Os meios para superar o subdesenvolvimento já são conhecidos

Botão Siga o Disparada no Google News

Por Bruno Machado – Uma questão curiosa e aparentemente simples, que traz consigo uma miríade de outras questões, é o motivo de se ter uma vida financeira mais confortável como garçom nos EUA do que com um curso superior no Brasil, para grande parte daqueles que saem da faculdade.

O motivo, é claro, é que em muitos casos um salário de garçom, pedreiro, faxineiro ou babá em países ricos supera os salários exclusivos de determinadas profissões que requerem curso superior no Brasil ou em outros países pobres quaisquer. Mas o que pouca gente se questiona é o motivo desses salários serem maiores nos países ricos. Se um garçom faz exatamente a mesma coisa no Brasil e nos EUA e mesmo em períodos em que a taxa de desemprego do Brasil esteve tão baixa quanto a dos EUA a diferença salarial permaneceu tão grande, como pode haver salários tão diferentes?

Pode-se acreditar que o motivo é a moeda local ser mais forte ou valorizada mundialmente. Isso certamente é um fator importante, mas é uma consequência, não uma causa do motivo da diferença salarial entre os dois países. O motivo, na verdade, é que a produtividade do trabalho nos EUA é maior do que no Brasil. Mas por quê?

Poderíamos apontar diversos fatores como infraestrutura, nível educacional ou bom ambiente regulatório para os negócios. Será então que se tivéssemos as rodovias, ferrovias e fontes de energia elétrica americanas os garçons brasileiros seriam tão bem pagos quanto nos EUA? Ou se importássemos os alunos de lá por anos a fio, talvez? Ou simplesmente se copiássemos as regras de direito privado, tributário e empresarial daquele país? Claro que não.

Os garçons americanos ganham mais do que os brasileiros, em relação ao poder de compra dos salários em cada país, porque no setor produtivo (fora do setor de comércio e serviços ondem trabalham os garçons) a produtividade é maior por conta de um maior avanço tecnológico. Em outras palavras, ao longo dos anos as empresas americanas aprenderam a produzir coisas mais difíceis, que agregam mais valor à vida humana e têm maiores preços por isso, além de menos empresas no mundo saberem produzir esses bens complexos com mesma qualidade. Dessa maneira essas empresas foram aumentando seus lucros e conquistando mercados consumidores em países pelo mundo. Com maior produtividade, os trabalhadores dessas empresas do setor produtivo conseguem negociar maiores salários. Mas então, o que isso tem a ver com os garçons que servem mesas em Nova York?

Todas as empresas, do setor produtivo, comércio ou serviços, competem entre si por trabalhadores, levando a uma certa aproximação entre os salários de um setor em relação ao outro. Se a indústria paga bem, o comércio terá que elevar os salários ou ficará sem trabalhadores. Em resumo, o aumento da produtividade decorrente do avanço tecnológico leva a um aumento da produtividade do trabalho no setor produtivo que, por fim, eleva os salários também nos outros setores, como comércio e serviços.

Sabendo disso, fica claro que a solução para o desenvolvimento do Brasil e o consequente aumento dos salários e da renda nacional vem de um aumento de produtividade no setor produtivo, não no comércio e serviços. Nenhum país fica rico abrindo milhões de hamburguerias ou barbearias por toda parte. Comércio e serviços apenas captam a renda gerada pela riqueza produzida no setor produtivo, que não à toa tem esse nome. E se um país ocupa seus trabalhadores do setor produtivo somente em pecuária, agricultura e mineração — dentro de empresas que mesmo que fossem monopólios globais e atendessem sozinhas à demanda mundial por tais produtos mais simples não elevariam o PIB per capita brasileiro ao PIB americano — em vez de ensiná-los a produzir bens mais difíceis e com maior valor agregado como equipamentos médicos, mecânicos ou eletroeletrônicos, esse aumento de produtividade do trabalho necessário para se alcançar a riqueza se torna impossível dentro do comércio global, tornando impossível o crescimento da massa salarial nacional em termos reais.

