O identitarismo pós-moderno está ficando órfão?

O identitarismo pos-moderno esta ficando orfao
Botão Siga o Disparada no Google News

Em artigo na Folha de São Paulo, o professor Wilson Gomes, da Universidade Federal da Bahia, parte do ”linchamento virtual” sofrido por Gregório Duvivier para apontar o conflito crescente entre uma esquerda ‘raiz’, forjada a partir do conceito de luta de classes, e uma esquerda mais recente, a identitária, que reivindica políticas ativas de reconhecimento como forma de dar ‘representatividade’ a minorias.

“Esse episódio do lobby pelo STF ilustra graficamente, em suma, a briga poliédrica que resume a esquerda que retorna ao poder: O forte lobby identitário da esquerda-Leblon confrontado pela crescente impaciência que suscita na esquerda de classes, de onde saem os lulocêntricos que puxam a faca para quem se atreve a pressionar o presidente. No meio disso, o próprio Lula, que tem uma agenda particular para indicações para os tribunais superiores, com prioridades acima dos interesses identitários ou classistas.”

O texto foi rebatido por Paulo Ghiraldelli. Com tom algo ‘professoral’, o autodenominado ‘filósofo de São Paulo’ listou supostos erros na análise de Gomes, dentre os quais:

i. O campo que se chama ”de esquerda” não se preocupa mais com a luta de classes;

ii. Lula nunca foi de uma esquerda focada na luta de classes;

iii. O identitarismo não é verdadeiramente de esquerda. São neoliberais que não prezam pela igualdade ou defesa de minorias, mas mobilizam esses conceitos para criar uma narrativa com escopos supremacistas [e não igualitaristas].

Por fim, Ghiraldelli acusa Wilson Gomes de ser enganado pelo discurso repercutido pela direita sobre uma dicotomia ou disputa interna na esquerda.

Wilson Gomes treplicou no twitter, dizendo que “para a esquerda, os identitários não seriam sequer de esquerda, mas neoliberais. Vejam só!”

Também não considero Lula parte de um campo focado principalmente na luta de classes. Mas é óbvio o estranhamento cada vez crescente entre a esquerda forjada nas lutas do marxismo e do nacionalismo latino-americano e o identitarismo pós-moderno importado do liberalismo de esquerda do Partido Democrata dos EUA e do social-liberalismo da ”esquerda de Oslo” [como a chama Jessé Souza].

O bicho ficou tão feio, o autoritarismo sufocante do identitarismo pós-moderno cresceu de tal modo, suas pautas se chocam de maneira tão evidente com agendas de teor mais socialista e nacionalistas, que ninguém mais quer assumir o movimento. A direita diz que eles são de esquerda, e a esquerda diz que eles são de direita.

Enquanto os identitários proclamam, em meio a seus próprios tribunais inquisitoriais e táticas neofascistas, que só eles tem legitimidade no campo político e que todos os demais são reacionários e criminosos, vai se formando um lento consenso entre diversos atores, da esquerda marxista e anti-imperialista, passando pelo nacionalismo popular e soberanista, e chegando até a liberais e conservadores, de que estamos lidando com um monstrinho totalitário alimentado de fora para dentro do país, e que promove uma guerra cultural sem trégua não só contra as classes mais pobres, mas contra tudo que não é espelho.

Essa tendência será impulsionada mais fortemente pelos sinais de esgotamento do identitarismo pós-moderno nos EUA, país em que a ”ideologia woke” vem caindo de seu pedestal na medida em que se torna obstáculo eleitoral para os próprios social-democratas.

Os nacionalistas soberanistas e a esquerda anti-imperialista tem de encontrar instrumentos de defesa de minorias a partir dos próprios parâmetros fornecidos pelas sensibilidades e culturas populares do Brasil. O velho princípio da democracia universalista pode fornecer o arcabouço para tanto, ainda que precise ser temperado com outros elementos.

Já o identatirismo pós-moderno deve ser encarado como o que sempre foi: um Cavalo de Tróia plantado e alimentado por um infame colonialismo mental, uma ideologia fanática brandida por frações da classe média cosmopolita com “culpa burguesa”, um veneno paralisante que, caso não seja neutralizado, vai levar o Brasil à morte.