Por Leonardo Castro – A tristeza é o sentimento mais humano que há. Não digo a patológica, incessante e infindável, mas aquela passageira tristeza que aparece para nos arrebatar sempre que nos encontramos com nossa consciência.
Vou além: é impossível ser feliz sabendo de onde a humanidade veio, até onde chegou, e para onde está indo. Qualquer mínima reflexão de quem perceba o que de fato é o mundo leva, invariavelmente, à tristeza.
Mas a tristeza não é um fim. Na verdade, ela até pode ser, mas nem sempre é. A tristeza é, também, um meio. Uma forma de encarar a vida. Uma forma de não mais ser triste. Bem trabalhada, a tristeza é felicidade.
Não teve ninguém que dançou tão bem com a tristeza quanto um senhor chamado João Rubinato, e, claro, seu alter ego Adoniran. Adoniran Barbosa, nome artístico de Rubinato, foi (é) um conhecido boêmio paulistano, mercador do samba interiorano que se radicou na Capital Paulista.
Os que pouco conhecem Adoniran, sabem que ele foi um sujeito simpático que falava errado e emplacou alguns sucessos eternizados no cancioneiro popular.
Os que julgam conhecer Adoniran, sabem que ele foi um gozador, um comediante que não via o lado triste das coisas, e por isso cantava feliz a simplicidade da vida.
Os que realmente conhecem Adoniran, sabem que, na verdade, ele era triste. Triste porque o povo é sofrido e a vida é assim mesmo.
A genialidade de seu trabalho é reconhecida porque Adoniran fez da tristeza, graça. Não porque ele não se sentia triste, mas porque sabia que era o que devia fazer com ela. O povo trabalha muito, não tem o que comer e mora onde dá. Como é possível não ser triste com isso?
Adoniran não quis deixar de ser triste. Ele trabalhou com a tristeza. E ela foi sua melhor amiga na maior compreensão da genialidade do poeta.
O povo se embriaga com a música do pianista e esquece que também está a bordo no Titanic.
Um causo ilustra bem esse balé.
Carlinhos Vergueiro, coautor de “Torresmo à Milanesa” conta que, na versão original da música, que narra o horário de almoço de alguns pedreiros, cantava-se “Que é que você troxe na marmita, Dito? / Troxe ovo frito, troxe ovo frito / E você beleza, o que é que você troxe? Arroz com feijão e bife à milanesa / Da minha Tereza!”.
Após algumas passagens, a letra haveria de ser alterada.
Adoniran determinou o “bife à milanesa” desse lugar ao “torresmo à milanesa”. O motivo estava claro (apenas para ele): torresmo à milanesa não existiria, o que deixaria a música mais cômica.
Mais uma passagem, e Adoniran pede nova alteração. Agora, deve ser “um torresmo à milanesa”. Só um. O motivo? Assim ficaria mais triste.
Todos riram e concordaram. Tereza teve de mudar o menu da marmita para o único torresmo à milanesa.
Adoniran não era triste sem querer. Era um triste consciente.
Um palhaço comum nos faz rir ao esquecermos dos problemas da vida. Adoniran, nosso palhaço triste, trabalha em sentido contrário, fazendo-nos rir exatamente ao lembrarmos dos problemas da vida.
Por: Leonardo Castro.