Alvoreceu na PUC-SP: a vitória da JS-PDT no Centro Acadêmico 22 de Agosto

Alvoreceu na PUC-SP a vitoria da JS-PDT no Centro Academico 22 de Agosto
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Na noite do último dia 19 de maio foi divulgado o resultado do segundo turno das eleições para a direção do Centro Acadêmico 22 de Agosto, da faculdade de direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. Contrariando as expectativas iniciais do processo eleitoral, sagrou-se vitoriosa a Chapa Alvorecer, dirigida por militantes da Juventude Socialista (JS) do PDT-SP, findando com a longeva hegemonia dos setores vinculados ao PT e seus satélites – então organizados na chapa Reconvexo – em um dos mais tradicionais centros acadêmicos do país.

A expressiva vitória por 651 a 515 votos, numa eleição com recorde de quórum nos últimos anos, representa muito mais do que a mera conclusão de mais um ciclo eleitoral estudantil na Pontifícia. Ela dialoga diretamente com questões mais profundas que estão na raiz da crise de direção do movimento estudantil brasileiro, e assinala também o fortalecimento de tendências que já há algum tempo vêm se esboçando no panorama da disputa político-ideológica no seio da juventude militante organizada.

Para entender o significado mais amplo do resultado dessa contenda, se faz necessária, portanto, uma recapitulação mais abrangente do contexto que forjou os alicerces de tal acontecimento.

A CRISE DE DIREÇÃO DO MOVIMENTO ESTUDANTIL BRASILEIRO

Eram 18 horas do dia 22 de setembro de 1977, quando foram iniciadas suspeitas movimentações de unidades policiais nos arredores do campus da PUC no bairro de Perdizes, em São Paulo. Nos dias anteriores, desafiando os órgãos de repressão da ditadura militar, estudantes de uma série de universidades brasileiras organizavam secretamente em São Paulo o III Encontro Nacional dos Estudantes (ENE), que teria como principal tarefa a formação de uma comissão pró-UNE, congregando entidades estudantis alinhadas com a perspectiva de refundação da então reprimida e extinta União Nacional dos Estudantes (UNE).

O cerco das forças policiais ao campus puquiano tinha um só objetivo: sustar os intentos de reorganização em nível nacional do movimento estudantil brasileiro. Foi com essa índole que a operação dirigida pelo Secretário de Segurança, Coronel Erasmo Dias, dispersou o ato que reunia cerca de 2 mil estudantes diante do teatro da universidade, o TUCA, num dos principais episódios de repressão ao movimento estudantil ocorridos ao longo da ditadura militar brasileira.

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Diálogo entre o Coronel Erasmo Dias, comandante da invasão à PUC-SP, com a reitora da universidade, Nadir Kfouri, que o advertiu que não cumprimentaria assassinos.

O temor dos militares e das elites nacionais e internacionais diante da reorganização do movimento estudantil brasileiro não era infundado. Desde o surgimento da UNE ao final da década de 1930, contando com apoio direto do então presidente Getúlio Vargas e de seus órgãos governamentais, fora essa entidade que protagonizara junto das forças nacional-populares algumas das principais mobilizações em defesa do triunfo das pautas de soberania nacional, desenvolvimento econômico e justiça social no país.

Nesse contexto, ainda que o Brasil contasse com apenas pouco mais de 200 mil estudantes de ensino superior na década de 1960, o grau de organização e conscientização destes permitiu que tivessem imenso protagonismo nas lutas em defesa do monopólio estatal na exploração do petróleo, resultante na criação da Petrobras, bem como nas agendas em defesa da legalidade, das reformas de base e contra o golpe militar de 1964. Não à toa, foi do movimento estudantil que saíram muitos dos principais quadros da resistência armada ao regime militar, bem como um dos principais atos contra suas arbitrariedades: a Passeata dos Cem Mil, de 1968, em reação aos eventos que dias antes culminaram no brutal assassinato do estudante secundarista Edson Luís de Lima Souto no Rio de Janeiro.

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A Passeata dos Cem Mil, de 1968, nos tempos dourados do movimento estudantil brasileiro.

