Falta muito, Papai Smurf?

Falta muito Papai Smurf
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Quantos votos serão necessários para que um governo eleito no Brasil consiga mudar o eixo do debate econômico? 80 milhões? 100 milhões?

Lula teve uma votação muito significativa de 60 milhões no segundo turno, banhado na redenção política que o mau passo de 2016-2018 obrigou as elites nacionais a lhe conceder.

Além disso, a mesma redenção lhe possibilitou formar um arco político forte o bastante para lhe garantir um salvo conduto de R$ 168 bilhões antes mesmo da posse.

Talvez se possa dizer que 60 milhões de votos mais uma pré-disposição positiva da maioria do centro político não lhe baste. Certo, mas o cartão de visitas apresentado pela metade da sociedade que não o redimiu, atacando Brasília, reforçou o cinturão de legitimidade democrática que cerca seu terceiro mandato.

Ainda assim não há condições para implementar uma agenda econômica que efetivamente se destaque da hegemonia fiscalista que nos prende desde o plano Real? Ao que parece, não. É o que compreendo quando vejo Felipe Salto, um fiscalista brasileiro capaz e honesto em suas opiniões, elogiar os primeiros movimentos de Fernando Haddad na Fazenda.

Salto faz o mesmo exercício que pretendo fazer aqui, mas pelo lado oposto. Ele estimula que Haddad faça mais do que disse que vai fazer. Eu quero estimular Haddad a ir contra Salto e fazer aquilo que quem votou em Lula esperava que ele fosse fazer. A diferença é que, ao receber um elogio de Felipe Salto (e o silêncio obsequioso de certos próceres do fiscalismo ultraliberal brasileiro), Haddad recebe uma crítica no Disparada. Mas se receber um elogio meu no Disparada, de imediato o batalhão Landau-Schwartsman-Lisboa lhe aponta as baionetas.

Por isso, este artigo não é para atacar o governo. Justiça seja feita, ele mal começou. Pessoalmente, pretendo em próximos artigos até mesmo apresentar ideias muito heterodoxas para alavancar o desenvolvimento do país.

Mas há alguns pontos que vale notar. Um deles é o claríssimo limite desta suposta democracia que as pessoas que se consideram inteligentes e letradas pensam defender. É uma democracia que permite voto rotineiro, representação de minorias, meios de comunicação em funcionamento etc. Mas não permite mudar a estrutura econômica que fez e faz desta sociedade a mais iníqua do mundo (um país de alto nível de riqueza natural e material que mantém a maioria de seu povo ou em miséria, ou em pobreza, ou em estável precariedade).

Outro ponto importante a notar diz respeito às consequências do limite acima exposto. Quem acompanha nosso debate sobre desenvolvimento sabe que há muitos caminhos para promover uma sofisticação produtiva no Brasil. O próprio novo governo vem falando de várias delas (uma nova indústria verde, digitalização etc etc.). Tudo muito bonito, concordamos plenamente. Mas enquanto continuarmos amarrados na questão fiscal, nada muito significativo vai acontecer.

E o pior: todos sabem disso.

A corrente que o neoliberalismo envolveu na sociedade brasileira parece inquebrantável. Por isso, tenho me sentido como naquela famosa cena do desenho dos Smurfs, quando o grupo trilhava longas caminhadas pelas florestas. Em fila, com Papai Smurf vestindo seu gorro vermelho à frente, os cansados Smurfs perguntavam: “Falta muito, Papai Smurf?”. Consoladoramente, ele dizia “Não, meus Smurfs, estamos quase chegando”. Logo em seguida, perguntavam de novo, ele respondia igual. Depois de novo, mesma resposta.

Até que mais uma vez um Smurf perguntava. “Falta muito, Papai Smurf?” Já impaciente, o velhinho barbudo líder do grupo calava a boca de todos com impaciência: “Falta, falta sim!”