A Utopia Ingênua do Fórum Econômico Mundial

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A Utopia Ingênua do Fórum Econômico Mundial

– Por Felipe B. Zorzi

Algumas teorias, apesar de parecerem científicas e soarem inspiradoras, podem ser ingênuas ou mesmo mal-intencionadas. A grande narrativa do Fórum Econômico Mundial é uma delas. A fundação do fórum foi na década de 1970, quando empresários e intelectuais europeus perceberam a necessidade de competir contra as grandes corporações norte-americanas e, eventualmente, contra as emergentes corporações chinesas. Por isso, a organização tem o objetivo de discutir os dilemas gerais da economia global. Na Suíça, onde fica sua sede, reuniões ocorrem anualmente entre algumas das elites mais influentes do planeta, mas particularmente aquelas do bloco ocidental. Sua influência se estende através de uma rede de eventos, debates e relatórios que se espalham pelo mundo. Ao longo dos anos, sua agenda englobou um grande conjunto de temas: gestão de negócios, políticas públicas, inovação tecnológica, mudança climática, e assim por diante. Porém, centralmente, o Fórum defende duas grandes pautas para o século XXI: a Quarta Revolução Industrial e a Economia Circular.

Primeiro, defende-se uma ideia de revolução industrial que está embasada no poderoso conceito de destruição criativa de Schumpeter: inovações tecnológicas disruptivas mudam radicalmente a forma de organizar as cadeias produtivas e o trabalho. No século XVIII, a primeira revolução foi marcada pela substituição de lenha e trabalho manual por carvão e motores a vapor, dando início à mecanização dos processos produtivos da indústria têxtil, alimentar e metalúrgica e ao transporte através de ferrovias. No século XIX, a segunda revolução veio com o uso de energia elétrica e petróleo e a invenção de motores à combustão, potencializando setores como o elétrico, o químico, o automotivo e a telecomunicação. No século XX, a terceira revolução expandiu o uso do gás natural e incluiu a energia de fissão nuclear, trouxe o desenvolvimento da eletrônica, da indústria aeroespacial e da computação. Essas revoluções antecederam a revolução que é agora anunciada.

A quarta revolução industrial é marcada pelas tecnologias digitais da informação, pela biotecnologia e pelas energias renováveis. A título de exemplo, destacam-se grandes bancos de dados (big data), computação em nuvem, inteligência artificial, sistemas ciberfísicos, robótica, internet das coisas, computação quântica, engenharia genômica, biodados, energia solar, hidrogênio verde, biomassa, fusão nuclear etc. Por um lado, essas tecnologias oportunizariam gerar novos produtos, remodelar infraestrutura, planejar serviços públicos, buscar soluções para problemas ambientais, etc. Por outro, elas são consideradas disruptivas, porque conjuntamente aumentam a capacidade de automatizar muitos processos nos campos, nas minas, nas fábricas e no governo. Ainda que criem algumas oportunidades de trabalho sofisticado, elas eliminam postos de trabalho de baixa especialização e escolaridade, o que pode acentuar lacunas históricas e oferecer riscos à estabilidade do tecido social.

 

Tecnologia Verde
Tecnologia Verde

Segundo, o fórum defende a necessidade de lidar com as crises ambientais que se acumulam como resultado da expansão da população humana no mundo. Para gerar as utilidades e bens que facilitaram a nossa vida, foi necessário extrair recursos naturais e combustíveis fósseis em escala crescente. Como consequência da queima de reservas de hidrocarbonetos do subsolo ao longo de quase três séculos, a atmosfera do planeta foi alterada. Os gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono e o metano, são lançados ao ar, capturando a energia da luz do sol na forma de calor, aumentando a temperatura média da superfície terrestre e alterando os padrões do clima (secas, tornados etc.). Esse é apenas uma dimensão dentre inúmeras externalidades da nossa economia: desmatamento das florestas, uso excessivo de água, perda de biodiversidade, extinção da megafauna, acidificação dos oceanos etc. Por isso, propõe-se a ideia de economia circular como uma alternativa.

Economia circular se refere a uma concepção de cadeia produtiva circular. A lógica industrial tradicional é linear, ou seja, extrai-se recursos naturais, os quais são transformados em produtos de consumo para então serem descartados. Porém, enquanto os recursos do planeta são escassos, a população humana está crescendo rapidamente. A indústria circular inclui nesse esquema uma otimização no uso dos recursos através do reuso dos materiais, da regeneração dos produtos e da reciclagem dos resíduos. Isso demanda imperativamente gerar um consenso compartilhado entre governantes, produtores e consumidores sobre como reorganizar a economia. As tecnologias de análise de dados e as biotecnologias da nova revolução industrial auxiliariam na transição através do planejamento de sistemas alimentares regenerativos, cidades sustentáveis, negócios verdes, e assim por diante.

Contudo, mesmo que aponte para um futuro bonito, essa teoria está rapidamente se fragilizando diante de questões trabalhistas, financeiras e geopolíticas. Durante o processo de globalização no século XX, parecia possível imaginar que uma reunião de elites fosse capaz de dar direção a um mundo inteiro. Porém, para a economia circular funcionar, é preciso resolver a questão da integração do trabalhador desempregado pela quarta revolução industrial. Não se discute também quem financiará essa transição. O sistema financeiro privado tenta maximizar lucro de curto prazo enquanto parasita o planejamento econômico de longo prazo. Com desemprego crescente e especulação financeira é natural que povos com histórias diferentes defendam suas vantagens nacionais em recursos materiais, energia e tecnologia. Diante disso, o mundo globalizado fica essencialmente dividido por civilizações em disputa. Atingir uma sustentabilidade planejada através do uso de inovações tecnológicas se revela a utopia ingênua de um grupo privilegiado que ignora as condições complexas da sociabilidade humana. Os problemas do mundo real demandam a concepção de uma utopia ainda mais ousada do que essa.

– Por Felipe B. Zorzi, doutor em ciência política pela UFRGS, foi pesquisador visitante em Harvard, e é especialista em pensamento sistêmico, positivismo e desigualdade.