Por que Lula é uma liderança tão despolitizante?

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Por João Pedro Boechat – O ex-presidente Lula é, hoje, o líder absoluto nas pesquisas de intenção de voto em 2022. Tudo indica que a única chance de Lula perder a eleição é se Bolsonaro não conseguir estar no segundo turno – o que é bem possível, não só pela possibilidade de impedimento ou cassação de sua chapa, mas também pela sua péssima popularidade decorrente de sua responsabilidade direta pela morte de mais de meio milhão de brasileiros durante a pandemia do Coronavírus.

Infelizmente, tendo uma oportunidade única para ser eleito virtualmente com uma carta branca para fazer o que quiser, Lula se apoia nisso, ao invés de dizer ao povo o que pretende fazer quando chegar ao governo. Quando ele fala de projetos concretos, seu objetivo não é politizar as massas, e sim se reconciliar com a classe dominante. É por isso que, desde a retomada de seus direitos políticos, Lula já declarou ser contra o Imposto de Grandes Fortunas, a favor da abertura de capital da Caixa Econômica Federal e outros absurdos, ao passo em que acena para os movimentos sociais, que são verdadeiros motores da luta política popular, mas que não têm nenhuma garantia de terem suas demandas atendidas.

Também acena para a esquerda estética, com a inundação de publicações sem valor político, mas que ajudam a construir a figura carismática que o Lula é de fato. Assim, ele consegue omitir, para sua base, verdades inconvenientes, como o fato de que, em 14 anos de governos petistas, eles foram incapazes de industrializar o país, tornar os impostos progressivos ou sequer acelerar o processo de reforma agrária. Ele apenas se mantém coerente na defesa da regulamentação da mídia e com sua atuação histórica na defesa de relações diplomáticas saudáveis com os países da América Latina, também como defendendo a cooperação Sul-Sul (penso, inclusive, que faz isso mesmo quando critica Maduro e o atual governo venezuelano, sem abandonar a defesa da autodeterminação dos povos, pois ele tem essa avaliação há anos).

No entanto, esse aceno à esquerda no plano internacional se contrapõe aos acenos na política interna. Ao sinalizar para Henrique Meirelles e outros expoentes do neoliberalismo, Lula deixa evidente que pretende reeditar os governos sociais-liberais que o PT fez entre 2003-2007 e 2014-2016. Também evita, totalmente, o debate dos erros do passado, prática notória do PT desde quando saiu do poder. Foi essa falta de reconhecimento dos erros do passado por fins eleitoreiros que afastou milhares de simpatizantes e militantes do partido no fim da hegemonia de governo, que buscaram se sentir representados em outros partidos de esquerda como o PDT, o PSOL, o PCdoB, o PCB e outros, cada qual com suas ideologias, projetos e prioridades, que também são influenciados pelas conjunturas políticas locais.

Recentemente, com a investida do governo no plano de privatização da Petrobrás, diversas lideranças se posicionaram veemente contra à espoliação da maior estatal brasileira. Lula, que em outros tempos, a teve no centro de seu discurso político – reproduzindo inclusive a famosa cena de Getúlio Vargas, com as mãos sujas de petróleo, na campanha do ‘O Petróleo é Nosso’ – permanece calado.

Lula poderia cumprir um papel extremamente benéfico ao povo brasileiro se transmitisse, com a genialidade política ímpar que ele tem, sua proposta para o Brasil. A extrema-direita bolsonarista não cresceu se apropriando de pautas já difundidas. Ela cresceu a partir de um profundo trabalho de base que passa pelas igrejas e pelas forças militares do país, criando uma consciência popular baseada em notícias falsas e na negação da ciência, reeditando a direita udenista da década de 60. Todos os seus opositores viraram comunistas, e ao comunismo foi atribuído tudo de ruim que existe no mundo.

