Tom Jobim, 96 anos esta noite

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Por Ewerton Alípio – Em 25 de janeiro de 1927, nasceu em casa, na Rua Conde de Bonfim, um dos mais tradicionais logradouros da aristocrática e decadente (como sói ocorrer em recantos fidalgos) Tijuca, bairro do Rio de Janeiro, o compositor, maestro, pianista, cantor, arranjador e violonista Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim.

“(…) mas eu nasci lá [Tijuca], não foi por aristocracia, não, nasci lá porque minha família não pôde pagar o aluguel em Copacabana. Quer dizer, eu era pra ser de Copacabana mesmo.”

Melancolia, (des)amor, o mar, as lagoas (a Lagoa Rodrigo de Freitas conta com o Parque Tom Jobim), a Mata Atlântica, a fauna brasileira em geral e os pássaros em particular constituem a matéria prima da música de Tom Jobim.

Ele costumava dizer que toda sua obra é inspirada na Mata Atlântica, bioma, par excellence, do Rio de Janeiro. E quando se fala do Rio, é inevitável discorrer sobre suas belezas naturais, de uma lassidão sensual, as formas sinuosas, ondulantes, o Corcovado, Floresta da Tijuca, Pão de Açúcar e a mística Pedra da Gávea.

Antes do pauperismo que a ditadura infligiu ao país, precipitado pelo financismo da Nova República, o Rio vinha se modernizando de acordo com um modelo muito próximo de um ideário em que o ser humano não era concebido independentemente do meio ambiente. Tom Jobim e a própria Bossa Nova espelhavam isso, a modernização, no âmbito musical, de que precisávamos. Pensem em canções como O Barquinho, de Menescal e Bôscoli:

Sem intenção, nossa canção
Vai saindo desse mar
E o sol
Beija o barco e luz
Dias tão azuis!
Volta do mar desmaia o sol
E o barquinho a deslizar
E a vontade de cantar!
Céu tão azul ilhas do sul
E o barquinho, coração
Deslizando na canção
Tudo isso é paz tudo isso traz
Uma calma de verão e então
O barquinho vai
A tardinha cai
O barquinho vai
A tardinha cai…

E samba do Avião, do mestre Jobim?
Minha alma canta
Vejo o Rio de Janeiro
Estou morrendo de saudade
Rio teu mar, praias sem fim
Rio você foi feito pra mim
Cristo Redentor
Braços abertos sobre a Guanabara
Este samba é só porque,
Rio, eu gosto de você
A morena vai sambar
Seu corpo todo balançar
Rio de sol, de céu, de mar
Dentro de mais uns minutos
Estaremos no Galeão
Este samba é só porque,
Rio, eu gosto de você
A morena vai sambar
Seu corpo todo balançar
Aperte o cinto, vamos chegar
Água brilhando, olha a pista chegando

Vejam como a letra dessa canção é imagética, e até mesmo por meio do não-dito, você é capaz de criar uma janelinha de avião e ver todas as maravilhas que enumeramos acima.

Bem, a digressão chega a termo, voltemos, pois, ao homenagedo do dia, que, humilde, chegou a se comparar a um curandeiro charlatão para explicar seu processo de composição e donde vinha a inspiração.

“Conheci um camarada, ele fez umas curas e tal, perguntei a ele: mas como é que você cura as pessoas? Ele disse: eu não sei. Você sabe como é que você faz a Garota de Ipanema? Eu digo: não sei. Eu faço um negócio assim que, sei lá, vem dum jeito, depois fica doutro, depois fica doutro. De repente, está lá um troço que faz sentido, entende?! Está lá um perfil de mulher, entende?! Um perfil de mulher é uma coisa nítida. (…) Aí você fixa isso, mas duma maneira que você fixa, aquilo deixa de existir, quer dizer, aquilo se transforma em passado, (…) Toda vez que você desenha, vou desenhar o retrato do meu amigo, aquilo se transforma, fica estático assim, o tempo anda, meu amigo morre, eu morro, e fica aquela estampa”

Perfeccionista, sempre se chocou contra as impossibilidades, sempre se chocou contra o paredão de rocha do marasmo. Ele dizia que sentia a necessidade perene de voar — lembrando que ele era um ornitólogo amador:

“Você sempre é [sic] preso, até o teclado [do piano] prende, tudo prende. O teclado, para mim, não é exato, é temperado, é conta de chegada.”

E por falar em pássaros, Tom Jobim tinha um “saco de pios”, coleção de piados de aves em forma de apito que, para sua desolação, perdera nos EUA. A despeito disso, esse “saco de pios”, um “saco de pios” perene, ficou entalhado em sua alma, parindo canções que espelham toda a fulgência da nossa fauna e, por que não?, da nossa Geografia Sagrada, sobretudo em trabalhos como Matita Perê e Urubu. Obras que, por sinal, têm ressonâncias de Rosa e Drummond. Este, ruborizado, consternado, escreveu:

“Puxa, Matinta, mas você, hein? Nem reparou que o nosso tom, olerê olará, voa mais alto e mais longe, e ninguém o segura mesmo.”
Parafraseando o título de um filme aqui no Brasil,Tom Jobim estaria completando 96 anos esta noite. E por que a ênfase em “esta noite”?

Porque o maestro adorava o canto sedutor da ave noturna sabiá-laranjeira, muito parecido com o som de uma flauta. Canto entoado ao pôr do sol e também usado para seduzir as fêmeas da espécie.

Nesta noite, Tom Jobim é um sabiá-laranjeira a cantar, a extasiar, a endoidecer, seu canto convida os enamorados reticentes para a posse e o solitário a sublimar sua orfandade espiritual cantando Bossa Nova, Clube da Esquina e até mesmo Lennon e Mccartney:

“Blackbird singing in the dead of night
Take these broken wings and learn to fly
All your life
You were only waiting for this moment to arise”

Por Ewerton Alípio

Publicado pela Frente Sol da Pátria

Tom Jobim 96 anos esta noite