Identidade brasileira contra o identitarismo de esquerda e de direita

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Nas últimas décadas as pautas pós-modernas tomaram de assalto o campo da esquerda e fizeram a alegria dos neoliberais, que podem agora jurar que são “progressistas” enquanto promovem o desmantelamento do Estado e dos direitos sociais, desde que lutem também por “representatividade” de minorias e aceitem a guerra cultural contra a moralidade popular e tradicional.

Mas não só. Vem se tornando cada vez mais comum o fenômeno do populismo na Europa, que também defendem alguma política de reconhecimento do Estado. Mas em vez do subjetivismo atomista e [pós-]individualista pós moderno, a nova direita se abraça às divisões étnicas do Velho Mundo. Não é novidade que, apesar de todas as diferenças e inimizades, os dois lados do novo espectro político deste início de século costumam se entender quando se trata da defesa de modelos de Estado plurinacionais ou multi-étnicos. E neste ponto criam um verdadeiro dilema para os círculos nacionalistas.

Alguns círculos patrióticos, percebendo a necessidade de cerrar fileiras em torno da ideia de nação e do Estado-nacional, buscam identificar a raiz comum dos dois polos adversários. Ambos seriam “identitários”, ainda que posicionados em lados opostos do espectro partidário. O “identitarismo de esquerda” surgido do declínio do mito burguês e iluminista, teria como sombra o “identitarismo de direita”, que mudaria o recorte de “minorias” para o de setores que se identificam como “maiorias” [ainda que não as sejam]; ou ainda, que substituam o subjetivismo atomista por alguma forma de coletivismo de massa.

A formulação é pertinente na medida em que afirma a existência de universais, mas se encarada de modo abstrato arrisca esvaziar o próprio significado de nacionalismo e desprezar aquela que é a principal força de mobilização do mundo contemporâneo. Ora, o nacionalismo também tem por fundamento uma noção de pertencimento carregada de afetos e paixões, de símbolos e de um imaginário próprio. Sem o apelo a uma identidade, a nacional — que nos move com cores, sabores, festas, danças, linguagens, hábitos, sons e toda a atmosfera cultural que conforma a vida daqueles que a vivenciam –, o nacionalismo se torna somente a briga por interesses econômicos comuns, aquilo que poderíamos chamar de “patriotismo do cimento e da estradinha de ferro”.

Esta seria uma briga fadada ao fracasso, pois contrária a essa “natureza humana” que tanto gostaríamos de reafirmar em um possível universalismo. Os homens somos seres movidos por afetos e grandes paixões, pela ânsia por identificação e personalização comunitária, por identidades, enfim. Nenhuma promessa materialista ou genérico internacionalismo ou civismo poderia superar, no coração das populações, o apego àquilo que ele considera familiar, àquilo que o define, às referências a partir da qual constrói sua noção de “eu” e de ser social. Por mais importante que seja o arcabouço econômico desenvolvimentista, ele é meio para um fim, e jamais poderia abarcar inteiramente a noção de Bem Comum.

Um dos maiores desafios para o nacionalismo hodierno é salvaguardar aquele que é ou deveria ser seu fundamento e cimento ideológico, a saber, a identidade nacional. O poder sem paralelo que esta forma de pertencimento revelou no mundo contemporâneo se deve, dentre outras coisas, à sua capacidade de aglutinar, ou antes de harmonizar outros elementos identitários em uma “ambiência” unificadora e alimentadora das mesmas matrizes imagéticas e pathos.

O povo brasileiro é a experiência nacional mais bem sucedida da História Moderna por sua potência de relativizar, sem no entanto negar, todo o caleidoscópico étnico, racial e subjetivo em um imaginário dionisíaco, tropical e antropofágico de tons vívidos, solares, festivos, luminosos, místicos, entremeados por notas graves e conservadoras. Esses elementos se expressam em nossos ritos sociais, laços comunitários, formas de comunicar, êxtases religiosos, sensualismo, e na nossa moralidade [rígida como aço na âmbito de alguns poucos princípios, e sabiamente flexível no comportamento cotidiano; uma mescla que os neófitos nos mistérios desta terra encaram algumas vezes como “reacionarismo” e “hipocrisia”, incapazes de mergulhar nas profundidades do “jeitinho”, uma das nossas receitas mágicas de felicidade].

O nacionalismo seria cego, surdo e mudo se desprezasse esta experiência inigualável, a identidade brasileira, em troca de fórmulas importadas ou de ideologias de concreto e de aço, de quantidades e medidas, desprovidas daquela vida que transborda dos versos de nossos profetas populares.

Por André Luiz Dos Reis

Publicado pela Frente Sol da Pátria

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