Afinal, os votos de Ciro ajudaram Bolsonaro?

os votos de Ciro ajudaram Bolsonaro?
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O segundo turno se encerrou, Bolsonaro se pronunciou, reconheceu os resultados (do jeito dele) e respiramos aliviados por ora. Assim, podemos nos dar ao luxo de discutir algumas questões.

Muito foi dito sobre como os votos de Ciro Gomes teriam migrado em peso para Jair Bolsonaro no segundo turno, permitindo que ele encostasse em Lula.

Parte disso é atribuída à campanha incisiva, por vezes agressiva, de Ciro contra o lulopetismo. Outra parte é atribuída a omissão de Ciro no segundo turno, exceto por um único vídeo poucos dias depois.

Entretanto, defendo que não. Os votos de Ciro ajudaram mais Lula que Bolsonaro, enquanto os de Tebet foram divididos quase que igualmente, no melhor dos cenários.

O que veremos neste artigo:

O básico que você precisa saber
Premissas
O pior cenário possível para Ciro
Como os votos migraram na realidade
Não confunda certezas com achismos

O básico que você precisa saber

Antes de mais nada, tenham em mente os dados básicos do primeiro turno, sempre em números redondos:

– Lula: 57,2 milhões de votos.
– Bolsonaro: 51 milhões.
– Simone: quase 5 milhões (4,9).
– Ciro: 3,6 milhões.
– Soraya e Felipe D’Avila juntos: 1,1 milhão.
– Os outros candidatos juntos: 220 mil.

E, por fim, é importante que você lembre o número total de votos válidos: 118.229.719. Lembre-se que votos válidos desconsideram os brancos, nulos e abstenções.

Todos os candidatos e candidatas do pleito presidencial de 2022. Foto: Montagem Valor

Agora vamos para o segundo turno, no qual uma virada bolsonarista quase foi possível, para o temor de muitos eleitores que acompanharam a apuração como uma final de Copa do Mundo.

– Lula: 60,3 milhões. Ganhou 3,1 milhões.
– Bolsonaro: 58,2 milhões. Ganhou 7,2 milhões.
– O número de votos válidos no segundo turno foi de 118.552.353.

Assim, tivemos 322 mil votos válidos a mais do que no primeiro.

Premissas

Estamos tentando entender, sem recorrer a pesquisas, como foram as transferências de Ciro e Tebet no segundo turno, para assim explicar os 3 milhões a mais de Lula e os 7 milhões a mais de Bolsonaro.

A primeira premissa é: todos os votos que Lula e Bolsonaro tiveram no primeiro turno se mantiveram no segundo. Ninguém trocou de lado. Acho que todos concordamos com essa, não?

Segunda: quem votou nulo, branco ou se absteve no primeiro turno se manteve assim no segundo. Claro, algumas pessoas podem ter decidido votar por medo do “comunismo” ou do “fascismo”, mas via de regra isso é pouco comum.

Terceira: por conta da afinidade político-ideológica, todos os votos de Léo Péricles, Sofia Manzano e Vera Lúcia foram para Lula, somando 110 mil votos.

Todos os votos de Soraya, Felipe D’Avila, Eymael e do padre Kelmon foram para Bolsonaro, totalizando 1,2 milhão.

Assim, precisamos explicar na verdade 3 milhões de Lula (não 3,1) e 6 milhões de Bolsonaro (não 7,2). Vamos começar imaginando o pior cenário possível para Ciro.

O pior cenário possível para Ciro

Imagine que os 3,6 milhões de votos de Ciro foram integralmente para Bolsonaro. Isso significa que dos 6 milhões, sobram 2,4 milhões sem explicação.

Se todo o excedente de votos válidos (320 mil, aprox.) fosse para Bolsonaro, ainda assim cerca de 2 milhões de votos vieram de Simone Tebet, simplesmente porque não tem mais de onde tirar votos. Os 3 milhões que sobram de Tebet teriam ido para Lula, o que fecha a conta certinho.

Neste caso hipotético, 100% dos eleitores de Ciro e dos novos válidos foram para Bolsonaro. Este seria o cenário mais catastrófico para os eleitores de Ciro e para o próprio candidato, em certa medida.

Este seria o melhor cenário possível para Tebet, no qual ela mais ajuda Lula e menos ajuda Bolsonaro. Ainda assim, 40% dos seus eleitores foram para o ex-capitão e 60% foram para o candidato do PT, neste exercício teórico.

