A ousadia de Glauber Rocha contra o conformismo de nosso cinema

A ousadia de Glauber Rocha contra o conformismo de nosso cinema
Botão Siga o Disparada no Google News

Por André Luiz Dos Reis – Membro de comunidade presbiteriana em Vitória da Conquista, Bahia, mas leitor de Marx que mergulhou fundo no imaginário religioso do povo, Glauber Rocha, que faria hoje (14/03/2022) 83 anos, ousou pensar uma nova estética cinematográfica calcada na realidade brasileira e latino-americana.

Há que tocar, pela comunhão, o ponto vital da pobreza que é seu misticismo. Este misticismo é a única linguagem que transcende ao esquema racional de opressão.

Glauber Rocha

Um cinema com linguagem própria, que deveria se livrar dos ditames do olhar do imperialista, do estrangeiro. Para tanto, Glauber ergueu sua obra em dois pilares de nossa formação sociocultural: A fome, que indicava ao mesmo tempo a necessidade de quebrar todo o paradigma de opressão que acorrentava o povo, e o desejo de SER, inscrito nas fímbrias da América Latina; e o sonho, cuja catarse inaugurava outro mundo ao expor o absurdo da racionalidade que governa a realidade empírica.

E assim deglutiu alguns dos mais importantes movimentos cinematográficos de seu tempo, como o faroeste italiano [spaghetti western], o neo-realismo italiano, o cinema francês de vanguarda. E os superou, ao resolvê-los em uma atmosfera popular, única, com traços de mito festivo, encenação onírica, ainda que crua, dura e perigosa.

A violência tem peso inescapável na obra do baiano. É força com que o colonizado declarava seu direito à existência para o colonizador. Mas há em Glauber a recuperação de um vislumbre medieval sobre a natureza da História. E daí a trilha pra o terreno do onírico, do êxtase, do transe e da incorporação, que refaz as ligações com a escatologia de um cristianismo de imagens medievais e temperado por motivos africanos, marcado pela ideia de uma ressurreição que transfigura a própria historicidade num confronto de sabor apocalíptico.

Glauber foi um mago que ousou, e em sua ousadia permanece profundamente atual. E nos lembra que podemos e temos de ser mais, principalmente nestes tempos de conformismo do nosso cinema aos grilhões de um mercado internacional medíocre e sem sabor.

Por André Luiz Dos Reis. Texto publicado originalmente pela Frente Sol da Pátria.