É muito difícil emitir uma avaliação – no calor da hora – sobre as condições que levaram Evo Morales a renunciar, Desde pelo menos o referendo de 2016 – quando 51,6% dos bolivianos disseram não à possibilidade de o presidente disputar seu quarto mandato – a oposição interna encontrou um argumento para elevar sua agressividade.
No terreno econômico e dos direitos sociais não havia como tais forças ganharem apoio. O país cresce desde o início da década a taxas médias de 4% e as populações indígenas conquistaram direitos inimagináveis há poucas décadas.
A oposição conta com duas cabeças no terrenos da política. A primeira é Carlos Mesa, uma direita que pretende se assumir como civilizada, uma espécie de tucanismo de altiplano. A segunda é Luis Fernando Camacho, líder extremista de Santa Cruz, uma espécie de Bolsonaro local. Ambos se uniram na conspiração golpista.
Ao contrário de Chávez, um coronel, Evo nunca teve controle sobre o setor militar. Na economia, o setor de maior peso é a agroburguesia de Santa Cruz, que nunca escondeu sua plena antipatia com uma administração popular. O apoio majoritário sempre veio da base da sociedade.
É possível que o Tribunal Eleitoral tenha cometido um sério erro durante as apurações, ao mudar o método de contagem de votos durante o processo. No meio da confusão, a oposição se unificou e veio para o ataque. Ao longo das últimas semanas, partiu para a escalada terrorista, convocando ações violentas e atentados contra membros do governo ou partidários do oficialismo. A gota ‘água se deu com a insubordinação da polícia e o pronunciamento do alto comando das forças armadas, na tarde deste domingo (10). Contam, evidentemente, com apoio da Casa Branca, materializado nas pressões da OEA.
Diante de uma situação que aponta mudanças na correlação de forças no continente, a extrema-direita dá o bote no elo mais fraco, um país cujo PIB equivale a um quarto do município de São Paulo.
A renúncia não refreará o ódio reacionário. Ao contrário. Fortalecida, a direita partirá para violência ainda maior.
Evo poderia ter resistido? Talvez. Repito: é difícil julgar à distância e sem conhecer os meandros da escalada antidemocrática. Mas tudo indica que a reação faz na Bolívia um alerta para toda a América do Sul, que enfrenta questionamentos incisivos à barbárie neoliberal.
Por Gilberto Maringoni