13 de maio: Acertada tática, necessário esquema

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O modo de produção escravista perdurou no Brasil por quase quatro séculos, período em que os negros foram escravizados e tratados como mercadoria. Não houve solidariedade e os negros eram considerados como gente sem humanidade.

As lutas em favor da abolição da escravidão que aconteceram no mundo após a Revolução Haitiana (1791-1804), a seguir nos Estados Unidos, em 1865, foram importantes para pensar a abolição da escravidão no Brasil. Os abolicionistas apresentaram diversas justificativas para o fim da escravidão, como o receio do Brasil se tornar um Haiti, que engendrou importante luta contra o domínio francês, ou com a eclosão de uma Guerra de Secessão, como aconteceu nos Estados Unidos.

Estas lutas serviram de exemplo para saber se valeria a pena correr o risco de uma Guerra Civil ou que os negros organizados assumissem o poder, em razão deles serem maioria nesse território. Desse modo, havia abolicionistas que queriam o fim da escravidão para que os negros voltassem para o continente africano, e outros que queriam a libertação para serem reconhecidos como livres e iguais, bem como inseridos na nova ordem do capitalismo.

O movimento abolicionista no Brasil, último país a abolir a escravidão, empreendeu uma batalha política e jurídica até a publicação da Lei Áurea, de 13 de maio de 1888. Cumpre salientar que não foi um favor do império e tampouco emocionalismo para com os negros escravizados, mas resultado de pressão popular e política.

A respeito do movimento abolicionista enquanto um movimento social fundamental para o fim da abolição, Angela Alonso, no livro Flores, votos e balas: o movimento abolicionista de 1868-1888 (2015), apontou que a Princesa Isabel não foi “Redentora”, pelo contrário, a autora destacou que sem os escravizados e os abolicionistas como Rebuças, Patrocínio, Vicente de Sousa e Luiz Gama não teria acontecido a abolição em 13 de maio.

Florestan Fernandes, no livro O significado do Protesto Negro (1989), afirmou que “sem a participação direta dos escravos e de negros livres ou libertos rebeldes, as agitações não fluiriam com o mesmo vigor das senzalas. Os ritmos históricos seriam mais lentos e, provavelmente, a ‘história oficial’ ainda mais capciosa”.

Um movimento social não é ator coletivo orgânico, é maneira extraparlamentar de fazer política, à qual recorrem grupos sem acesso ou capacidade de impactar a política institucional. A mobilização brasileira pela abolição da escravidão preenche os critérios à sobeja. Entre ações institucionais, manifestações públicas em espaço fechado ou aberto, ações simbólicas, diretas, de difusão e de confrontação foram 2.214 [dois mil, duzentos e catorze] eventos de protesto. Campanha contínua por duas décadas, com associações e eventos coordenados e nacionais, que recrutou vultoso contingente de adeptos nas maiores cidades do país e se embrenhou pelo interior, o abolicionismo foi o primeiro grande movimento social brasileiro (ALONSO, 2015: 352).

Angela Alonso aponta que após a abolição houve muita festa, comemorações, bailes e homenagens. No entanto, houve divisão sobre o futuro do ex-escravizado. “O desacordo só sumia em dois quesitos, a educação e a tutela ao ex-escravo, pois os abolicionistas nunca cogitaram deixá-los gerentes do próprio futuro […] Também dissensos entre monarquistas e Republicanos retalharam a bandeira abolicionista” (ALONSO, 2015: 363).

Como não havia, após a abolição da escravatura, negros em posições sociais elevadas, mas apenas negros libertos e sem quaisquer posses que lhes conferissem um mínimo de subsistência, estes não tinham escolha senão buscarem (sub)empregos. Os negros foram racializados para servirem a esse novo modo de produção enquanto figura subalterna, de modo que o véu que separava brancos e negros foi mantido. O véu é essa divisão de apartação, em que os negros não são vistos como irmãos, seres humanos e nem o próximo. Pelo contrário, eles são os criminosos, incivilizados, incapacitados, imprestáveis e outros adjetivos negativos. Apesar dos negros estarem integrados, não houve a inclusão social deles com a garantia de cidadania tal como a dos brancos.

