O retorno de Lula e a consagração do ‘tudo que está aí’, inclusive a reforma trabalhista

Reforma trabalhista BRAZIL-POLITICS-LULA DA SILVA-ALCKMIN Handout picture released by Brazil´s former President (2003-2010) Luiz Inacio Lula da Silva´S official press of him and former Sao Paulo's Governor Geraldo Alckmin (L) shaking bhands during a dinner hosted by a group of lawyers, in Sao Paulo, Brazil, on December 19, 2021. (Photo by Ricardo STUCKERT / PRESS OFFICE OF LUIZ INACIO LULA DA SILVA / AFP) / RESTRICTED TO EDITORIAL USE-MANDATORY CREDIT - AFP PHOTO / LULA DA SILVA´S OFFICIAL PRESS / RICARDO STUCKERT - NO MAFRKETING - NO ADVERTISING CAMPAIGNS - DISTRIBUTED AS A SERVICE TO CLIENTS
Foto: Ricardo Stuckert
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Declarações recentes dadas por Lula e por membros importantes da sua entourage a respeito da reforma trabalhista feita pelo governo de Michel Temer em 2017, e aprofundada desde então por Bolsonaro e por leis de iniciativa do Congresso, chamaram a atenção.

Prometendo a mágica de “gerar” até dois milhões de empregos em dois anos e seis milhões em dez, a reforma de 2017 alterou nada menos que 117 pontos da CLT. Segundo a CUT, muito próxima ao PT, “autorizou estender as jornadas e criou até contrato com jornada de zero hora sem salário (o intermitente); facilitou e incentivou a contratação com menos direitos; liberou o trabalho de mulheres grávidas em ambientes considerados insalubres; desobrigou o pagamento do piso ou salário mínimo na remuneração por produção; autorizou a homologação sem a assistência sindical, sendo que a maior parte das ações na Justiça são justamente questionando as verbas trabalhistas; eliminou a gratuidade da Justiça do Trabalho e obrigou o trabalhador, no caso de perda da ação, arcar com as custas do processo; determinou que acordos coletivos podem prevalecer sobre a legislação, determinou o fim da ultratividade das cláusulas de negociações coletivas; e alijou os sindicatos da proteção dos trabalhadores, entre outras medidas nefastas”.

Evidentemente, e ao contrário do que afirmavam seus proponentes e defensores, toda essa devastação da proteção aos trabalhadores no Brasil não impediu que, desde então, o desemprego aberto aumentasse de 11,9% para 12,1% – chegando a superar os 14% no final de 2020, auge dos efeitos da pandemia -; e nem que a renda média dos trabalhadores ocupados declinasse, no mesmo período, de R$ 2.576 para R$ 2.449.

No início de janeiro, Lula declarou que os brasileiros deveriam “acompanhar de perto” o que ocorria na Espanha, onde governo, sindicatos e empresários fecharam há pouco um acordo para revisar algumas das alterações feitas pela reforma trabalhista de 2012. Uma reforma que serviu de inspiração para a brasileira e que lá, tampouco, produziu qualquer das melhoras supostamente “esperadas”. Em seguida, Gleisi Hoffmann, embora declarando que a “essência” da reforma foi “ruim”, admitiu “reconhecer pontos bons” e propôs “consertar o que deu errado” nela. Por sua vez, Paulinho da Força (Sindical) afirmou não querer a revogação da reforma e que uma “mudança pontual”, definindo o “acordado” sobre o “legislado” de forma a valorizar as decisões tomadas nas assembleias sindicais, seria suficiente, posicionando-se ainda contra a volta do imposto sindical. Já Geraldo Alckmin – que vem sendo apontado como provável companheiro de chapa de Lula e quem Paulinho tenta levar para o seu partido, o Solidariedade – indicou “preocupação” com as falas de Lula a respeito da reforma, afirmou que há “apreensão” no “mercado” quanto à possibilidade de revogá-la e declarou-se contrário à fazê-lo “por completo”.

Ou seja, as primeiras indicações que temos apontam que um futuro governo Lula não procuraria restabelecer a legislação trabalhista, apenas alterar alguns dos seus pontos. Isto é, se contentaria em “reformar” as reformas que a destruíram.

Sabemos que as alegações de que a “flexibilização” das regras trabalhistas produzirá empregos e renda não passam de uma farsa descarada promovida por aqueles que lucram, direta ou indiretamente, com a facilitação dos meios para aprofundar a superexploração do trabalho. O que efetivamente produz e sustenta postos de trabalho numa sociedade capitalista não é a destruição da legislação trabalhista, mas as políticas industriais e de desenvolvimento; a qualificação da mão-de-obra; os investimentos públicos e privados; e a demanda, essencialmente dependente do poder de compra detido pela população e da sua disposição para o consumo.

Cabe, dessa forma, perguntar a Lula como ele pretende promover milhões de contratações, restabelecer a massa salarial e o poder de consumo da população nos termos estabelecidos por uma reforma que oficializou até mesmo contratos de trabalho sem qualquer garantia de remuneração, como os “intermitentes”.

Por sinal, como falta tudo aquilo no Brasil atual, cabe também perguntar a Lula o que pretende fazer com relação à Petrobrás. Até o momento, afirmou que, de imediato, encerraria a absurda política de paridade de preços internacionais que vem sendo praticada nos últimos anos. Medida imperativa, sem dúvidas, para tentar pôr um fim a uma das maiores espoliações da nossa história, mas que em si não propõe qualquer reversão da devastação da principal empresa estatal brasileira que foi o principal instrumento de investimentos públicos no seu governo.