Além disso, a diferença salarial entre garçons nos EUA e no Brasil, que leva brasileiros com ensino superior a abandonem o país para servir pratos ou dirigir carros nos EUA, nos mostra que qualquer riqueza gerada na sociedade vem do trabalho humano, seja ele físico ou intelectual. Para que parte dos trabalhadores americanos deixem de consumir seu tempo de trabalho na produção de sapatos para produzirem smartphones ou drones, outros trabalhadores tiveram que estudar e trabalhar para criar tais equipamentos, ao longo de anos, até que se construísse o capital — capital que na prática é trabalho passado acumulado (prédios, estradas, know how tecnológico, patentes) junto com aquilo existente na natureza por si só (como o petróleo ou o ouro) — para que uma parte maior da massa de assalariados pudesse ter empregos mais produtivos e, finalmente, possibilitar um salário e poder de compra maiores aos garçons americanos ou brasileiros que mudaram para lá.

Apesar de ficar claro que a riqueza é explicada pela produtividade do trabalho físico e intelectual, independente do sistema de produção adotado, é importante lembrar que grande parte da concentração de riqueza nos países ricos vem do superlucro de suas empresas, possibilitado pela globalização e superexploração do trabalho em países pobres. Além da existência de fronteiras que possibilitam a diferença salarial entre mercados de trabalho de países ricos e pobres.

O protagonismo histórico do Estado na superação do subdesenvolvimento

A ideologia liberal da direita política ignora que o desenvolvimento no capitalismo global se caracterizaria por uma competição generalizada entre países pelo mercado global (assim como empresas locais competem por um mercado regional), buscando maiores taxas de crescimento, o que provocou conflitos militares e econômicos na história, além da formação de blocos econômicos como o europeu. Depois que a lei das vantagens comparativas (que diz que cada país deve se especializar em produzir o que for mais fácil, independente de ser commodities, produtos industrializados ou serviços com complexidade tecnológica) perdeu poder persuasivo, tem sido a proposta de crescimento com poupança externa, que aprecia as taxas de câmbio dos países que a aceitam e os desorganiza financeiramente que tem sido adotada pelos liberais. O liberalismo atualmente defende que o crescimento econômico se dá na competição entre os próprios países em desenvolvimento para ganhar a confiança e a poupança dos países ricos, o que vai contra a história do crescimento econômico no planeta.

Alguns países são desenvolvidos e são exportadores de commodities como a Austrália e o Chile. Entretanto, esses países são raros e têm uma proporção de riquezas em relação à população local muitas vezes maior do que a do Brasil. Para aumentarmos nossas exportações sem que se aumente o valor agregado dos produtos que produzimos, o único caminho obviamente seria aumentar nossa participação no mercado global, já que a demanda anual por commodities no mundo não varia muito exceto em curtos períodos como do desenvolvimento da China que propiciou o boom das commodities no governo Lula e Dilma. Para chegarmos a um patamar de PIB per capita próximo aos de países desenvolvidos precisaríamos pelo menos dobrar o tamanho de nossa economia no mundo, o que seria passar de aproximadamente 1,25% para 2,5% do comércio global. A participação da Austrália no mercado global é de 1,3%, próxima a do Brasil, uma participação de 2,5% é próxima a de países como o Canadá, a França e o Reino Unido, todos exportadores de produtos industrializados. Não existe no mundo um país nesse patamar de participação no comércio global como exportador de commodities.

O PIB per capita da Coréia do Sul, que era apenas de US$ 100 em 1963, chegou a quase US$ 9.800 em 2002. Nas décadas de 1960 e 1980, a Coreia do Sul seguiu uma política econômica protecionista. O sucesso econômico do país se deve a um sistema de laços íntimos desenvolvidos entre o governo e a iniciativa privada, que inclui crédito facilitado, restrição a importações, subsídios a determinados setores e incentivo ao trabalho. As reformas começaram na década de 1960, com Park Chunghee, que praticou reformas econômicas com ênfase na exportação e desenvolvimento de indústrias leves. O governo também promoveu uma reforma financeira, ajustando as instituições, e introduziu planos econômicos flexíveis. Nos anos da década de 1970 a Coreia do Sul começou a destinar recursos para a indústria pesada e indústria química, bem como as indústrias eletrônica e de automóveis. A indústria continuou seu rápido desenvolvimento na década de 1980 e começo da década seguinte.

