deus.

O público era de velhos e envelhecentes em geral. Ao som de hits como “Que País é esse” e demais porcarias , amontoavam-se numa orgia de bandeiras desbotadas, camisas falsas da CBF e cartazes com erros de português – e não só. A marcha fascista no Brasil é como assistir ao jogo da seleção de futebol no bingo.

Meio milhão de mortos; desemprego recorde; volta da fome; inflação e carestia.

Croupier, BINGO. Troquemos a cartela.

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A bolha progressista do twitter tratou de cravar o “flop” dos protestos antes mesmo deles acontecerem. Numa espécie de realidade paralela, pregavam que não havia ninguém nas ruas. O que mostrou-se impossível de defender, para o desespero do plantonista de ocasião da Globonews, que parecia cada vez mais triste ao observar o insurreição do irracionalismo.

Uma coisa é fato: o maior polo aglutinador da política brasileira se chama Jair Bolsonaro. A esquerda, em nenhuma de suas incursões às ruas, conseguiu botar mais gente que o capitão-corona. Dito isto, há de se admitir que Bolsonaro esperava muito mais do que seu rebanho foi capaz de dar-lhe. A espectativa gera frustração. Apesar de grandes, as jornadas do fascismo foram inofensivas. Nenhum militar a mais foi convencido, o STF amanheceu funcionando e a câmara, comandada por Artur Lira, mostra-se cada vez mais impaciente com o Poder Executivo.

Lira sentiu-se desrespeitado por Bolsonaro. Ao pautar o voto impresso, antes derrotado na Comissão, Lira acordou com o governo que após o resultado, não seria mais importunado com o assunto. Bolsonaro não conseguiu cumprir e novamente subiu o tom da bravataria contra as eleições de 2022. “Não vou participar de uma fraude”, disse o capitão.

Esperamos que, pelo menos dessa vez, Bolsonaro realmente fique fora de uma fraude.

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O impeachment voltou a ser discutido, mas não pelos motivos certos. O PSDB percebeu que se ficar esperando Bolsonaro derreter, vai amargar a candidatura de Alckmin em versão revival. O centrão, hoje bolsonarista, estuda romper com o governo antes do previsto. O divórcio já era sabido, não dá pra imaginar algum parlamentar do centrão (principalmente das regiões nordeste e norte) indo contra Lula. Evidentemente há os dissidentes, mas cada vez em menor número. Os demais, já estão novamente encantados pelas propostas de campanha lulistas: picanha, abraço, coxa grossa, pinto murcho e privatização.

Bolsonaro está se tornando o maior financiador da campanha petista. As gordas verbas enviadas para comprar deputados do centrão acabará ajudando o ex-presidente a voltar. Ou alguém imagina algum deputado de Alagoas, onde Lula deverá ter quase 70% dos votos, morrendo abraçado com Bolsonaro?

O desembarque é certo, o que ainda está pendente é o momento. Os atos de ontem anteciparam alguns movimentos neste sentido. O PSDB parece querer fazer a faxina em seus deputados governistas, comandados indiretamente por Aécio Neves, cuja biografia parece não respeitar os limites do abismo.

A principal vitória da oposição é a aquisição de Gilberto Kassab. Em Brasília se diz que “se você quer saber algo antes, pergunte sempre ao Kassab”. O faro político do ex-prefeito paulistano raramente falha. Seu portifólio é exemplo. Montou, literalmente sozinho, um dos maiores partidos do Brasil. Kassab disse estar atento ao impeachment. Se Kassab está atento, o prudente é acompanhá-lo. E os atores políticos de Brasília sabem bem disso.

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Bolsonaro mostrou todo seu poder de força ontem. A chance de golpe, com sucesso, é nula. Em 1964, foram precisos os esforços da Igreja Católica, da mídia em uníssono, dos Estados Unidos e de uma força realmente armada – bem distante desse conglomerado de xerocadores com grife e pintores de rodapé de hoje. Bolsonaro tem a Record, Silas Malafaia, uns PM’s chegados em milícia e o filho do Trump. Não parece um time apto a tomar o país à força. Seria como botar a Carreta Furacão pra apresentar “Chicago” na Brodway.

Apesar disso, o capitão está muito longe de ficar fora do segundo turno. E por este motivo, movem-se os atores políticos preocupados em viabilizar uma via longe do caminho morte x roubo do Bolsopetismo. O impeachment voltou a circular nos corredores e whatsapp’s. A ameaça de Bolsonaro em não cumprir decisões judiciais não ajudou muito. Há um consenso de que bater de frente o Poder Judiciário não é boa ideia. Ainda mais depois do que se viu na lava-jato. Gato escaldado tem medo de água fria. E o balde de Alexandre de Moraes parece estar cada dia maior. Suas notas de repúdio são escritas sob mandados de prisão. Se falta-lhe cabelo, parece sobrar-lhe disposição.

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O Brasil acordou absolutamente normal na manhã desta quarta 8 e assim continuará acordado. Bolsonaro não tem força para dar golpe algum e tampouco está tão fraco que possa ficar fora do segundo turno. O golpe reacionário é apenas uma ilusão ótica de um governo que acabou. O ultimo esforço do presidente para voltar à mesa de negociação com algum ativo, para quem sabe salvar seus filhos da jaula e garantir uns trocados. Bolsonaro tem prazo de validade, o estrago que provocou será sentido por décadas, como um cadáver insepulto que nos atormentará por muito tempo. E já começou a feder. Agora é esperar o coveiro.