Em síntese, desde a fundação da UNE na década de 1930, passando pelos anos dourados das lutas estudantis nas décadas de 1950 e 1960, e chegando ao protagonismo destas nos processos pela redemocratização do país nas décadas de 1970 e 1980, o movimento estudantil esteve alinhado com as demandas mais amplas do conjunto dos segmentos populares nacionais. No cerne de suas bandeiras, restavam os apelos uníssonos pela soberania e desenvolvimento nacionais, e ainda que suas direções tivessem se alternado entre socialistas e comunistas – com um breve interregno direitista no começo da década de 1950 -, sempre mantiveram estrita aliança com os segmentos nacional-populares e trabalhistas que hegemonizaram o campo progressista nesse ínterim.

No entanto, desde a década de 1980 a direção do movimento estudantil brasileiro acompanhou a mudança de orientação e hegemonia do campo progressista. Em lugar da conjugação da soberania nacional, do desenvolvimento e da justiça social, a centralidade das lutas estudantis gradualmente se deslocou para a priorização da defesa das pautas comportamentais com influências das esquerdas estadunidense e europeias, e para a aceitação acrítica de um modelo de desenvolvimento moldado por um neoliberalismo com escassas compensações sociais, nos moldes da orientação assumida pelo PT e seus principais quadros tanto no governo quanto na oposição.

Foi nesse compasso em que o movimento estudantil se desvirtuou do antigo foco nas demandas mais gerais e universais das massas populares, mas não só destas, como também de grande parte dos próprios estudantes universitários brasileiros. Hoje o Brasil conta com mais de 8 milhões de estudantes de graduação matriculados em instituições de ensino superior, mas o movimento estudantil não é capaz de emular sequer a metade do grau de capilaridade, enraizamento e organização daquele que outrora contava com um universo de apenas cerca de 200 mil estudantes para sua mobilização.

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A campanha em defesa do monopólio estatal na exploração do petróleo foi um dos grandes momentos de convergência do movimento estudantil brasileiro com as agendas nacional-populares.

E é esse contexto mais geral, da passividade e subordinação da direção do movimento estudantil brasileiro aos ditames mais gerais do “progressismo neoliberal”, e a aceitação de um panorama de desmobilização de milhões de estudantes que frequentam diariamente as instituições de ensino superior, que forjam os elementos de seu distanciamento da realidade cotidiana da imensa maioria dos estudantes. Diante desse contexto, surgiram as brechas para que elementos reacionários e abertamente entreguistas passassem a conduzir também os horizontes de atuação política dos segmentos de juventude, mas também para que os embriões da refundação de um movimento estudantil nacional-popular viessem à tona.

OS PILARES DA VITÓRIA DA CHAPA ALVORECER

Foi partindo do conhecimento do panorama mais amplo de crise de direção do movimento estudantil brasileiro que, em meados do ano passado, a célula estudantil da Juventude Socialista do PDT-SP se reorganizou no âmbito da PUC-SP, visando estabelecer um contraponto nacionalista e popular ao status quo do progressismo neoliberal que há tempos comanda as entidades de base da universidade. O Centro Acadêmico 22 de Agosto, da faculdade de direito, se constitui há décadas como uma das principais entidades estudantis do país. Décadas atrás teve como uma de suas principais lideranças José Dirceu, que nos anos 60 foi um dos principais símbolos de uma geração de juventude conectada com as bandeiras nacional-populares. No entanto, mimetizando os próprios descaminhos de Dirceu, a direção do C.A. gradualmente assumiu para si a mesma postura desmobilizadora e social-liberal da direção do campo progressista no Brasil, protagonizada há décadas pelo PT e seus satélites.

Consciente desse paradigma, a JS organizou a Chapa Alvorecer para a disputa do C.A., articulando dois eixos de inequívoca execução no seu programa e atividades de campanha: 1) assumir abertamente sua vinculação com a orientação estratégica da Juventude Socialista do PDT no movimento estudantil brasileiro, sem medo de ensejar seu alinhamento com os desígnios em defesa do reino da soberania nacional, do desenvolvimento econômico e da justiça social em nosso país; 2) elaborar um programa que, embasado na realidade e necessidades cotidianas do estudante puquiano, pudesse romper com o panorama de esvaziamento do movimento estudantil na universidade, retomando o diálogo com muitos daqueles que, descrentes nas forças tradicionais do movimento estudantil, preferem não participar dos processos eleitorais ou se engajar nas atividades do Centro Acadêmico.