Em outras palavras, mesmo com Simone Tebet subindo no palanque de Lula, emprestando sua imagem na propaganda eleitoral e fazendo esforços nos bastidores, no melhor caso possível, ela conseguiu transferir pouco mais da metade de seus votos para o ex-presidente. E a outra metade foi para o capitão.

Isso nos mostra como a orientação de um político não dita necessariamente o comportamento de seus eleitores. Alguns são influenciados, mas muitos simplesmente não ligam e fazem o que acham melhor.

Como os votos migraram na realidade

Porém, nós sabemos que as coisas não aconteceram dessa forma. Uma parcela dos eleitores de Ciro de fato votaram em Lula, uma parte dos votos válidos extras também pode ter ido para ele, e ainda é possível que uma proporção maior de votos de Tebet tenha ido para Bolsonaro.

Já sabemos que o máximo de votos que Tebet pode ter transferido para Lula é 60%, ou cerca de 3 milhões. Porém outros dados podem trazer mais luz à questão.

O pedetista João Deluca apontou em seu Twitter o percentual de votos que Ciro e Tebet tiveram em suas bases políticas e tirou conclusões sobre a transferência de votos.

Assim, na média nacional, Ciro teve 3% dos votos, mas em Sobral (CE) teve 18%. Desse percentual, Lula herdou 14% e Bolsonaro herdou 6%, o que significa que mais de 3/4 dos votos de Ciro foram para o candidato do PT, enquanto o restante foi para o postulante do PL.

Apuração da eleição presidencial no primeiro turno em Sobral/CE

Esse é um dos poucos casos em que podemos afirmar isso com certeza, porque Tebet teve 0,7% dos votos em Sobral e os outros candidatos menos ainda. Lula e Bolsonaro brigaram pelos votos de Ciro e somente dele no segundo turno em Sobral.

Apuração da eleição presidencial no segundo turno em Sobral/CE

Por sua vez, Tebet teve 4,1% na média nacional, porém na cidade em que foi prefeita, Três Lagoas (MS), ela teve 5,7%. Lá, Bolsonaro cresceu 6,3% no segundo turno, enquanto Lula teve apenas 2% a mais.

Ciro teve quase 2% em Três Lagoas, então somado a Tebet, ambos tiveram 7,7%. Não sabemos exatamente como esse percentual se distribuiu no segundo turno, mas com certeza quem alavancou o capitão foram os votos de Tebet em sua própria base eleitoral.

Inclusive, como um exercício para irmos ao limite das possibilidades, podemos pensar no cenário inverso, no qual todos os votos de Simone Tebet foram para Bolsonaro.

Neste caso hipotético, teríamos 5 milhões de Tebet, somados aos 320 mil novos votos válidos. Bastaria cerca de 700 mil eleitores de Ciro irem para Bolsonaro para fechar a conta. Neste cenário, Ciro teria dado 19% para Bolsonaro e 81% para Lula.

Porém, precisamos ser honestos. Foi em São Paulo que Ciro e Tebet tiveram maior número absoluto de votos e não necessariamente esse perfil de transferência se manteve.

A polarização nacional e o peso diferente da influência dessas figuras fora de seus estados natais faz com que os resultados de Sobral e Três Lagoas não sejam extrapoláveis tão facilmente.

Podemos apenas especular sobre como os eleitores paulistanos se comportaram no segundo turno. O que não podemos fazer é confundir certezas com opiniões.

Não confunda certezas com achismos

Acreditar que a participação de Tebet garantiu uma diferença grande para Lula é ilusão. No melhor cenário, a divisão foi 60/40. Votos muito importantes, mas demonstra uma partilha apertadíssima, quase metade-metade e um eleitor independente.

Questionar a postura de Ciro no segundo turno é válido e saudável. Dizer que ele não fez sua parte contra Bolsonaro na reta final também é legítimo.

Mas cravar que os votos dos pedetistas ou ciristas foram em peso para Bolsonaro não está baseado em certezas ou fatos, mas sim em opiniões, sentimentos ou achismos.

Sem evidências e premissas claras, o diálogo fica prejudicado. Mas com dados, análises aprofundadas e debate, podemos sempre melhorar o nível do debate político no Brasil. Sabemos que vamos precisar.

*Agradecimentos a Henrique Vitta, presidente da Zonal Oeste do PDT São Paulo, pela revisão e comentários.