O governo resolveu seguir a orientação do Ministério da Fazenda e bateu o martelo sobre voltar a cobrar os impostos federais sobre a gasolina e o etanol a partir de março. A medida, vista como uma sinalização ao mercado acerca do compromisso com o equilíbrio fiscal do governo, vai começar a valer a partir de 1º de março, encarecendo especialmente a gasolina nas bombas, já que a cobrança vai ser escalonada a partir de uma justificativa ambiental, cobrando mais de combustíveis mais poluentes. Esse é o primeiro grande embate político que exemplifica bem os limites da esquerda na sua tentativa de influenciar o governo. Como esse aumento será explicado para o povo, que vai começar a pagar bem mais caro a partir de março?
Um dos principais focos de desgaste no governo Bolsonaro foi a questão dos combustíveis. A política de preços da Petrobras, iniciada em 2016, fez os preços dos combustíveis seguirem o mercado internacional, resultando em aumentos constantes e proporcionando aos acionistas privados da Petrobras um enorme lucro enquanto o povo sofria nos postos. Bolsonaro se utilizava de uma retórica mentirosa em relação a essa questão, mostrando indignação com a estatal e seu papel no aumento dos combustíveis sem mencionar que ele próprio poderia mudar a política de preços se tivesse a disposição de enfrentar os interesses dos acionistas privados. Por conta disso, acabou adotando duas medidas puramente eleitoreiras. No desespero para tentar a reeleição, cortou os impostos federais sobre os combustíveis e impôs um teto no ICMS (imposto estadual) para forçar uma redução nos preços via impostos.
Essa primeira medida acabava no dia 31 de dezembro de 2022, o que colocava um dilema para Lula: bancar ou não um aumento dos combustíveis logo no primeiro dia de governo? Lula, de forma inteligente, prorrogou a desoneração até o fim de fevereiro porque sabia do desgaste que isso acarretaria, mas por que ele está bancando o desgaste agora? A resposta a essa pergunta é central para explicar como o neoliberalismo do PT amplia o desgaste da esquerda com o povo e alimenta a extrema-direita.
O que está por trás da decisão de Lula em voltar a cobrar os impostos federais sobre os combustíveis agora é a adesão quase que religiosa ao dogma da austeridade fiscal por parte do governo. O aumento da arrecadação proporcionado por tal medida é um ponto que Lula espera ganhar com o mercado, sinalizando que seu governo vai trabalhar de forma a perseguir superavit fiscal ainda esse ano, mostrando ser “bem-comportado” em relação ao orçamento. Entretanto, esse dogma vem à custa dos mais pobres, que certamente vão sentir o peso do aumento do preço dos combustíveis, o que deve custar alguns pontos de popularidade a Lula. O pior disso é que Lula até agora não disse nada sobre reverter a política de preços da Petrobras, a verdadeira vilã em relação aos combustíveis, sendo que essa mudança na política de preços já era um compromisso de campanha. Nesse ponto, Lula ainda pode ajudar a aumentar o risco de uma recessão no país nesse ano. Por quê? Se a volta da tributação não vier acompanhada de uma mudança na política de preços, esse aumento pode ter impacto inflacionário, o que acarretaria na manutenção ou até no aumento da taxa básica de juros (a maior do mundo) por parte do BC, enriquecendo ainda mais o topo da pirâmide às custas da base.
Além disso, o resultado político dessa decisão do governo vai ser um grande presente para a extrema-direita bolsonarista, um bloco social de oposição altamente capilarizado e com um poder de comunicação imponente. Enquanto o governo banca uma decisão impopular que vai prejudicar a vida do povo mais pobre, restará ao bolsonarismo, por mais hipócrita que seja nessa questão, a defesa desse mesmo povo, que certamente se verá prejudicado pela decisão do governo em aumentar o preço dos combustíveis agora. Já podemos esperar influenciadores da extrema-direita nas filas dos postos de combustíveis fazendo vídeos raivosos contra Lula e mandando as pessoas “fazerem o L”. O pior é que isso vai funcionar. A sanha do governo em agradar o mercado vai desagradar o povo e quem vai estar do lado da demanda popular, mais uma vez, será a extrema-direita.
E onde estará a esquerda? Parte da esquerda, aquela parte fanatizada e com dinheiro para bancar o aumento dos combustíveis, vai tentar justificar o injustificável, defendendo a medida impopular do governo enquanto entra em conflito com o povo, e a outra parte (se existir alguma parte que não se rendeu eleitoralmente ao lulismo) vai criticar a medida e será sufocada pela primeira, muito maior e mais presente nas redes. Por conta de uma esquerda que se rendeu ao neoliberalismo e à defesa dos interesses dos ricos contra os pobres, serão criadas as bases, mais uma vez, para um abismo entre essa esquerda e o povo. E quem insistir em manter uma posição adesista acrítica será engolido por esse abismo, mais uma vez.
Se o governo continuar priorizando os ricos dessa forma, é possível que a popularidade de Lula caia vertiginosamente já no primeiro ano e a extrema-direita ganhe mais fôlego depois de uma eleição decidida no detalhe. Mas não se preocupem caso isso aconteça, é só culpar o “povo burro” ou o “pobre de direita” pela volta da extrema-direita ao poder e fingir que nada de errado foi feito pelo governo Lula nesse ciclo infinito de negação da própria responsabilidade. Isso se sobrar alguma coisa do Brasil até o fim de um possível segundo ciclo da extrema-direita no poder.