A China também se envolveu em uma estratégia de industrialização direcionada e só entrou para a Organização Mundial do Comércio (OMC) quando suas indústrias estavam preparadas para competir, e não como parte de uma estratégia de industrialização apoiada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). A estratégia chinesa, que envolveu uma forte política industrial fazendo uso de engenharia reversa (para absorver tecnologias com patentes vencidas ou até mesmo copiar produtos que estão no mercado), compras governamentais (para ganhar escala nas novas indústrias), além de joint-ventures (para transferir tecnologias atuais e em segredo comercial para dentro do mercado nacional), por exemplo, expôs a fraqueza do Consenso de Washington sobre desenvolvimento, que negou ao Estado o papel ativo que ele desempenhou no desenvolvimento dos principais países industrializados, como Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido.

O governo dos EUA há anos escolheu a nanotecnologia como o setor a ser apoiado com mais força (“escolhendo-o” como um setor vencedor), mas também lançou a NNI (National Nanotechnology Initiative) e tornou-se o maior investidor, indo além do que já fizera pela biotecnologia e pelas ciências naturais. Os computadores pessoais (PCs), celulares, internet e a maioria dos aparelhos eletrônicos encontrados no mercado atualmente usam esses dispositivos minúsculos. O caminho trilhado pelos circuitos integrados até chegar a dispositivos como o iPhone ou iPad teve a ajuda de contratos públicos da Força Aérea americana e da NASA. A genialidade e o “espírito louco” de Steve Jobs só produziram sucesso e lucros maciços porque a Apple conseguiu surfar na onda de investimentos enormes feitos pelo Estado em tecnologias “revolucionárias” que deram sustentação ao iPhone e ao iPad: a internet, o GPS, telas sensíveis ao toque [touch-screen] e tecnologias de comunicação. Além disso, entre 1971 e 2006, 88% das inovações mais importantes (avaliadas pela premiação anual da revista R&D Magazine) dependeram inteiramente do apoio de pesquisa federal.

Isso nos mostra que somente o Estado faz investimentos de longo prazo, tanto na área de ciência e tecnologia, como na área econômica e industrial. Esperar que o mercado faça investimentos de longo prazo para propiciar avanços tecnológicos é uma ilusão e não tem precedente histórico, assim como esperar que o mercado promova o desenvolvimento econômico através da indústria também é ilusório e sem precedentes. E como foi mostrado no início desse texto, não há caminho para o desenvolvimento do Brasil por outra via que não seja pelo desenvolvimento industrial e tecnológico, que aumenta a produtividade do trabalho humano e, por isso, possibilita maiores salários aos trabalhadores. O livre mercado sem política industrial do Estado funciona bem apenas entre países em patamares elevados de desenvolvimento e avanço tecnológico. Quanto mais distantes uns dos outros, maior a necessidade do Estado intervir para fazer o catch-up dos pobres em direção aos ricos. Foi isso que o mundo aprendeu no século XX e XXI, principalmente com China, Coréia e Taiwan.

Votar é pouco: Brasil tem que ir às ruas como o Chile para realizar mudanças estruturais

A opinião mais frequente das pessoas sobre manifestações costuma ser dividida em dois grandes grupos: as que são céticas quanto ao poder do povo na rua em realizar mudanças concretas na sociedade e os que acreditam nessa força política como a mais forte e transformadora. Ainda assim, dentro do segundo grupo de pensamento, do qual faço parte, poucos se questionam como exatamente as manifestações populares exercem poder na estrutural de poder da sociedade capitalista.

Quando o povo sai as ruas exigindo mudanças por parte do Estado, o presidente, governador ou prefeito tem duas opções de atuação: aceitar as demandas ou reprimir os protestos. Como a tendência do sistema é a manutenção de poder, manifestações que ameacem a ordem costumam ser reprimidas em algum grau. O determinante é até que grau de violência as forças policiais e militares do Estado serão acionadas, e nos casos mais graves, aceitarão agredir o próprio povo. Quando o governante não está disposto a massacrar sua população, matando milhares de manifestantes sem piedade, manifestações de grande número costumam neutralizar o poder militar do Estado. Vale lembrar que o poder militar é a força mais eficiente e crua do exercício do poder, sendo seguida pelos poderes econômicos e político. Nesse caso específico de manifestação bem sucessivas, o poder político do povo organizado consegue suprimir o poder militar vigente em condições específicas e momentâneas.

Além disso, se manifestações populares tiverem adesão suficiente da sociedade, ou seja, da classe trabalhadora, protestos e greves ameaçam o poder econômico vigente do país, exercido pelas elites econômicas. O poder econômico, além de ser capaz de adquirir poder militar através de exércitos e armas, atua originalmente exercendo poder sobre a sociedade sendo dono dos meios de produção (empresas) e controladores dos meios de troca (bancos). Em situações específicas de greves bem-sucedidas, esse poder econômico das elites também é neutralizado localmente, já que apenas o trabalho humano é capaz de gerar mais riqueza para a sociedade.

