Prevent Senior, o Holocausto e o ‘Experimento Milgram’

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O Brasil acompanhou as estarrecedoras denúncias que pairam sobre a empresa Prevent Senior, na pandemia da Covid-19. Os 12 médicos corajosos responsáveis pela denúncia trabalham ou trabalharam para a operadora de saúde e a acusam de negar a autonomia médica, obrigar a prescrição do “kit-covid” com “receita pronta”, retaliar os médicos que se posicionavam de maneira contrária com “demissões” e “diminuição dos plantões”, falsificar atestados de óbitos para ocultar mortes de pacientes por Covid-19, usar pacientes – em sua maioria, idosos – como cobaias de “tratamento precoce”, pois os mesmos não tinham conhecimento dos riscos, e pressionar para a alta precoce de pacientes, com o intuito de diminuir custos e liberar leitos de UTI nos hospitais da empresa.

Diante de tamanha barbárie e desumanidade, resta o questionamento: O que leva médicos a adotarem condutas antiéticas e anticientíficas na pandemia, como prescrever medicamentos de ineficácia comprovada contra a Covid-19, envolvendo o chamado “kit Covid” e “Tratamento Precoce” que, nesses termos, prejudicam a saúde, e podem ocasionar, inclusive, a morte dos pacientes por consequências mesmo do seu uso? Por que médicos obedeceram cegamente a um comando que contraria todas as evidências científicas que devem pautar a prática médica? É claro que muitos estavam sob o constrangimento de perder seus empregos e sob pressão psicológica, mas como explicar o comportamento daqueles que tranquilamente abriram mão de sua autonomia médica?

Talvez, consigamos buscar respostas nos estudos de psicologia social. O experimento do psicólogo americano Stanley Milgram, realizado em 1961, na Universidade de Yale, três meses após o julgamento do carrasco nazista Adolf Eichmann, em Jerusalém, cujos resultados foram posteriormente publicados no seu livro Obediência À Autoridade, em 1974, consistiu em sortear duas pessoas a cada vez, aparentemente voluntárias, para uma pesquisa “científica”, no papel de “cobaia” e “professor”.

Na verdade, o sorteio era falso e apenas os indicados como “professores” eram voluntários e quem desempenhava o papel de “cobaia” e “pesquisador” eram atores contratados. Duas salas da Universidade foram usadas – uma para a cobaia amarrada a uma cadeira com eletrodos e outra para o professor e pesquisador com um gerador de choque elétrico. O teste consistia na repetição pelo professor de palavras que a cobaia deveria memorizar. Para as respostas erradas, o professor deveria aplicar choques elétricos em voltagem crescente que variava de 15 volts a 450, acionando botões à sua frente e aumentando o nível de choque a cada erro. Os choques eram fictícios, mas os voluntários imaginavam que fossem reais e a justificativa para a sua aplicação era a de que cientistas estavam estudando a punição como método de aprendizado. À medida que os choques ficavam mais fortes, a cobaia que errava as respostas propositalmente, começava a gritar e a exigir o fim do experimento, e quando o professor se recusava a aplicar um choque, o pesquisador lhe repetia uma série de frases de estímulo.

Estímulo 1: Por favor, continue. Estímulo 2: O experimento requer que você continue. Estímulo 3: É absolutamente essencial que você continue. Estímulo 4: Você não tem outra escolha a não ser continuar.

O resultado da experiência não foi nem um pouco tranquilizador: 65% dos voluntários foram até o mais alto nível de 450 volts, enquanto todos os outros continuaram até 300 volts. O objetivo de Milgram foi verificar a obediência e o efeito da autoridade na capacidade do ser humano de praticar atos monstruosos contra outros seres humanos, sem nenhuma motivação maligna. O experimento foi concebido numa tentativa de responder à questão premente do final da Segunda Guerra Mundial: Como pessoas aparentemente saudáveis e comuns produziram o Holocausto? A “Banalidade do Mal”, de Hannah Arendt, ganhava, dessa forma, evidência empírica.

Segundo o depoimento da advogada Bruna Morato, na CPI, que representa os médicos que denunciaram a rede, a Prevent Senior teria fechado uma “aliança” com um conjunto de médicos que orientavam o governo federal “totalmente alinhados com o Ministério da Economia” pois, denuncia a advogada “Existia um interesse do Ministério da Economia para que o país não parasse. Existia um plano para que as pessoas pudessem sair às ruas sem medo. Em reunião promovida pela Prevent Senior com médicos [foi anunciada] uma colaboração da instituição para produção de informações que convergissem com essa teoria: de que é possível utilizar determinado tratamento como proteção”.

A trama maquiavélica revelada pela advogada expõe que por trás do “kit covid” e do “tratamento precoce” havia uma racionalidade instrumental que visava convencer à população, através de uma ideologia travestida de “teoria” pseudocientífica, para produzir uma falsa sensação de segurança. É bem verdade, que os médicos eram as ferramentas para fazer esse “plano” funcionar e a partir da “Experiência de Milgram” fica fácil entender como esse “plano” de racionalização facilitou comportamentos desumanos em suas consequências. No experimento, o que importava para os voluntários ficarem em paz com suas consciências era supor que alguém “de cima” já tinha avaliado o que era ou não era eticamente aceitável. Em um sistema burocrático de autoridade como é a estrutura da Prevent Senior, os superiores são a máxima autoridade moral, traduzida na palavra de ordem da empresa “obediência e lealdade”, na figura dos “guardiões” e no hino que deveria ser cantado pelos médicos com a mão no peito, neutralizando resistências éticas estranhas à essa razão instrumental.

Os 12 médicos que resistiram a tamanha pressão ideológica “de cima” para aplicar um protocolo medicamentoso e de tratamento comprovadamente ineficaz, colocando em risco à saúde dos pacientes, descortinaram um monstruoso estado de coisas. É importante deixar claro que a alusão desse texto ao “Experimento Milgram” não é fazer uma redução ad hitlerum, mas apenas demonstrar que máquinas da morte necessitam de eficientes burocratas, cumpridores de ordens e com elevado senso de dever.