Outro grave atentado recente contra o Brasil, a concessão da autonomia ao Banco Central, também requer posicionamento claro. Em fevereiro de 2021, Lula fez críticas contundentes ao projeto de lei então aprovado pela Câmara dos Deputados, afirmando que a autonomia “entrega” a administração do BC ao sistema financeiro. Pouco depois, PT e PSOL entraram no STF com ação conjuntarejeitada pela corte em agosto do mesmo ano por oito votos contra dois – contra a sua execução. O que Lula, se eleito, proporá fazer em relação a isso?

Em rigor, esses são instrumentos cruciais para que o próximo governo possa fazer alguma coisa. Sem o restabelecimento da legislação trabalhista não se conseguirá repetir o “fenômeno” da criação de milhões de empregos formais, ainda que em sua ampla maioria de baixa qualificação, produtividade e rendimentos, ocorrido durante o governo Lula e o primeiro mandato de Dilma. Sem a  reconstrução da Petrobrás faltará ao governo um instrumento crucial para realizar investimentos e políticas industriais. Com Banco Central “autônomo”, operando como um Estado independente dentro do Estado à revelia das diretrizes governamentais, não poderá qualquer presidente exercer controles sobre a administração da moeda, o principal meio de comandos executivos de qualquer Estado nacional – muito embora saibamos que antes mesmo dessa iniciativa a soberania monetária do Estado brasileiro já fosse, há tempos, muito mais nominal do que substantiva.

Em suporte ao voto em Lula independentemente do programa que este apresente, há em voga um discurso de que o principal sentido ou objetivo da próxima eleição é garantir, por quaisquer meios, o “Fora Bolsonaro”. O problema é que o momento dessa tese já passou. Foi em 2018 e, na ocasião, Lula optou, primeiro, por se apresentar como candidato, embora se encontrasse preso. Conforme ele alegava, o processo judicial que o condenou era claramente viciado, persecutório. Mas isso não o autorizava a capturar o processo eleitoral para tentar fazer dele um plebiscito sobre as injustiças que vinha sofrendo. Suas angústias pessoais não estavam, ou pelo menos não deveriam estar, acima dos destinos do Brasil.

Definitivamente inviabilizada a sua candidatura – consequência que deveria ser mais do que óbvia para alguém que se dizia “perseguido” pela Justiça –, em seguida, Lula e o PT optaram por apresentar Fernando Haddad candidato. Apresentaram assim um candidato que fez papel deliberado de figuração em todo o primeiro turno e que, numa tentativa de se viabilizar no segundo, chegou ao ponto de defender, no seu programa, a própria autonomia do Banco Central. Tudo isso se deu em detrimento de um possível apoio a Ciro Gomes, candidato que segundo as pesquisas da época apresentava as melhores chances de derrotar Bolsonaro num segundo turno, embora demonstrasse dificuldades para chegar lá.

Já estamos em 2022 e, depois de pouco mais de três anos deste desgoverno que arruinou o país, Bolsonaro está virtualmente derrotado. Não se trata de menosprezá-lo, pois sendo presidente sempre terá instrumentos poderosos para tentar melhorar a sua situação; muito menos o bolsonarismo, que sobreviverá à sua mais do que provável derrota eleitoral e poderá mesmo se fortalecer com ela. Mas os indícios até aqui apontam que Bolsonaro praticamente não tem chances de reverter sua situação eleitoral até outubro.

Temos, portanto, condições claramente propícias para irmos além da sua pura e simples negação. A estratégia de insistir no “Fora Bolsonaro” mais parece servir para facilitar a eleição de Lula sem comprometê-lo com qualquer programa específico, sem obrigá-lo a qualquer medida posterior. É como se sua única missão fosse a de derrotar Bolsonaro e mais nada. Mas para isso, conforme as pesquisas também vêm indicando até o momento, não precisamos de Lula: todos os demais candidatos vencem Bolsonaro num segundo turno. Para eles, o desafio não é vencer Bolsonaro no segundo turno, mas fazê-lo no primeiro ou, eventualmente, chegar no segundo turno para enfrentá-lo.

A missão fundamental com que o Brasil se defronta nesse momento não é a de derrotar um já virtualmente derrotado Bolsonaro, mas a de começar a se reconstruir o quanto antes. O “Fora Bolsonaro” é um espantalho que se aproveita da situação de miséria, penúria e medo que milhões de brasileiros estão vivendo, mas que não aponta para nada além disso e que se mostra conveniente para justificar, em seguida, um governo de consagração de toda a destruição institucional que foi feita, sem se propor a enfrentá-la.

Até o momento, mesmo com toda a sua dianteira nas pesquisas e a expectativa cada vez mais ampla e geral da sua vitória, Lula não parece pretender esboçar qualquer grau significativo de enfrentamento do que foi feito. Ao contrário, seu provável futuro governo parece indicar a aceitação desse status quo, pelo menos em suas partes mais substanciais. Os efeitos disso seriam – ou serão – terríveis, pois se aqueles que se representam como de “esquerda” e que dizem governar em seu nome pouco ou nada fizerem contra a destruição que foi promovida, ela se torna “natural”, vista como “inevitável”. Esse é um caminho seguro para a frustração nacional; para a desmoralização de tudo o que é associado à “esquerda”, mesmo que não o seja; e pro ressurgimento posterior da direita “radical”, sabemos desde já com quais intenções e objetivos.

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