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Os respectivos logos das chapas Alvorecer e Reconvexo, contrapondo a rosa trabalhista à estrela petista.

Foi a conjugação destes dois eixos que permitiu à campanha da Chapa Alvorecer a conquista de um quórum recorde no processo eleitoral tanto no primeiro quanto no segundo turno das eleições. Distintamente das forças que há décadas centravam sua política estudantil em dialogar apenas com o pequeno gueto de militantes já organizados em forças do movimento estudantil, almejou a massificação da participação política e eleitoral dos estudantes, entendendo a compreensão das demandas concretas cotidianas como uma condição sine qua non para o próprio fortalecimento do reconhecimento e aproximação dos estudantes com as pautas mais amplas concernentes às questões nacionais.

Incapaz de enfrentar tal estratégia, a chapa da ex-gestão petista apelou para as mais contraditórias táticas no intento de esvaziar o esforço e organização da Chapa Alvorecer. Inicialmente, buscaram designá-la como uma expressão despolitizada do movimento estudantil, supostamente temorosa de expor seus vínculos militantes com o PDT e visando angariar votos conservadores e reacionários dos estudantes puquianos antipetistas. No entanto, ao se depararem com a orientação aberta e explícita da chapa de alinhamento com a Juventude Socialista do PDT (ao longo de toda a campanha este vínculo foi divulgado nos debates, nas passagens em salas e mesmo nas atividades de boca de urna, onde os militantes utilizavam camisetas da JS), passaram a tachá-la de “chapa partidária”, ao tempo em que reivindicavam o Reconvexo como um coletivo sem vínculos com o PT.

Não constitui grande novidade, no entanto, que o desespero daqueles que se intitulavam como “juventude Zé Dirceu” tenha os levado a assumir uma posição supostamente “apartidária”, uma linha reacionária e despolitizada que envergonharia o próprio Zé Dirceu. Afinal, o moralismo udenista está na raiz do próprio surgimento e da ascensão do PT no campo progressista: foram as aberrantes posições de Lula e da CUT contra a CLT, que caracterizavam como o “AI-5 dos trabalhadores”, que levaram Brizola a caracterizar o partido do Colégio Sion como a “UDN de macacão”. Nas eleições da PUC-SP, reproduziam esse mesmo moralismo udenista ao atacarem a participação de dirigentes da JS-PDT externos à PUC no processo eleitoral, reproduzindo os mais reacionários gestos de criminalização do movimento estudantil hoje existentes no país.

Mas ainda que negassem seu viés partidário, apostaram todas as suas fichas na estrutura e apoio de suas reais motivações políticas. Ao invés de passarem em salas ao longo da campanha do segundo turno – para debater permanência estudantil, infraestrutura da universidade e demandas concretas do movimento estudantil nacional -, preferiram centrar todas suas forças na organização de um ato com a presença do ex-presidenciável petista derrotado por Bolsonaro, e hoje pré-candidato a governador em São Paulo, Fernando Haddad. Num evento totalmente esvaziado (contando com sequer 1/20 dos estudantes da PUC), às vésperas do segundo turno das eleições, Haddad insinuou abertamente seu apoio à chapa Reconvexo, que teve suas principais lideranças discursando com bandeiras da juventude do PT aos fundos – a mesma com a qual negaram vínculos durante o processo eleitoral.

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Fernando Haddad em ato na PUC-SP na véspera do segundo turno do processo eleitoral para o C.A. 22 de Agosto. O ex-presidenciável fez apelos por votos à chapa Reconvexo, que organizou o evento e tinha suas bandeiras, junto das da Juventude do PT, ao fundo.