Contra essa subalternação histórica e social, os negros apresentaram resistência e denunciaram a falsa democracia racial. Todavia, foram arduamente silenciados pelo Estado, conforme apresentado do artigo intitulado “Plantam-se semente para colher libertação”. O racismo se transformou e transforma, organizando as relações sociais a partir das crises e dinâmicas sociais, políticas e econômicas, de modo que até os dias de hoje ele é utilizado para concentração de riqueza, cultura, poder, à exclusão do mercado de trabalho e, recentemente, limita o direito à vida.

A pandemia da COVID-19 está reconhecida a mais de um ano, e a letalidade com que tem atingido as pessoas negras é inaceitável. Os negros são os alvos das violações de direito, quando se determinam invasões com autorização estatal em periferias sob alegação de segurança ou reintegração de posse. Ou quando a vacinação sequer alcança idosos negros, porque eles possuem baixa expectativa de vida comparado aos brancos. Ou quando a população negra é o grupo mais contaminado pelo vírus, porque exerce atividade laboral considerada essencial.

Importante mencionar que a cultura “afro” foi capturada pelo sistema de capital, a ponto de ser aceitável em pessoas brancas o uso de tranças, cabelos enrolados e turbantes. As festividades do carnaval também foram assimiladas, a ponto de ser uma das poucas ocasiões em que os negros são valorizados, para a seguir serem inferiorizados pelo sistema opressor do racismo.

Mais do que isso, houve a apropriação cultural como tecnologia de dominação, que encontra terra fértil, sob o argumento de que é reconhecimento e identidade nacional. Abdias do Nascimento também denunciou o esvaziamento da cultura da população negra, ou seja, esvaziamento do grupo dominado pelo dominador, e também afirmou que “escamotear os traços negros e indígenas das tradições culturais brasileiras é o mesmo que roubar a humanidade desses povos e impulsionar seu genocídio. É uma violência”.

Rodney William, em seu livro intitulado Apropriação Cultural (2019), afirmou que “tomar manifestações culturais como a música, a dança, os trajes típicos, as expressões linguísticas, a arte, a culinária, os acessórios e desviá-los de sua origem e de seu contexto social e histórico é mais do que um simples projeto de apropriação. Ao adotar significações adulteradas, que não revelam sua essência e extinguem os traços de sua cultura, o próprio grupo étnico se põe em risco de desaparecimento. Contudo, o grande problema da apropriação cultural não se resume às alterações e desvirtuamento de significados, está justamente no fato de concorrer para o genocídio simbólico de um povo” (WILLIAM, 2019: 30).

O racismo impregna a dimensão cultural da sociedade brasileira e retroalimenta sua dimensão econômica. Desse modo, o 13 de maio não é mais uma data para comemorar e nem ficar estagnado, mas diante dessa realidade dualista, em que a estrutura da sociedade brasileira é racialmente desigual, torna-se imprescindível que a coletividade apresente a luta contra essa exploração e toda forma de opressão.

O 13 de maior é o dia de reiterar as denúncias contra o racismo que estrutura a sociedade brasileira.

O repúdio formal à desigualdade racial no Brasil tomou força com a promulgação da Constituição Federal de 1988, e com leis específicas, como a que criou o Estatuto da Igualdade Racial (Lei n. 12.288/2010), entre outras que, embora válidas e em vigor, não funcionam para sua pretensa finalidade. Ainda mais quando novas diretrizes normativas são implementadas para redução de direitos como a Reforma Trabalhista (Lei n. 13.467/2017) e o estabelecimento do teto de gastos em sentido contrário ao espírito constitucional.

Da mesma forma que o movimento abolicionista resistiu e insistiu para alcançar a liberdade formal dos escravizados, nós temos o dever de lutar para conquistar a liberdade material. Não há liberdade em meio a fome, miséria e qualquer forma de exploração. Portanto, nossa luta exige a implementação de um projeto político, social e econômico que materializem o combate contra o racismo, pois é isso que vai garantir melhores condições à população negra e, consequentemente, para os brancos.

Referências:

– ALONSO, Angela. Flores, votos e balas: o movimento abolicionista brasileiro (1868-1888).1ª.Ed, São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

– FERNANDES, Florestan. O significado do protesto negro. São Paulo: Cortez: Autores associados, 1989.

– WILLIAM, Rodney. Apropriação Cultural. São Paulo: Pólen, 2019.