O MTST acertou: a Faria Lima é o inimigo central

O MTST acertou a Faria Lima é o inimigo central
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Na tarde desta quinta-feira (23/09) o MTST, movimento de moradia ligado a Guilherme Boulos, ocupou a B3, a Bolsa de Valores de São Paulo e a principal instituição deste tipo no Brasil. Em nota divulgada pelo twitter, a organização denunciou que o Brasil se tornou um país em que os “parasitas do mercado financeiro que vivem do rentismo” enquanto os “trabalhadores sobrevivem com um auxílio emergencial de 5,00 reais por dia”.

Todos os leitores que acompanham esta coluna sabem da minha posição pessoal bastante crítica a Boulos e o MTST, que deixei bem clara. Boulos e o PSOL encarnam o pior que há do tosco esquerdismo (no sentido negativo, leninista) da Hong Kong brasileira e objetivamente expressam uma continuidade com o petismo dos anos 1990, o mais abjeto PT de todos..

Contudo, minha divergência política não impede que eu reconheça que nessa na ação de ocupação o MTST e suas lideranças acertaram em cheio.

A Faria Lima – e a B3 é uma espécie de salas de reuniões dessa fração das elites brasileiras – é acima de tudo um símbolo concreto da dominação das finanças e das transnacionais imperialistas sobre o Brasil. Sua hegemonia, embora cada dia mais abalada, é a síntese do imperialismo que busca desde 1964 submeter nosso país e destruir o legado popular e nacionalista do trabalhismo e a Revolução de 1930.

Como qualquer classe, inclusive a trabalhadora, a burguesia não é homogênea e unificada. É cindida em frações, de acordo com setores, regiões do Brasil, tamanho das empresas, grau de tecnologia e etc. A hegemonia do setor financista emergiu nos anos 1980, quando o renascimento do imperialismo estadunidense conseguiu impor o império do dólar em todo o planeta no famoso choque de juros de Volcker durante o governo supostamente progressista de Carter.

A maldição de Golbery foi imaginar que o Brasil poderia se desenvolver no guarda-chuva dos Estados Unidos. Quando tiveram que romper no final dos anos 1970 e início dos anos 80, a mudança na conjuntura mundial e na atuação do império estadunidense esmagou seus planos. Toda a falha do plano de Golbery apareceu então com força completa e os militares foram escorraçados do poder pelos prédios envidraçados das transnacionais e do cassino financista que eles mesmos haviam ajudado a criar.

Com idas e vindas, esses prédios envidraçados e agiotas institucionalizados – a Faria Lima – mantém sua hegemonia desde que jogaram os militares fora como camisinha usada. As poucas exceções episódicas nos governos de Sarney e Itamar foram somente soluços em sua marcha triunfal.

Os governos de FHC, Lula e Dilma foram seu auge. Com o esquema do rentismo institucionalizado no mecanismo da dívida pública e as privatizações, o Estado brasileiro foi reduzido a pouco mais que um extrator de mais-valor para engordar as planilhas de excel da Faria Lima. As massas de desempregados, a destruição do tecido social brasileiro, o atraso tecnológico do país, o fim de nossa soberania – tudo isso são esqueletos nos armários dos prédios envidraçados.

Com a crise no centro capitalista depois de 2008, as frações dominantes da burguesia se tornaram ainda mais irracionais. Patrocinaram um golpe de Estado em 2016 contra um governo que era a melhor via para a consecução de seus tenebrosos objetivos.

Não à toa o jantar que ficou famoso recentemente reuniu toda a camarilha de parasitas que destroem nosso país para fazer troça da própria criatura: Jair Bolsonaro. Poucas coisas são mais representativas que um jantar no qual participaram os principais proprietários do oligopólio midiático, junto de Michel Temer e principalmente Naji Nahas. Como no final de “Discreto Charme da Burguesia” de Luís Bruñel, o pesadelo de cada burguês é a vida do outro burguês. Vendo-se no espelho do bolsonarismo, a burguesia financista ria de si mesma numa imitação que era mais uma metonímia.

A História é melhor roteirista que qualquer escritor. Naji Nahas é mais do que “só um personagem” no grotesco jantar. Ele é a encarnação de toda Faria Lima, famoso por seus esquemas ilícitos que o elevaram à condição de um herói totêmico de toda uma categoria de rentistas disfuncionais.

Desde o manifesto dos banqueiros, a Faria Lima quer se distanciar do seu governo. Tudo que ela quer é que toquem sua agenda de reformas retrógradas. Enquanto o capitão lhes foi útil, não hesitaram em patrociná-lo politicamente. Agora que fica cada vez mais evidente seu erro estratégico – afinal Marcos Lisboa era muito melhor do que Paulo Guedes para submeter a economia nacional -, procuram dissociar as reformas das performances de Bolsonaro.

No limite, Bolsonaro não passa de uma distração. O verdadeiro inimigo do Brasil sempre foi a Faria Lima. Seu objetivo continua sendo extremamente autoritário: destruir a soberania popular do voto e substituí-la por órgãos “técnicos” aparelhados pela própria Faria Lima, como no caso da autonomia do Banco Central, cujo intuito é excluir a política monetária da democracia atendendo somente aos desígnios dos prédios envidraçados.

A luta em torno do auxílio emergencial deixa isso transparente. Bolsonaro pode ser qualquer coisa, menos burro. Tem muita experiência política: foi por muito mais tempo parlamentar do que capitão. Sabia da popularidade que angariaria com o auxílio emergencial. Quem vetou foi a Faria Lima, que queria acima de tudo assegurar o Teto de Gastos, principal algema para prender o Brasil no perpétuo ciclo de destruição nacional.

Espremido entre as categorias populares que lhe apoiavam e seu dever de obediência frente a Faria Lima, Bolsonaro tomou a única saída possível: posou de “homem comum” contra as medidas sanitárias dos governos estaduais e municipais.

O veto ao auxílio emergencial e outras medidas como auxílio a pequenos empresários não matou brasileiros somente pelas pressões que fez na figura grotesca do presidente-palhaço. Também ajudou a esvaziar o isolamento social, única medida para evitar mais mortes durante as piores fases da pandemia. A destruição do Estado nacional, acumulado ao longo de mais de 30 anos de hegemonia financista, também colaborou para a catástrofe que vivemos.

O MTST agiu corretamente: o inimigo central é a Faria Lima. Sua ocupação da sede da B3 joga luz sobre o verdadeiro culpado das mazelas que se abateram sobre o Brasil nos últimos 30 anos.

Como um parasita, é com o sangue dos brasileiros mortos pela COVID, pela fome, pela violência urbana e pela pobreza que os prédios envidraçados da Faria Lima enchem seus planilhas de excel.

A Faria Lima é a inimiga central.

O MTST acertou a Faria Lima e o inimigo central