O futuro da Lava Jato: a lei é para todos?

O Partido da Lava Jato
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Após a prisão do ex-presidente Lula na semana passada, está na moda dizer frases como “ninguém está acima da lei”, “a lei é para todos”, e coisas do gênero. Este texto é somente um lembrete aos que reproduzem esse tipo de informação.

O EFEITO LULA

É natural que se posicione um ponto de interrogação sobre a Lava Jato após a prisão de Lula. Se a operação parar por aí, ficará a impressão de que não passou de uma perseguição ao ex-presidente e uma ofensiva contra o PT. Se quiser se livrar da sombra esmagadora de Lula, a operação será obrigada a avançar sobre setores da política que até o momento contentou-se em constranger, mas não a ameaçar verdadeiramente.

Pode-se dizer, claro, que isso não corresponde à realidade. Que Eduardo Cunha, por exemplo, está preso há muito tempo, e que há alguns políticos de menor expressão do PP, do SD, do PMDB e até do PT que estão presos.

Apesar de isso ser verdade, há uma grande diferença em nível de importância. Nenhuma das figuras presas tem o peso político que o ex-presidente Lula pode desempenhar nas eleições de 2018. A queda de uma presidente eleita e a prisão do candidato com mais intenções de voto são fatos infinitamente mais relevantes do que a prisão de políticos secundários de outros partidos.

Naturalmente, esse não é o caso do ex-deputado Eduardo Cunha, que era figura central do PMDB. No entanto, vale lembrar que Cunha obteve passe livre para administrar toda a coalizão do impeachment para, somente depois de consolidada a queda de Dilma, ser descartado através de sua prisão.

A esquerda que aplaude a Lava Jato acreditando que o próximo será Aécio Neves não compreendeu que está aplaudindo o próprio funeral. Aécio é carta fora do baralho há algum tempo, e sua prisão jamais terá a mesma dimensão política hoje do que a ofensiva sofrida pelo campo progressista.

O PARTIDO DA LAVA JATO

Ainda assim é possível que a Lava Jato não encare o avanço sobre outros setores da política como um impedimento. Após a prisão de Lula, poderemos nos deparar com outras prisões acontecendo.

Nenhuma delas terá a importância que teve a caça ao PT, mas cumprirão o objetivo de fortalecer a Lava Jato como grupo político capaz de constranger a política eleita pelo voto.

Juízes e procuradores não são eleitos, não concorrem em eleições, não expõe suas ideias ao debate e portanto não passam pelo filtro popular que os políticos do Legislativo e do Executivo passam, dentro dos limites do nosso sistema eleitoral.

Logo, juízes e procuradores atuam somente de acordo com a lógica e a demanda de suas corporações. Interesses externos podem até mesmo se infiltrar para acomodarem-se dentro das demandas corporativas ou moldá-las, como observamos através da relação da mídia com os julgamentos expostos em rede nacional. O que não penetra na lógica dessas corporações é o crivo popular.

A Lava Jato vêm se tornando cada vez mais uma força política que extrapola sua competência para investigar e atuar dentro das fronteiras processuais. Seus procuradores manuseiam a opinião pública, fazem greve de fome para obter sentenças, convocam coletiva de imprensa para expor imagens marcantes baseadas mais em convicção do que em provas. Seus juízes comportam-se como estrelas de cinema, vão à televisão comentar os processos e agem como arautos da moral mesmo recebendo auxílio-moradia quando já possuem imóvel próprio e salários acima da média da sociedade brasileira.

Nada impede que a Lava Jato avance mais sobre a política após a prisão do ex-presidente Lula. O que deve ser levado em conta é que isso será feito porque há um interesse cada vez menos difuso em ocupar o espaço da política tradicional.

AGENDA NACIONAL DE COMBATE A CORRUPÇÃO E SUBDESENVOLVIMENTO

Diariamente a grande mídia brasileira trata a política tradicional como o principal problema do país, onde floresce a corrupção. É necessário lembrar que a política tradicional é a única política legítima, pois se legitima através do voto popular, e que nem a mídia, nem os juízes e nem os procuradores são votados por ninguém. O avanço dessas corporações corre o risco de jogar aos tubarões os restos mortais da nossa democracia.

Cabe aqui uma observação contrária ao mainstream que norteia a discussão política dos últimos tempos: os debates sobre os rumos do Brasil tem cada vez mais dispensado os aspectos históricos da nossa formação. A narrativa dominante exclui as nossas especificidades herdadas do passado e as substitui pelo problema da corrupção.

Mas a verdade é que cada país desenvolvido teve que passar por uma etapa de compreensão das especificidades que formavam os obstáculos aos seu desenvolvimento. Por esse motivo, História e Desenvolvimento caminham lado a lado. É impossível formular um projeto de país e construir uma nação se não houver uma visão histórica da formação nacional.

O Brasil está preso numa agenda única: o combate à corrupção. Não porque a corrupção seja o maior problema do país, pois nem sequer chega a ser uma especificidade do Brasil. Uma infinidade de países, inclusive desenvolvidos, possuem problemas com corrupção.

A consolidação do combate à corrupção como agenda única é um projeto de poder. Esse projeto é liderado pela grande mídia, pela parte do poder econômico interessada em constranger a política e impor suas reformas, por setores antinacionais da burocracia estatal (MP, Judiciário etc.) e conta com colaboração de autoridades estrangeiras*.

É mais necessário que nunca resgatar a urgência do debate sobre a forma que assume o subdesenvolvimento brasileiro. Esse sim, o subdesenvolvimento, na forma como nos estruturou historicamente, é a especificidade do país.

O Partido da Lava Jato avança sobre o Brasil impondo-se através de um certo populismo midiático. O projeto político da Lava Jato, contudo, não é um projeto de país, não é um projeto de desenvolvimento nacional. É somente um projeto de redistribuição de vantagens e privilégios que explora alguns sentimentos populares e pretende posicionar o Judiciário e o Ministério Público acima dos poderes eleitos.

Quem tem interesse nisso? Bem, com a limitação da participação do povo, ganha o poder econômico interessado em reformas que não são populares, ganham os investidores estrangeiros que anseiam por menos restrições impostas pelos interesses estratégicos e soberanos do Brasil, ganham outros países com a desnacionalização crescente dos nossos recursos, e ganha também a grande mídia que se empodera para pautar a rotina nacional como lhe convém e proteger-se da concorrência externa.

Instrumentalizada por interesses corporativos em plena ascensão, a lei está apontada para o peito dos que se encontram no meio do caminho.

* Os Estados Unidos e a Lava Jato, por André Araújo