Crise do Pós-Modernismo e ascensão da Revolta Irracionalista

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Muita gente não consegue compreender porque o povo acredita em fake news, rejeita a opinião dos “especialistas” da CNN e da Globo, e vota massivamente em Donald Trump (inclusive negros e latinos) e Bolsonaro. A explicação é complexa, porém, não é um segredo incompreensível. Aqui no Disparada já foi debatido o papel do estrategista Steve Bannon, desde o início dos anos 2000 na construção da “alt-right”, a nova direita populista turbinada pela internet. Mas não se trata de um gênio do mal manipulador das massas em sua sala de controle, a “war room”, como ele gosta de chamar. Trata-se de crise do capitalismo, tanto em sua dimensão político-econômica como ideológico-filosófica. E não há motivos para comemorar como se estivesse chegando a desejada “crise final do capital”. Crises são naturais do capitalismo, devido suas próprias contradições lógicas como a queda tendencial da taxa de lucro, que se reconfigura de tempos em tempos em novos regimes de acumulação (economia) e modos de regulação (política). Na crise atual, o pós-fordismo neoliberal colapsa na economia-política e o Pós-Modernismo derrete ideologicamente sendo espancado pelo que o filósofo alemão de extrema-direita, Peter Sloterdijk, chama de “Revolta Irracionalista” no livro Crítica da Razão Cínica.

Vale a pena uma resumida reconstrução histórica para exemplificar as transformações econômicas e ideológicas do modo de produção capitalista. O surgimento do capitalismo é acompanhado pelo surgimento do Liberalismo, do Iluminismo e do Racionalismo. É o Modernismo contra o Feudalismo e as filosofias religiosas da Idade Média.

Mas o capitalismo vive crises cíclicas como o Karl Marx explicou. E nas crises, essas ideologias dominantes ficam confusas e em conflito durante a transição para nova etapa histórica do modo de produção. Os países hegemônicos entram em guerras interimperialistas. A própria consolidação do capitalismo se deu com guerras envolvendo Espanha, Holanda e Inglaterra no início das Grandes Navegações, pela disputa dos mares e da expansão colonial da acumulação primitiva do capital. Depois as Revoluções Burguesas e Guerras de Independência, como a Revolução Americana, a Revolução Francesa (e a Revolução do Haiti junto). Isso se desdobrou nas Guerras Napoleônicas, pelo controle da Europa com ascensão da França como competidora da pioneira industrial Inglaterra. Em seguida vem a Guerra Franco-Prussiana na segunda metade do Século XIX, com a ascensão industrial da Alemanha que buscava se unificar para ser uma potência imperialista também. Isso tudo com o surgimento paralelo do comunismo com sucessivas tentativas revolucionárias como a Comuna de Paris.

Em reação às ideologias e filosofias liberais-iluministas-racionais do Modernismo, surge o socialismo pela esquerda e o fascismo pela direita. No socialismo, o marxismo tornou-se a ciência imortal do proletariado, que deu nas vitoriosas Revoluções Russa e Chinesa e diversas outras derrotadas, como na Alemanha. Marx efetivamente criou a ciência social materialista. A explicação científica do capitalismo e suas formas sociais das mais abstratas às mais concretas.

Já Nietzche, visto por muitos como o primeiro fascista da história, disse que o Liberalismo-Iluminismo-Racionalismo da Modernidade só apequena a humanidade, por perseguir uma “moral” abstrata que suplanta os instintos, os sentimentos, os afetos pelos quais seus verdadeiros potenciais se expressariam. A moral burguesa não seria invenção dos iluministas, mas uma continuação cada vez mais degenerada e hipócrita da moral religiosa anterior, ou mesmo do idealismo embutido nos clássicos greco-romanos. Ao perceber a falência de todos esse modelos morais, disse “Deus está morto”. Porém, o que ele defende é que a humanidade supere a moral como um todo, principalmente após a chegada neste estágio iluminista-moderno e parta para uma autocompreensão superior, que busque o que for melhor sem as amarras hipócritas do moralismo-racionalismo burguês. Até parece interessante, mas o detalhamento disso gera problemas do tipo “superioridade racial”, “rejeição dos imprestáveis”, “eugenia” e etc. Essa filosofia anti-iluminista de extrema-direita deu em um fenômeno chamado nazismo, que produziu o primeiro genocídio industrial da história da humanidade.

