Alberto Pasqualini e as ‘ditaduras técnicas’

Alberto Pasqualini e as ditaduras tecnicas
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Por João Pianezzola – Ninguém duvida que Pasqualini foi um ardente democrata. Entretanto, neste artigo, o autor desmistifica o conceito bicho-papão de “ditadura”, fazendo uma análise realista a partir de uma sóbria distinção:

«Cumpre distinguir as ditaduras “regressivas”, de caráter puramente personalista, míticas, caudilhescas ou místicas, e as ditaduras que poderíamos denominar “técnicas”, como se instituíam na antiga Roma nos momentos de perigo nacional e como se podem instituir ainda hoje quando circunstâncias excepcionais reclamem a concentração da autoridade. Surgem em condições históricas determinadas e com objetivos definidos, caracterizando-se pela sua transitoriedade e pela observância de certos princípios jurídicos fundamentais. Não visam à abolição do regime democrático; são antes meros parênteses, senão episódios da própria vida democrática. A segurança nacional, a necessidade de reorganizar o país, de sanear as instituições, de higienizar a administração, de restabelecer a harmonia e o sintonismo entre o povo e os órgãos governamentais, de obter a unidade e celeridade de ação, são, entre outras, as causas que podem determinar, em certo momento, a suspensão de certas liberdades e franquias, a concentração da autoridade, simplificando o mecanismo governamental e imprimindo maior agilidade e rapidez às suas funções. O Brasil, em 1930, e atualmente [isto é, em 1943], na vigência do estado de emergência e na ausência temporária dos órgãos parlamentares, bem como as democracias envolvidas no conflito mundial [isto é, a 2ª Guerra], estão, em maior ou menor graus sob o regime de concentração de autoridade, ou tecnicamente ditatorial. Nas ditaduras técnicas, o ditador não é um ente semi-divino, um iluminado, ou um caudilho que se apoderou do Estado por uma circunstância fortuita. É apenas um cidadão, um magistrado, um estadista, em quem a nação confia e reconhece, em determinado momento, as possibilidades e os atributos morais e intelectuais de coordenar as diferentes funções governamentais, imprimindo-lhes, sem delongas e sem dispersão de energias, um sentido único. As suas determinações não são revelações ou inspirações divinas, nem criações ex-nihilo, nem produto do capricho e do arbítrio, mas soluções estudadas por grande número de técnicos e de auxiliares. Por essa razão, não podem e não devem ter sentido personalista ou político. A ditadura técnica não trabalha para o ditador, para um partido, para uma classe ou para um grupo, mas para a nação. As suas tarefas são essencialmente construtivas e não policiais. (…) Por mais paradoxal que a muitos pareça, foi o golpe de Estado de 1937 que preservou entre nós a democracia. A concentração do poder então operada que ainda hoje subsiste foi a vacina antógena polivalente contra o surto epidêmico das formas regressivas do poder. Somente mais tarde é que poderemos compreender melhor toda a extensão e a significação desta verdade. A tendência natural de cada um é apreciar os fatos através de detalhes e de pequenos interesses. A crítica histórica, porém, deve examiná-los em conjunto, desprezando as frações.»

E conclui:

«A ditadura técnica, por sua natureza, não apresenta o problema da sucessão do ditador, porque é transitória, evolui para a democracia cuja estrutura irá preparando, completando e aperfeiçoando à medida que for chegando ao termo de sua missão» [PASQUALINI. Alberto. Ditaduras. Correio do Povo, Porto Alegre. 11 jul. 1943. p.4].

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Ninguém entendeu meu post anterior sobre as “ditaduras técnicas” no pensamento de Pasqualini. Sim, meu intuito foi legitimar a “ditadura republicana” a partir de uma voz autorizada e insuspeita, porque Pasqualini era democrata.

Entretanto, acharam que eu estava ou fazendo uma apologia ao regime civil-empresarial-militar ou à atual juristocracia. Absolutamente não. O 1° caso, apesar de ter produzido SIM impulsos soberanistas e nacionalistas importantes, isso não passou de um feliz acidente histórico.

A novela de 1964 constituiu um golpe contra o trabalhismo e contra um presidente nacional-popular promovido por inteligência estrangeira e setores do empresariado ligados à multinacionais. Logo, constituiu uma vitória das oligarquias contra o povo e contra o Executivo.

Pouco importa que tenha produzido materialmente uma nova configuração do Executivo. Isso é confundir as vestes por quem as usa.

No 2° caso, a juristocracia atual também constitui o predomínio de uma oligarquia, mais amplamente e visivelmente ligada a interesses estrangeiros (os do Atlântico Norte, de Bretton Woods, do Consenso de Washington), que não toma a forma de um ditador republicano eleito pelo povo e com amplos poderes para fazer valer a política, mas é a própria negação da Política, exercida por um abortivo de Poder Moderador arbitrário, auto-proclamado e nascido de uma petição de princípio.

A “ditadura técnica” de Pasqualini, que era um trabalhista consciente, só pode ser melhor compreendido à luz da tradição trabalhista construída por Vargas e seus antecessores, os positivistas. Para estes e para Pasqualini, a “ditadura” republicana é o governo de um homem eleito por sufrágio direto, que possui poder de legislação ordinária (prescindindo assim de um parlamento legislativo), que pode, frequentemente, utilizar mecanismos de democracia direta ou ouvidoria municipal. É um diálogo direto entre Executivo e povo, de forma orgânica, passando por cima da influência nefasta das oligarquias liberais que costumam apoderar-se das maiores parlamentares. É um governo “técnico”, voltado para a ação rápida, à revelia dos “debates” parlamentares, que, no mais das vezes, atrasam a resolução dos problemas públicos. Quem duvida disso, consulte a realidade do nosso “presidencialismo de coalizão” e o papel do “Centrão”.

Esse tipo de governo é próprio para tempos de crise da normalidade democrática e, segundo Pasqualini, são episódios da vida democrática que preparam a sociedade para sua eventual instalação ou reinstalação.

Ou seja, Pasqualini admite algo que, hoje, é uma heresia: que a normalidade democrática pode entrar em crises que demandam um remédio que diferem da democracia, se não em substância, pelo menos em forma; que prescinde dos mecanismos parlamentares e representativos consagrados hoje em dia.

É um governo cujo único diálogo possível é entre o Chefe do Estado e a sociedade abaixo dele — algo inimaginável para nossa elite governante acostumada com os “consensos” internacionais, com os tratados, com as opiniões das organizações particulares que pressionam o Estado de forma lateral.

Enfim, essa é a substância da “ditadura técnica” e/ou da “ditadura republicana”. Não confundam.

Por João Pianezzola

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