Enfiteuse, laudêmio e foro – Petrópolis e a Família Imperial

Enfiteuse, laudêmio e foro - e Petrópolis e a Família Imperial dom pedro II princesa isabel
Botão Siga o Disparada no Google News

Por Christian Lynch – A confusão sobre a enfiteuse da Família Imperial em Petrópolis está tanta que vou tentar esclarecer o assunto.

Na legislação civil brasileira até 2002 existia um instituto de direito real, ao lado da posse, da propriedade é outros, chamado enfiteuse. A enfiteuse permitia que o dono da terra a doasse a quem quisesse, em troca do pagamento de duas taxas. Uma, anual, chamada foro. Outra, chamada laudêmio, quando houvesse alienação das propriedades doadas. Foi um instituto útil no passado para povoar terras incultas. Dezenas ou centenas de famílias aplicaram a enfiteuse. Creio que cerca de 60 ainda a detenham no Brasil.

Mas o maior detentor de bens enfitêuticos no Brasil é o próprio Estado brasileiro, que até hoje cobra foro e laudêmio dos terrenos de marinha. Uma lei do começo do século 19 determinou que todas as propriedades num raio de cerca de 30 metros próximo do mar deveriam pagar aquelas taxas, porque era preciso defender a costa dos ataques inimigos. 30 metros era o limite dos disparos de balas de canhão naquele tempo. Não importa se houve aterros, se não há mais bolas de canhão, ou galeões ou caravelas, todo mundo em terreno de marinha e obrigado até hoje a pagar essas taxas ao Estado brasileiro. Eu sei, porque eu pago, embora o mar já esteja hoje a 400 m da minha janela.

Em 1847, dom Pedro II resolveu criar uma cidade na serra do Rio de Janeiro, onde pudesse assentar sua residência de verão. Ele tinha herdado do seu pai uma fazenda chamada “córrego seco”, e para viabiliza-la, loteou e distribuiu as terras conforme as regras da enfiteuse. Como se tratava de propriedade privada, que não pertencia ao Estado, a família Bragança recebia as taxas e continuou a recebê-las durante a República. O código civil de 1916 ratificou a existência do instituto da enfiteuse, e outras se criaram legalmente desde então.

Aqui começa a polêmica em torno da enfiteuse entre os Orleans e Bragança. A princesa Isabel tinha dois filhos com descendência, dom Pedro de Alcântara e dom Luís, que cresceram no exílio depois do golpe de 1889 (o banimento imposto pela república durou mais de 30 anos).Quando o banimento foi levantado em 1920, dom Pedro voltou ao Brasil com sua família e se instalou em Petrópolis. Dom Luís morreu na Europa e sua viúva e filhos ficaram por lá e só voltaram, ou melhor, vieram para cá depois de 1945.

Nesse meio tempo os Bragança de Petrópolis, liderados pelo filho mais velho de dom Pedro de Alcântara, dom Pedro Gastão, adquiriram dos Bragança liderados por Dom Pedro Henrique, filho de Dom Luís, a totalidade dos direitos sobre a enfiteuse de Petrópolis. Aqui o negócio é obscuro. Os Bragança do ramo de Petrópolis sempre disseram que o negócio foi legítimo, ao passo que os Bragança do outro lado, que se instalaram em Vassouras, diziam que foram enganados quando estavam na Europa, durante a guerra, por dom Pedro Gastão.

Moral da história: o ramo dos Bragança que se instalou em Vassouras ficou na penúria, e por isso dom Pedro Henrique teria entregue a criação de seus filhos mais velhos – estes que andam por aí, reacionários – à TFP. Depois de mudaram para São Paulo, onde estão até hoje. São esses aí – chefiados por Dom Luiz e dom Bertrand, que reivindicam o trono do Brasil – que deitam reacionarismo em consórcio com o olavismo, e disseram de São Paulo que iriam rezar pelos petropolitanos. Mas a verdade é que eles não têm mais a ver com a cidade há muito tempo.

Quem recebe foro e laudêmio decorrentes da enfiteuse de Petrópolis são os descendentes de dom Pedro Gastão, que desapareceram da mídia desde que ele morreu há vinte anos. Dom Joãozinho, o único que aparece na mídia e é liberal, ou democrata, não é filho: é sobrinho de dom Pedro. A ideia de que os descendentes não trabalham não corresponde à realidade. Do lado “Vassouras”, os irmãos mais novos de Bertrand se deram bem como empresários. O deputado reacionário é seu sobrinho. Do lado “Petrópolis”, há um dono de jornal, um dono de terras, um botânico etc.

Moral da história: a enfiteuse não é uma invenção colonial ou monárquica para favorecer os Bragança, mas um instituto de direito civil obsoleto que favorece a própria União Federal. O código civil de 2002 proibiu a constituição de novas enfiteuses, mas manteve as antigas. Pode-se tentar extinguir as enfiteuses existentes, mas não sei se a própria União teria interesse patrimonial nisso. Teria de ser por PEC, e ainda assim seria sempre possível alegar que os direitos adquiridos constituem cláusula pétrea.

Por Christian Lynch