O resultado não poderia ser outro: contrariando todas as expectativas iniciais, o segundo turno contou com um quórum eleitoral recorde, tendo como epicentro da mobilização estudantil não uma repulsa abstrata à “esquerda”, como querem fazer parecer os petistas, mas o alinhamento dos estudantes com o programa e perspectiva mais ampla de movimento estudantil ensejada pela Chapa Alvorecer. Ironicamente, Fernando Haddad assinou mais uma derrota eleitoral de segmentos de seu partido, e José Dirceu provavelmente está envergonhado ao saber que a juventude que leva seu nome preferiu se denominar “chapa do estudante”, criminalizando a participação de dirigentes de juventudes partidárias no movimento estudantil, do que assumir abertamente a defesa programática e estratégica de seu partido.

 

A JUVENTUDE SOCIALISTA E O HORIZONTE DE RECONSTRUÇÃO DO MOVIMENTO ESTUDANTIL NACIONAL-POPULAR

Mesmo no auge dos governos e movimentos de orientação nacional-populares, o movimento estudantil brasileiro contou com escassa presença de forças trabalhistas nas direções de suas entidades de base e nacionais. Em grande parte, isso se deveu à hipertrofia da presença trabalhista na esfera sindical e governamental, e também ao fato de que primeiramente as direções socialistas do movimento estudantil, e posteriormente as comunistas e do catolicismo de esquerda, tiveram grande alinhamento com as orientações programáticas da agenda nacional-popular. Foi esse alinhamento que permitiu a união de forças de figuras como Getúlio, Jango e Brizola com a UNE e o movimento estudantil, perpassando eventos como da luta nacionalista pelo petróleo, pela defesa da legalidade, pelas reformas de base e, posteriormente, contra o regime militar e pela redemocratização do país.

Nesse sentido, a vitória da Chapa Alvorecer e da JS-PDT na PUC-SP simboliza muito mais do que a simples conclusão de mais um ciclo eleitoral na universidade. Representa também o triunfo de uma orientação nacionalista e popular num dos mais importantes centros acadêmicos do país, e a consistente retomada do embrião da estratégia nacional-popular no coração da disputa dos rumos das entidades estudantis a nível nacional.

Assim, não é um acaso que tanto alarde tenha sido feito diante deste glorioso triunfo da JS-PDT, e por isso a comemoração aberta de tantos quadros do alto-escalão do partido com o feito. A relevância do processo eleitoral não se circunscreveu aos limites das forças trabalhistas, e a própria presença e apoio aberto de figuras como Fernando Haddad e José Dirceu à chapa Reconvexo assinalam a envergadura da contenda.

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Militantes da Juventude Socialista do PDT e da Chapa Alvorecer conduziram uma vitória histórica no C.A. 22 de Agosto da PUC-SP.

Ainda que em escala extremamente reduzida, a disputa emulou os próprios moldes do confronto entre a estratégia de trabalhistas e petistas no pleito presidencial nacional de 2022. Ciro Gomes não questiona a candidatura de Lula por seu potencial ou não de derrotar o obscurantismo bolsonarista nas urnas, mas sim os fundamentos da ordem política e social que há cerca de 40 anos condena o país a uma permanente desindustrialização e perda de relevância no cenário internacional, bem como à continua destruição de suas instituições e sustentáculos da proteção social, causadas em grande parte pela submissão da direção do campo progressista ao neoliberalismo e seu contentamento programático com os limites da implementação de programas sociais compensatórios.

Da mesma forma, no movimento estudantil a JS questiona não a legitimidade das organizações estudantis alinhavadas com a estratégia lulista, mas os sustentáculos de uma orientação que há décadas esvazia a participação da maioria dos estudantes nos processos eleitorais das entidades de base e a própria desmobilização destes diante das agendas políticas de caráter nacional. E é visando sobrepujar este processo, e retomar um norte estratégico em consonância com as bandeiras de soberania nacional, desenvolvimento econômico e justiça social que a JS-PDT se reorganiza no movimento estudantil e nos segmentos de juventude, sabendo que o alvorecer do Centro Acadêmico 22 de Agosto é só um dos capítulos iniciais da luz que ainda há de iluminar o conjunto de um dos maiores patrimônios das lutas populares de nosso país: o movimento estudantil.

Vida longa à Chapa Alvorecer!

Vida longa à Juventude Socialista do PDT!