O fascismo e o nazismo chegaram ao poder após a eclosão da Primeira Guerra Mundial, expressão industrial dos conflitos imperialistas. Os anos 1920 são a antessala do fascismo. O Pacto de Versalhes impondo ocupação do território da Alemanha e restrições financeiras e industriais que geraram a famosa hiperinflação alemã. Crise de 1929, fome, pandemia da Gripe Espanhola (sim, Hegel ri de nós diante das repetições dialéticas do Espírito do Tempo). Chegada ao poder de Adolf Hitler em 1933. Estados Unidos também em crise, com a brutal violência estatal no centro do “liberalismo”, perseguição a todo mundo com Roosevelt ameaçando a Suprema Corte, impulsionando o FBI de Edgar Hoover para perseguir comunistas etc. Josef Stálin tocando o terror para cima dos esquerdistas na União Soviética. Nos anos 1930, o autoritarismo era generalizado, “belo e moral”.

Após a Segunda Guerra Mundial com o terrorismo atômico dos EUA em Hiroshima e Nagazaki, a imposição da hegemonia industrial e financeira com o dólar norte-americano no Ocidente, e a consolidação do rolo compressor soviético ao Leste, além do exército de trabalhadores chineses de um bilhão de seres humanos na Ásia, é estabelecido o equilíbrio instável geopolítico da Guerra Fria. Esse cenário bipolar permitiu três décadas de estabilização do regime de acumulação e modo de regulação fordista nos chamados “Anos Dourados” do capitalismo. Keynesianismo, Social-Democracia e Estado de Bem-Estar-Social no Ocidente; planejamento centralizado do socialismo real no Leste Europeu e “socialismo de mercado” no Oriente. Porém, como previsto, o fordismo entrou em crise nos anos 1970.

A ascensão do neoliberalismo é acompanhada por uma nova ideologia e filosofia ultra-liberal, o “Pós-Modernismo”, inaugurado pelo “Maio de 1968”. Queda da União Soviética, expansão do consumismo desenfreado, individualismo radical, e progressismo nos costumes. A hiper-fragmentação das lutas sociais separadas por grupos e corporações cada vez mais recortadas por identidade. O identitarismo, antes monopolizado pela extrema-direita racista, agora ganha espaço na esquerda que aposta na guerra incessante de todos contra todos com base nas experiências individuais.

Após a crise econômica (de novo) de 2008, o neoliberalismo e o Pós-Modernismo também entram em crise de hegemonia. Ascensão de novos e massivos conflitos raciais, sexuais e culturais nas ruas e na política institucional, assim como houve nos anos 1960, a luta pelos direitos civis dos negros do sul dos EUA e das feministas que foram muito vitoriosas na França, para ficar só em dois exemplos paradigmáticos da época do “Maio de 1968”.

Porém, não estamos no “neo-Anos 60”. Voltamos aos anos 20, mas dessa vez, 2020. Neofascistas ressurgindo. Autoritarismos de direita e de esquerda recrudescendo para defender seus Estados nacionais em todos os lugares. Rússia, China, Índia, Hungria, Inglaterra, EUA, etc. As tentativas, sem sucesso por enquanto, do surgimento de novos populismos de esquerda como Syriza da Grécia, Podemos da Espanha, Jeremy Corbyn da Inglaterra, etc.

E isso se expressa ideológica e filosoficamente mais uma vez. Contra o Pós-Modernismo e em defesa do tradicionalismo afetivo do “homem comum”, surgem fenômenos como o “The Movement” de Steve Bannon mundialmente, ou o bolsonarismo cultural do tipo “Brasileirinhos”, sofisticado canal de discussões estéticas e políticas no YouTube, para apontar uma expressão paradigmática desse ressurgimento ideológico de extrema-direita no Brasil. Sloterdijk aponta que a chegada da Revolta Irracionalista contra o cinismo liberal do Pós-Modernismo é muito mais profunda do que parece, e segundo ele, é um novo momento filosófico da envergadura tanto de Nietzsche como de Marx na história da humanidade. É preciso aguardar para ver se a esquerda também vai conseguir se reinventar contra o Pós-Modernismo neoliberal. Há pensadoras como Nancy Fraser refletindo sobre isso e, por exemplo, chamando o feminismo liberal de “empregada doméstica” do neoliberalismo. Chantal Mouffe, na esteira de Ernesto Laclau, também busca uma alternativa teórica de atuação política no populismo de esquerda. A ver.

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