Sobre a Independência do Banco Central

Sobre a Independencia do Banco Central
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Por Cesar Benjamin – Economistas com acesso à grande imprensa são especialistas em inventar ortodoxias que são mais novas que um bom uísque. A defesa da independência do Banco Central é uma delas.

Ouçamos uma opinião de peso: “O Banco Central Independente (BCI) é um mau sistema para os que acreditam na liberdade justamente porque dá a poucos homens um poder tão grande sem que seja exercido sobre eles nenhum controle efetivo por parte do corpo político. Este é um argumento-chave, de natureza política, contra um BCI. Mas é também um mau sistema, mesmo para os que põem a segurança acima da liberdade. Erros não podem ser evitados em sistemas que dispensam a responsabilidade, mas dão amplos poderes a um pequeno grupo de homens, tornando as ações políticas altamente dependentes de acidentes de personalidade. Este é um argumento-chave, de natureza técnica, contra a existência de um BCI.”

Quem escreveu isso foi Milton Friedman., em “Capitalismo e liberdade” (Nova Cultural, 1985, p. 53-54).

Ao contrário do que se diz por aí, a independência do BC brasileiro nada tem a ver com a do norte-americano. Escrevi sobre isso há alguns anos:

“Nos Estados Unidos, o Banco Central (chamado Sistema de Reserva Federal, ou FED) é formalmente independente, mas essa independência é definida em lei de uma forma que o força a operar todo o tempo, necessariamente, em articulação com o Departamento do Tesouro (correspondente ao nosso Ministério da Fazenda). O arranjo é muito inteligente. O FED é obrigado por lei a perseguir simultaneamente três objetivos: utilização plena da capacidade produtiva instalada, pleno emprego da força de trabalho e estabilidade de preços. O Tesouro, por sua vez, também por lei, é obrigado a cumprir o Orçamento da União votado pelo Congresso e aprovado pelo presidente da República; para isso, por meio de contas bancárias, recolhe tributos da sociedade e paga as despesas previstas no Orçamento. Se, por qualquer motivo, as despesas orçamentárias superam em algum momento o recolhimento de tributos, as contas ficam negativas, mas permanecem sendo movimentadas normalmente. Nesses casos, bastante comuns, o Tesouro estará operando em déficit, automaticamente coberto por meio de uma conta de compensação alimentada pelo FED. As ordens de pagamento do Tesouro serão sacadas pelo público (entrando em circulação sob a forma de expansão de moeda fiduciária) ou recolhidas às reservas bancárias (se permanecerem depositadas nas contas dos seus destinatários). O aumento das reservas pressionará para baixo a taxa básica de juros. Agindo em estrita observância daqueles três objetivos acima definidos – crescimento, emprego e inflação – cabe então ao FED decidir se prefere enxugar essa liquidez aumentada (para evitar pressões inflacionárias, por exemplo) ou sancioná-la (para estimular a demanda agregada, por exemplo). Ele faz isso manejando a compra e venda de títulos no open market: vende títulos para recolher dinheiro, ou compra títulos para injetar dinheiro. Assim, através do open, o FED regula a liquidez da economia norte-americana, e com ela a taxa de juros, de modo a buscar aqueles três objetivos, sempre dando cobertura à execução, pelo Tesouro, do Orçamento aprovado pelos poderes democráticos da República – a Presidência e o Congresso.

“O FED só é independente para tomar certas decisões operacionais, mas, como se vê, o arcabouço legal e institucional em que ele opera disciplina essa independência e o força a atuar de forma intimamente articulada com o Tesouro na busca de objetivos que interessam à sociedade. Esse arranjo permite que ambas as instituições atuem de forma permanentemente anticíclica. Em períodos de baixa atividade econômica (e baixo recolhimento de impostos) o Tesouro tende a incorrer em déficit, as reservas bancárias tendem a aumentar, e as taxas de juros, operadas pelo FED, tendem a baixar. E vice-versa.

“Os dois segredos principais do arranjo norte-americano são esses: objetivos múltiplos para o BC (crescimento da produção, pleno emprego e estabilidade de preços) e alta coordenação entre a ação do BC e do Tesouro para garantir a execução do Orçamento da União e possibilitar a adoção de políticas flexíveis, potencialmente favoráveis ao crescimento. O caso brasileiro é o exato oposto.”

É isso.

Em tempo: o PT não pode reclamar muito. Foi ele que, no poder, abriu a guarda e alterou em 2004 a redação do artigo 192 da Constituição, de modo a tornar possível o envio do projeto de lei de autonomia para o Banco Central. Logo depois, o ministro Antônio Palocci prestava contas ao Fundo Monetário Internacional (FMI): “A emenda constitucional que facilita a regulamentação do sistema financeiro – um passo para a formalização da autonomia do Banco Central – já foi aprovada.”

Por Cesar Benjamin