É basicamente por esses motivos que manifestações populares tem tanta força dentro da divisão de poder na sociedade capitalista, sendo capaz de determinar os rumos do país impondo sua vontade sobre os poderes militares dos exércitos e os poderes econômicos da elite capitalista. A má notícia é que manifestações populares com grande adesão, que resistam a agressão policial e que organizem pautas objetivas são raras na história de qualquer país. E para piorar a má notícia, geralmente essas condições só surgem em situações de grave crise social, como foi o caso do Chile que gerou uma nova constituinte através de protestos pacíficos em massa.

Bolsonarismo conseguiu em anos o que a esquerda fracassa há décadas: superar a grande mídia

A esquerda tenta há décadas combater a narrativa política emitida em uníssono pelos grandes veículos de mídia do país. Através dos sindicatos, movimentos sociais e palestras em universidades. Acontece que, no mundo atual, sem sindicalização, nada disso atinge a massa populacional do Brasil. Já a direita bolsonarista, conseguiu criar uma onda impressionante e uma ideologia dominante que apesar de ter pontos em comum com a narrativa da mídia hegemônica, se difere muito dela e se propagou pelo Brasil de forma muito mais eficiente que as estratégias de consciência de classe e nacionalismo da esquerda.

O cerne dessa estratégia de comunicação bolsonarista é atuar através das emoções, principalmente do medo. Para que isso se concretizasse usou-se personagens simplórios, imagens impactantes e frases de efeito. Personagens como Bolsonaro Mito, Lula Ladrão, Ciro e a impressora de dinheiro, e outros, possibilitaram a disseminação de mensagens contrárias aos líderes da esquerda enquanto tornavam seu líder perfeito e messiânico.

Além dos personagens, usou-se muito de imagens impactantes, como memes fazendo comparações desonestas, fotografias assustadoras de lugares totalmente diversos do que diziam as legendas, vídeos curtos tirados de contexto etc. Também, usou-se muito de frases de efeito que se repetem entre os adeptos do bolsonarismo como “o Brasil vai virar a Venezuela”, “o PT quebrou a Petrobrás e o Brasil” e aquela famosa usada sempre que alguma crítica era dirigida à família Bolsonaro: “mas e o PT, e o Lula?”. As estratégias tanto de ataque quanto de defesa do bolsonarismo podiam ser acionados por personagens, imagens ou vídeos curtos e frases de efeito. Diferente da esquerda que debate em fóruns de duas horas e textos de vinte minutos.

Para combater o bolsonarismo, a esquerda não precisa fazer muito, já que esse movimento vem se desgastando naturalmente por seu fracasso natural como prática política e pela oposição da mídia hegemônica contra Bolsonaro. O que a esquerda precisa é superar a narrativa da grande mídia, daquilo que é repetido na Globo, na Globo News, no SBT, na Band, na Record e nos maiores canais do YouTube sobre política (todos de direita). Se não o dizer, uma chapa Moro-Huck terá grandes chances em 2022, por exemplo.

Isso depende de uma estratégia semelhante à do bolsonarismo, ainda que sem o lado desonesto e corrupto da primeira. Nas redes, a esquerda precisa criar personagens simples (heróis e vilões), imagens impactantes (a desigualdade e pobreza do Brasil são naturalmente chocantes) e gerar suas próprias frases de efeito simplistas mas que transmitam a mensagem que a esquerda precisa passar. Precisa também ter redes de transmissão pelos Facebook e WhatsApp como o bolsonarismo tem, mesmo que através de robôs pagos a empresas duvidosas (vale lembrar que na campanha Dilma x Aécio os robôs já vinham sendo usados).

Convencer a classe trabalhadora de que ela é explorada pela classe proprietária, de que não existe meritocracia no Brasil, de que o governo é a única forma de assunção de poder dos pobres para recuperar aquilo que foi tomado deles pelos ricos e de que o Brasil não será rico vendendo feijão e comprando avião, não é impossível, só não pode ser feito apenas através de textos longos e chatos como esse. O bolsonarismo, infelizmente, deu uma aula a esquerda brasileira, tão academicista.

Por: Bruno Machado.