O Desembargador e a Guarda Civil

LUIZ MOREIRA O Desembargador e a Guarda Civil juiz judiciário abuso de autoridade covid pandemia coronavírus máscara desobediéncia multa
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A cena que envolve a Guarda Civil de Santos e o Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo foi muitíssimo explorada, denotando a um só tempo tendência a julgamentos sumários quanto punitivismo latente em nossa sociedade, inclusive entre os profissionais do direito.

Não há dúvidas de que houve abuso do desembargador, mas em grau bem limitado e muito restrito, especificamente quando chama o guarda civil de “analfabeto” e quando rasga e atira ao chão a multa recebida.

A infração decorrente de não estar de máscara é administrativa e se exaure com seu pagamento, não havendo, portanto, maiores consequências jurídicas, inclusive quanto ao seu vínculo funcional.

Bem, e a repercussão? É aqui que mora o problema.

A abordagem foi filmada por dispositivo da viatura da guarda civil, isto é, o vídeo é da prefeitura da cidade de Santos e é instrumento de proteção aos cidadãos, mecanismo utilizado para dar transparência às abordagens e às rotinas da guarda civil e deveria estar circunscrita ao caso, instruindo cobrança de multa, pela prefeitura de Santos, e, eventualmente, às partes envolvidas em processo privado de reparação civil de dano.

Merece severa crítica a divulgação do vídeo pela guarda civil, o que nos leva a questionar o propósito dessa divulgação, que seria o de criar polêmica, opondo a “pobre” guarda civil ao “opulento” poder judiciário paulista, além de estimular sentimento de vindita com órgão de Estado imprescindível à defesa dos direitos fundamentais.

Reparem no seguinte: a estratégia bolsonarista de confrontar o judiciário, de fechar o STF e de atacar as instituições republicanas encontra terreno fértil também entre os progressistas e os profissionais do direito, que surfam na onda persecutória ao se deixarem manipular pela fácil adesão ao discurso de ataque ao judiciário, ora no papel de elite que “explora” e “ofende” a maioria da população.

O episódio é deplorável muito mais por revelar a fragilidade de nossa opinião pública e pela suscetibilidade de nossos intelectuais à manipulações várias, tanto pela mídia quanto pelas corporações persecutórias, do que pela pobreza e pela puerilidade do conflito, que, aliás, é corriqueiro. Ou alguém acha que a atividade de ronda ocorre sem atritos?

Além disso, erraram tanto o CNJ quanto a Corregedoria do TJ SP, que se apressaram em perfilar com o arbitrário vazamento do vídeo da abordagem, ao que parece, para não parecerem corporativos. O que são esses órgãos? Disputam a opinião pública ou guiam suas condutas pela discrição própria aos órgãos técnicos?

Também corriqueira é a repetição, pelos progressistas, de bordões que tentam transformar réus em bodes expiatórios, ao entoarem receituários antijurídicos como os que pleiteam “julgamentos exemplares”.

Numa sociedade de 210 milhões de habitantes é preciso desenvolver muito mais do que oportunismo.