O bolsonarismo tende a se desmantelar frente ao resultado prático dessa política, que é a falência total da civilização brasileira e o genocídio de centenas de milhares de brasileiros através de políticas nazifascistas como a recusa à compra e distribuição de vacinas, o estímulo de remédios ineficazes que aumentaram o risco à saude das pessoas, e a tentativa de superar a pandemia através da imunidade de rebanho em Manaus, experimento macabro que condenou à morte dezenas de pessoas asfixiadas pelo fim dos estoques de oxigênio da cidade. À luz dos fatos, é impossível a qualquer cidadão bem informado cogitar comparar Lula com Bolsonaro. É evidente que, qualquer um que for eleito em 2022, não sendo Bolsonaro, já será um alívio, pois estaremos nos livrando do pior governante da história desse país. Mas nós não precisamos apenas de um refresco. Nós precisamos reconstruir o Brasil, economicamente e socialmente, com base nas mais atualizadas práticas da economia do desenvolvimento, que está sendo aplicada em todos os grandes países do mundo – Estados Unidos e China inclusos – para superar a crise econômica da pandemia.

No sentido diverso, é lamentável constatar que inúmeros eleitores petistas ainda têm a crença de que o liberalismo é melhor para a economia, mas que produz desigualdade, e por isso os programas de distribuição de renda são a forma de reduzir tais desigualdades. Isso é o social liberalismo que dá uma roupagem de esquerda à exploração.

Nós, do campo popular, temos uma missão civilizatória para evitar que políticos destrutivos como Bolsonaro cheguem ao poder de novo. Isso envolve muita educação e muita consciência política. E por isso Lula, assim como os outros líderes nacionais que são acompanhados pelo povo, precisa ajudar a moldar a consciência nacional em torno da agenda de reformas e propostas necessárias para cumprir todas as etapas do nosso desenvolvimento. Ciro Gomes aposta nesse caminho, além de tecer duras críticas aos seus rivais eleitorais, e esbarra justamente na dificuldade de massificar o discurso e as propostas concretas do seu Projeto Nacional de Desenvolvimento. Mesmo assim, ele consegue cumprir um papel fundamental de politizar as massas em torno do pensamento nacional-desenvolvimentista, que terá um legado duradouro independente de eventual sucesso eleitoral. Infelizmente, ele é voz solitária entre os quadros nacionais a discutir um projeto viável de governo.

Precisamos nos remeter ao passado para lembrar que é possível sim politizar o povo através de quadros nacionais para defender propostas de esquerda e centro-esquerda. Getúlio Vargas, que foi merecidamente homenageado no último 24 de agosto pelo PDT, pelo PCdoB e pelo PT, criou as bases, em seu discurso, para o crescimento da aceitação popular da democracia socialista e das reformas de base. Reformas de base que foram apoiadas massivamente no Comício da Central do Brasil, com o presidente João Goulart em 1964, quando ele tinha 70% de aprovação popular. Nenhuma dessas lideranças jamais foi comunista, nessa falsificação história que os bolsonaristas até hoje tentam difundir. Apostaram na consciência popular para sustentar seus projetos nacionais-desenvolvimentistas e reformistas.

Se Lula quiser prestar enorme serviço ao povo brasileiro, ele precisa comunicar o que pretende fazer em seu governo, para que a pressão do povo possibilite a realização desses projetos, caso ele seja eleito. Se não for eleito, que contribua para a defesa dessas propostas no governo de quem quer que seja eleito. O Brasil não tem tempo a perder, estamos à deriva, o povo busca por lideranças experientes, mas não quer dar uma carta branca para um novo governo de exploração neoliberal. É preciso mostrar que, no mundo inteiro, esse modelo econômico falido já foi rechaçado, inclusive pelos próprios Estados Unidos, berço dessa ideologia disfarçada de ciência. E é preciso deixar isso claro hoje e agora, pois enquanto Bolsonaro ameaça com o golpismo fracassado que não tem apoio nem de seus próprios simpatizantes, ele “passa a boiada” nos direitos dos trabalhadores e no patrimônio nacional, em frente ampla com a grande mídia e os tubarões do mercado financeiro.

Por João Pedro Boechat, Diretor de mobilização da Juventude Socialista do estado do Rio de Janeiro, e Diretor da União Nacional dos Estudantes (UNE).