A Frente Ampla, a sexta e os narizes

GILBERTO MARINGONI A Frente Ampla, a sexta e os narizes
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Nesta sexta, teremos um histórico ato virtual, no qual se consolida a frente ampla antibolsonaro. Embora esta questão não esteja colocada em sua convocação, o evento só acontece por estarmos onde estamos, por termos o governo que temos, por existir uma matança deliberada por conta da omissão e sabotagem oficial ao combate à pandemia e por entrarmos em uma depressão econômica inédita. Uma manifestação dessas é impensável em outra situação.

O acontecimento reúne Boulos, Dino, Manuela, Haddad, Padilha e outras referências da esquerda, além de Temer, Huck, Sarney, FHC, Jereissati e figuras da mesma laia. Não adianta reclamar.

Essa é a posição relativa na sociedade a que a esquerda ficou reduzida após o PT ter sido eleito quatro vezes, não ter desmoralizado a direita e o neoliberalismo, não ter enfrentado como deveria as manifestações de 2013 e ter enganado a população com o estelionato eleitoral. Uma parte do eleitorado que possibilitou quatro vitórias do campo popular se decepcionou e apostou na extrema-direita.

Sim, houve golpe e houve arbitrariedades profundas entre 2016-18. Mas não se viu reação maciça de nosso povo. E a culpa não foi do povo. Os protestos contra o golpe e contra a prisão de Lula foram infinitamente menores que as marchas do pato amarelo. Não foi à toa. O governo eleito em 2014 – sem necessidade -, adotou o programa do adversário, se rendeu ao ultraliberalismo, dobrou a taxa de desemprego em 15 meses e afundou o país em uma recessão inédita até então. É triste mas é real. A direita e a extrema-direita não cresceram por geração espontânea. E assim chegamos até aqui. Aventureiro algum cresce quando não existe grave crise de representação política. Quando se prega algo em campanha e o eleitorado vota acreditando nessa pregação e as expectativas são frustradas, o representante eleito se descola do impulso popular que o levou a vitória. E a crise de representação se instala. É acontecimento fatal para uma democracia.

Há quem, na esquerda, se recuse a participar do ecumenismo da sexta, depois de ter se aliado por anos ao esgoto da vida nacional. É direito de cada um. Mas não há seriedade nessa recusa, para além de jogada para a própria torcida. Propaga-se um purismo que não se coaduna com a história.

Vou repetir um truísmo aqui: há um mal maior a ser combatido. O objetivo é derrubar Bolsonaro e ponto. A palavra será livre na laive.

Há, porém, uma disputa pesada dentro dessa frente, para além de Bolsonaro, que é acabar com o bolsonarismo, como bem formula José Luis Fevereiro. Trata-se de derrotar o programa privatista e antipovo oficial, que encontra grande eco em parcelas da sociedade. Quem não está na frente não ajuda nesse combate. Fica de fora posando de grande vestal impoluta. Essa batalha difícil representa uma segunda etapa da luta, embora ela também esteja em curso.

Nesta quarta-feira, por exemplo, inicia-se no Congresso, a votação pela privatização do saneamento. Aqui não há frente ou acordo possível com várias das figuras que estarão presentes na sexta. A oposição popular tem de usar de todas as possibilidades para impedir esse escândalo. Valem os interesses de classe.

Aliás, esse deve ser o foco na construção de frentes, para além de seus objetivos, ou programa. São os interesses de classe que mandam, para além de essa ou aquela personalidade (eu sei que alguns dos que falarão na sexta são intragáveis). Vale a política e não a moral.

A terceira condição para a construção de frentes – para além dos objetivos e interesses de classe envolvidos – é que se tapem os narizes.

Meu amigo Leidiano Farias criou um conceito genial para articulações desse tipo: frente de geometria variável. Ou seja, para cada tarefa, o bloco a ser firmado assume uma configuração.

A retirada do Boçal exige amplíssima composição de forças. Tapemos os narizes, coloquemos a política no posto de comando – como dizia o camarada Mao – e vamos à luta!