Uma Moeda para o Povo

Por André Roncaglia - Em 1850, os deputados brasileiros protegeram a riqueza fundiária das elites por meio das terras devolutas do Estado. Alegavam que ninguém trabalharia para eles se terras fossem distribuídas à população e aos imigrantes. Era preciso proteger sua riqueza. 170 anos mais tarde.
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Por André Roncaglia – Em 1850, os deputados brasileiros protegeram a riqueza fundiária das elites por meio das terras devolutas do Estado. Alegavam que ninguém trabalharia para eles se terras fossem distribuídas à população e aos imigrantes. Era preciso proteger sua riqueza.

170 anos mais tarde, a riqueza da elite é financeira e imobiliária. Sua proteção requer uma disciplina fiscal particular, que iniba o acesso do povo à riqueza coletiva: saúde, educação e infraestrutura públicas e, principalmente, a moeda estatal. O que ocorreria se esta riqueza for compartilhada?

O principal efeito de uma democratização do orçamento público seria encarecer o preço do trabalho e diluir a riqueza da elite:
1) esta teria de pagar os tributos proporcionais à sua prosperidade relativa.
2) os filhos de diaristas e pedreiros teriam outras metas profissionais.

Estes são os reais medos envolvidos na defesa da austeridade em meio à calamidade. A narrativa de um descontrole inflacionário se apoia na intransigência de uma elite que não quer incluir o povo sob o teto estatal que a protege. E mais… não quer correr o risco que sustenta a narrativa da meritocracia que ela vende como sonho de ascensão social à base da sociedade. Não, nossa elite quer taxa de juros alta pra remunerar sua riqueza sem esforço, enquanto mantém o trabalhador disputando as escassas e precárias vagas numa economia atrasada e estreita.

Este é apenas um dos sentidos em que o “terrorismo fiscal” é eficaz: justifica a eventual elevação da taxa de juros sob o temor de um precipício inflacionário. Não precisa ser assim. Um ajuste fiscal pode ser inclusivo se reduzir os feudos orçamentários da elite e abrir espaço para o povo no orçamento público. Erramos em 1850 ao não fazer reforma agrária, como fariam os EUA, a Finlândia e outras potências. Nossa elite tem muito medo de liberar o potencial produtivo do nosso povo. Por isso, rejeita a marcha arriscada ao futuro para manter o país preso numa armadilha social que garante a tranquilidade do seu meio de vida enquanto difunde a paz dos cemitérios nos andares de baixo da sociedade. É traço típico de elites extrativistas na periferia do sistema.

A tecnologia já está eliminando os cercamentos da riqueza, destruindo mercados que ofereciam conforto aos empresários. As elites periféricas serão as próximas vítimas deste processo de mudança tecnológica mundial (as elites americanas já estão sentindo na pele).

A reforma do sistema fiscal-monetário atual em favor do povo é a reforma agrária do século XXI. É a única maneira de nos protegermos dos riscos sistêmicos adiante. Perderemos novamente esta chance? É hora de um ajuste fiscal que promova a democracia e a prosperidade social.

Por: André Roncaglia.