Voto impresso, memes e os instrumentos de despolitização

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Por Rhodner Paiva – Na última semana, o que se viu em grande parte da mídia dita mainstream, seja ela “de esquerda” ou “de direita”, foi um espantalho construído sobre a “volta do voto impresso”, abordagem muito reducionista e caricata que, basicamente, colocou, de um lado, os arautos do desenvolvimento e defensores da urna eletrônica e, de outro, obscurantistas que pretendem trazer de volta práticas jurássicas ao Brasil.

O que os bastiões do Iluminismo tupiniquim pós-moderno não abordaram, pois (como tudo que divulgam) só conhecem o assunto de maneira muito superficial é que é que o assunto é bem mais complexo do que aparenta.

Em primeiro lugar, é necessário salientar que o chamado “projeto de Bolsonaro”, como maldosamente apelidaram a contrapartida auditável da urna eletrônica é, na verdade, uma bandeira antiga de ninguém menos que Leonel de Moura Brizola. Se existiu alguém que tinha reais motivos para exigir uma dupla garantia da lisura do processo eleitoral não era Bolsonaro, que se elegeu deputado diversas vezes e, infelizmente, Presidente da República por meios das contestadas urnas eletrônicas, mas o velho Briza, que tinha sofrido com uma fraude eleitoral em 1982.

Em segundo lugar, há de se esclarecer que não se trata de um retrocesso em que deixamos nossas clavas fora do colégio eleitoral, esculpimos nosso voto em uma pedra com ajuda de um cinzel e levamos para casa um comprovante de que votamos no candidato A, B ou C e promoveríamos vultuoso aumento do voto de cabresto e a volta (se é que já se foi) do coronelismo Brasil afora. Trata-se tão somente de uma dupla garantia, em que o cidadão vota na urna eletrônica, que imprime esse voto para que seja conferido se os candidatos escolhidos por ele são aqueles que saíram no papel. Em seguida, esse voto seria depositado em uma urna física que ficaria à disposição para casos de pane na urna eletrônica ou para casos de suspeita de fraude.

Pode parecer que essa desinformação se dá por acaso ou por mero mal entendido por parte da população em relação a um assunto bem mais complexo do que parece. Poderíamos acreditar nessa hipótese se esse tipo de empobrecimento do debate político não ocorresse de modo sistemático entre os cientistas políticos dos veículos de comunicação, “tiozões do zap” e rodas de cirandas de DCEs de igual maneira. Talvez a ignorância seja a vertente política mais democrática e apartidária atualmente em nosso país.

Já é quase que um consenso que a direita retrógada que hoje nos presenteia com algo tão boçal quanto o atual Presidente da República é composta basicamente por analfabetos funcionais ou político – ou ambos –, mas ainda se reluta para admitir que a esquerda academicista não está muito melhor representada. Ou alguém acredita que alguns jovens de classe média que se reúnem em Centro Acadêmicos e que reverenciam figuras como Lula e Barack Obama realmente são capazes de construir os pilares de um Brasil forte e desenvolvido? Ou mesmo que eles representem toda a pluralidade de nosso povo?

Tão patéticos quanto aqueles que acreditam que Olavo de Carvalho – um idoso verborrágico e semianalfabeto que vocifera da Virgínia contra um comunismo global imaginário – seja um grande pensador são aqueles que acreditam no progressismo do partido Democrático americano. Se ambas as visões de mundo mal conseguem explicar a realidade norte-americana, quanto mais a nossa natureza de país subdesenvolvido e incrivelmente desindustrializado para o século 21? Desta forma, tanto “bolsominions/trumpminions” como “obamaminios/lulaminions” compartilham de um espírito patológico de vira-latismo promovido pelo imperialismo.

Claro que não é novidade para ninguém que o Partido dos Trabalhadores usa e abusa da despolitização do brasileiro para se autopromover. Basta ver como seu representante maior usa de truísmos como “o pobre vai voltar a comer carne e a andar de avião” sem colocar à mesa sequer um esboço porcamente desenhado de desenvolvimento nacional. Como se políticas compensatórias não fizessem parte da agenda neoliberal e da cartilha de Washington. Ou alguém enxerga alguma diferença real entre Joaquim Levy e Paulo Guedes? Talvez a única diferença seja que o segundo não se esforça minimamente em esconder sua latente aversão ao pobre.

De toda forma, tirando todo o verniz de falso progressismo ou de falso patriotismo que pauta a relação odiosa a que se reduziu o debate político de hoje o que sobra é apenas a narrativa de luz contra trevas, bem contra o mal, hordas celestiais contra hordas infernais. Obviamente os únicos que lucram com essa pobreza de visão do brasileiro são justamente aqueles que as promovem. “Só há um inimigo que precisa ser destruído e nós somos o lado certo da guerra”, pensam as duas faces de uma mesma moeda.

Bolsonaro esticou a corda para manter Lula como o único opositor a seu império nas próximas eleições, acreditando, é claro que o antipetismo vencerá pela segunda vez. Já Lula acredita que o povo, depois de sangrar por quatro anos nas mãos de Bolsonaro, sentirá saudades de suas migalhas e voltará a se prostrar ao ex-presidente que permitia ao povo comer carne e andar de avião. Onde Ciro Gomes aparece no meio disso tudo?

Obviamente em memes que o joguem do outro lado que não aquele dos iluminados. Um homem que dedicou mais de quatro décadas a pensar o Brasil e as saídas para o país é reduzido a aliado de ocasião do atual presidente por defender uma bandeira histórica de seu partido e do seu maior padrinho político.

Recentemente o Youtuber Felipe Neto chamou a atenção por “descobrir” as mazelas do neoliberalismo e assuntos mais complexos que fogem – só um pouco, é verdade – da politização por memes, por intermédio da leitura de clássicos de pensadores como Chomsky e Bakunin e declarar que “perdeu seu crush no Obama”. Logo depois, declarou que Ciro Gomes era o único candidato que tinha uma proposta de país. Rapidamente foi reduzido a meme e até com certa razão, visto que uma pessoa que tem todo o acesso à informação não enxergava algo tão óbvio. No entanto, provavelmente, as pessoas que o reduziram a meme jamais leram Bakunin e Chomsky e ainda têm crush no Obama.

Em síntese, nos tempos de pós-verdades e reducionismos, quem detém o poder de controlar as narrativas com maniqueísmo e memes encontra território fértil na ignorância do Brasil contemporâneo. Eu sei que eventualmente este texto pode ser reduzido a um meme do “centrista iluminado acima do bem e do mal que foge de maniqueísmos e reducionismos”. Na verdade, é quase inevitável, em tempos em que toda a comunicação é feita basicamente por memes, que quem se proponha a dissertar em alguns parágrafos soe um pouco pedante, ainda mais quando a mensagem não é aquilo que se quer ler. Muitas vezes matamos o carteiro para não precisarmos ler a carta. E, para isso, em tempos de linchamentos virtuais e cancelamentos, basta um meme.

Por: Rhodner Paiva.