O ‘socialismo cristão’ e a Doutrina Social da Igreja

O socialismo cristao e a Doutrina Social da Igreja
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Por João Pianezzola – A Igreja Católica rejeita o termo “socialismo cristão” porque ela, justificada pela história, associou o socialismo ao marxismo, que é materialista, ateu, estatizante e contrário à propriedade privada como direito natural. Assim, “socialismo cristão” seria uma contradição.

Todavia, a doutrina social católica que, a rigor, nasce em 1891 com Leão XIII, não é filha de chocadeira. À parte da doutrina perene que une tanto a valorização da propriedade particular quanto sua relativização frente ao “bem comum”, afirmada desde os Padres Capadócios e sintetizada por Santo Tomás na Idade Média, o pensamento social católico recebe influência intelectual de um contexto em forte tensão contra o capitalismo industrial do séc. XIX, que reunia do marxismo (socialismo “científico”) a outros tipos de socialismos “utópicos”.

O socialismo “utópico” preconizado pela ideologia difusa dos sans-culottes na Revolução Francesa e maturado por intelectuais como Henri de Saint-Simon, Charles Fourier, Étienne Cabet e Robert Owen difere do marxismo na medida em que não enfatiza a luta de classes, e não condena a propriedade privada em si mesma; antes, porém, buscava a construção de uma sociedade baseada na proliferação da pequena propriedade e na conciliação entre capital e trabalho mediante a atividade das classes produtivas (“industriais”), de modo comunitarista.

Apesar do socialismo utópico ainda ser imbuído pelo espírito do iluminismo, do cientificismo e do anticlericalismo (já criando no magistério católico certa repulsa pelo termo socialismo), ele basicamente criou a moldura teórica com a qual a doutrina social iria trabalhar.

O trabalho de fazer um nó entre essas duas cordas foi, principalmente, do “Bispo Social” Wilhelm Emmanuel von Ketteler. O bispo de Meinz, muito ligado à questão operária alemã, dedicou a vida a justificar também doutrinalmente a defesa da classe operária, sem, contudo, cair nos vícios dos socialismos utópico e marxista. Von Ketteler era elogioso, já em 1863, de Ferdinand Lassalle, pai da social-democracia.

Também é interessante analisar o papel do beato Antoine Frédéric Ozanam, ativista católico fundador da democracia cristã e um dos responsáveis por conciliar os católicos com os parâmetros políticos modernos no contexto da Segunda República Francesa.

Ozanam foi uma das fontes de Leão XIII, que começou o processo de revisão do conceito de democracia à luz do catolicismo, e provavelmente também de Von Ketteler, que dali há alguns anos seria um dos principais autores da encíclica Rerum Novarum sobre a condição dos operários.

Essa encíclica publicada com a assinatura de Leão XIII em 1891 foi o pontapé inicial da doutrina social da Igreja Católica. À luz desses fatos, seria possível pensar em um “socialismo cristão”?

Sim, se por socialismo quisermos remeter àquilo pregado pelo socialismo utópico pré-marxista depurado pelas exigências do evangelho e da doutrina católica. Contudo, a Igreja, que é sábia, sabe que socialismo, no contexto católico, remete ao marxismo, irreconciliável com a fé.

Por isso, outros nomes são preferidos pelos autores católicos, tais como solidarismo, comunitarismo ou distributismo (quanto à economia). Ganha-se por um lado, perde-se por outro, na medida em que “socialismo cristão” seria de fácil compreensão, se remetesse ao conceito certo.

Por João Pianezzola