A unidade dos liberais de direita e esquerda contra Getúlio Vargas

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No último dia 3 de julho, em ato nacional por “Vacina, Trabalho e #Fora Bolsonaro”, foi destacado nos setores midiáticos e no debate político-ideológico o aparecimento da bandeira com o rosto e nome de Getúlio Vargas em plena Avenida Paulista.

De imediato, liberais de esquerda e direita se uniram nas redes sociais, reproduzindo sequenciais ataques à figura e história de Getúlio. Juntos, o acusaram de ser um líder ditatorial e descompromissado com o bem-estar de nosso povo. De um lado, entreguistas tais como o Movimento Brasil Livre (MBL), Carla Zambelli e Abraham Weintraub. Do outro, militantes petistas e suas correntes externas. Ambos unificados na condenação à trajetória do grande líder trabalhista.

A bandeira de Getúlio Vargas nos atos em defesa de “Vacina, Trabalho e #ForaBolsonaro”, no último dia 03/07.

No que tange às críticas dos segmentos liberais de direita, nada mais natural.

Afinal, foram eles que desde o berço protagonizaram o combate à ascensão de Getúlio, do trabalhismo e de seus herdeiros políticos, em eventos tais como a Contrarrevolução de 1932; o golpe em aliança com a direita conservadora em 1945; a sustentação da União Democrática Nacional (UDN) como principal polo do antigetulismo no Brasil; as pressões golpistas que desaguaram no suicídio de Getúlio em 1954; as tentativas de golpe fracassadas ao longo do governo de JK e na posse de Jango; e, por fim, o fatídico golpe civil-militar de 1964.

Tais forças reacionárias e entreguistas destilam historicamente seu ódio ao conjunto do arco de forças comprometidas com as bandeiras nacionalistas e socializantes, e não toleram a imagem de Getúlio exatamente por ter sido ele o grande dirigente da Revolução de 1930, que inaugurou o rompimento da história do Brasil para com seu passado marcado pela hegemonia agroexportadora e pelo domínio político irrestrito das elites oligárquicas. Se ressentem das conquistas sociais logradas ao longo de seus governos (a CLT, o salário mínimo, a previdência pública…), e com a criação das empresas e instituições estatais que durante décadas constituíram as pedras angulares de nossa construção nacional (a CSN, a Vale, o BNDE, a Petrobras…).

A unidade dos liberais de direita e esquerda contra Getulio Vargas
Antigas manifestações populares em defesa de Getúlio e de seu amplo legado de conquistas sociais.

E a esquerda liberal apenas deu consequência aos seus argumentos históricos…

Afinal, não é novidade a oposição do liberalismo de esquerda à imagem de Getúlio e ao trabalhismo. Nas décadas de hegemonia do trabalhismo sobre os segmentos progressistas nacionais, se dividiram entre a UDN, as correntes trotskistas e setores minoritários do PCB para atacar as conquistas sociais e nacionais oriundas do processo iniciado pela Revolução de 1930. À época, acusavam os trabalhistas de “manipular” as massas trabalhadoras, controlando os sindicatos e concedendo direitos sociais para domesticá-los, impondo um “freio” à luta “revolucionária”.

No embalo da redemocratização, se organizaram majoritariamente no Partido dos Trabalhadores (PT), para impor brutal revisionismo à análise acerca dos movimentos políticos progressistas no Brasil, e um feroz ataque não apenas ao legado histórico das lutas trabalhistas, mas também dos comunistas brasileiros. A heresia destes últimos teria sido abandonar a antiga linha isolacionista para se aliarem aos governos de JK e Jango entre as décadas de 1950 e 1960. Assim, ao tempo em que acusavam o trabalhismo de representar apenas mais uma das correntes oligárquicas nacionais, condenavam os comunistas tanto pela política de alianças quanto pelo alinhamento ao “burocratismo soviético”.

A unidade dos liberais de direita e esquerda contra Getulio Vargas
Hoje hegemonizadas pela direita, as pressões contrárias à CLT e o imposto sindical foram encabeçadas pela esquerda liberal – dirigida por Lula e o PT – na década de 1980.

Sob a direção de Lula, replicavam os argumentos dos trotskistas de outrora, tachando a CLT de “AI-5 dos trabalhadores”; exigindo o fim do imposto sindical, que “domesticava” os sindicatos “pelegos”; apregoando o divisionismo no âmbito das organizações sindicais; e contrapondo todo e qualquer intento de frente ampla contra a ditadura militar e seus resquícios (e daí a abstenção petista no Colégio Eleitoral que contrapôs Maluf e Tancredo, bem como as reticências no processo de consolidação a Constituição de 1988). Paralelamente, se pronunciavam reincidentemente em defesa das forças políticas liberais e reacionárias que dilapidavam as sociedades comunistas no Leste da Europa e mundo afora, tais como o Solidariedade polonês, de Lech Walesa – reconhecida referência política de Lula.

Nesse sentido, é natural que se ressintam da imagem de Getúlio. Afinal, defendem que os governos social-liberais de Lula e Dilma, entre 2003-2016, teriam sido o auge das lutas e conquistas populares de nossa história. Desde sempre, criticam os trabalhistas e mesmo os comunistas por outrora terem se aliado à burguesia nacional para promover o desenvolvimento industrial, mas se isentam de tecer um balanço dos estreitos vínculos com o capital financeiro em seus governos, que aprofundaram a desindustrialização e desnacionalização de nossa economia.

A unidade dos liberais de direita e esquerda contra Getulio Vargas
Percentual e participação da indústria de transformação no PIB brasileiro (1947-2014): os governos petistas não desafiaram os principais sustentáculos da Era Neoliberal.

Getúlio vive, e o nacionalismo também!

A Revolução de 1930, dirigida por Getúlio Vargas, inaugurou um período de cinco décadas no qual o Brasil representou o país ocidental com maior crescimento econômico do mundo. Entre 1930 e 1964, tal processo foi conduzido hegemonicamente – ainda que com percalços – pelos setores progressistas, que inicialmente orbitaram Getúlio e posteriormente vieram a ter representação fundamental na figura do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Nesse período, conviveram preponderantemente, com avanços e recuos, os ideais em prol da soberania nacional, do desenvolvimento econômico e da justiça social. Entre 1964 e o começo da década de 1980, a ditadura militar deu sequência ao projeto econômico de viés desenvolvimentista e nacionalista, mas subtraindo seu componente popular e socializante.

Desde então, é a hegemonia das correntes liberais de direita e esquerda que demarca o panorama político e econômico nacional. E foi o especialmente o fracasso político, ideológico e organizacional do liberalismo de esquerda que pavimentou o caminho para que, culminando com um processo de 40 anos de desindustrialização e ausência de um projeto nacional de desenvolvimento, Bolsonaro ascendesse à presidência – a cereja do bolo desse fratricida Brasil da Era Neoliberal. Hoje, sem legado real e concreto de seus governos para defenderem, saem às ruas bradando em defesa dos sustentáculos nacionais oriundos da Era Desenvolvimentista, herdada da Revolução de 1930 (tais como a Petrobras, a Eletrobras e a CLT), mas pouco tem a oferecer para o país além da volta para o seu “neoliberalismo progressista”.

E daí a histeria com a imagem do “pai dos pobres” na Avenida Paulista, bem como a unidade ideológica com a direita fascista e neoliberal para, em uma só voz, bradarem contra aqueles que sempre tiveram um só lado na política nacional: o da defesa da soberania nacional, do desenvolvimento econômico e da justiça social de nosso gigantesco Brasil.