Bolsonaro, Putin e a indispensável Questão Nacional

Bolsonaro, Putin e a indispensável Questão Nacional
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A recente visita oficial de Bolsonaro a Putin causou chilique em todo o establishment liberal brasileiro. À direita e à esquerda, assistimos toda sorte de lugar-comum a respeito das relações entre os mandatários das duas nações, encarnando o triste espírito do vira-latismo brasileiro e apagando a centralidade das relações do Brasil com o Terceiro Mundo. Esquecem-se propositalmente do que sempre querem ocultar: a indispensável Questão Nacional.

Que Bolsonaro é um palhaço instalado no Palácio do Planalto para humilhar e distrair o Brasil, não há dúvidas. É evidente o que aconteceu em 2018: à irresponsabilidade petista perante o Brasil somou-se a interferência estadunidense e israelense em nossas eleições. Por meio de tecnologias sediadas no Vale do Silício, plantou–se insanidades como a famigerada “mamadeira de piroca” em um pleito marcado por forte polarização em torno de nada. 

Distraídos sonhando com profetas na goiabeira, crianças transexuais e outras sandices difundidas por ambos os “lados” do espectro político, o eleitorado brasileiro esqueceu completamente do que estava em jogo: nossos direitos trabalhistas, nossas estatais, nosso complexo produtivo, nosso petróleo; em suma, nossa soberania. O circo se manteve vivo no clima eleitoral permanente em todos os anos seguintes do governo-picadeiro.

Todo esse show tinha um objetivo claro: ocultar o que de fato acontecia. O verdadeiro governo colonial, nas mãos de Paulo Guedes e outros escroques da Faria Lima como Sachsida, Roberto Campos Neto, Diogo Mac Cord et caterva, literalmente roubava o país e de fato exercia o poder. O manto eleitoral deu legitimidade à maior traição contra o Brasil desde o golpe de 1964.

No entanto, esse governo colonial encontra resistência em todas as classes e estamentos do Brasil, porque a realidade do capitalismo mundial se impõe. Foi a questão nacional que fez a bancada do agronegócio coibir as estrepolias de Ernesto Araújo e aceitar a essencial tecnologia chinesa de telecomunicações, rompendo ao menos em um único ponto com a vassalagem em relação aos Estados Unidos, movimento capitaneado pela caudilha Kátia Abreu. 

Do mesmo modo, a questão nacional impõe a qualquer chefe de Estado brasileiro a aproximação com suas contrapartes de Terceiro Mundo e manutenção de relações diplomáticas bilaterais e multilaterais. Na pantomima generalizada em que se converteu o debate público brasileiro, idiotizado pelas tecnologias do Vale do Silício, parece que esquecemos quem era o “B” dos BRICS. 

O bloco dos campeões do Terceiro Mundo começou a se formar nos primeiros anos deste milênio e juntava até mesmo históricos adversários geopolíticos como Índia e China. Ainda que muito timidamente, seu intuito era lançar as bases de um mundo multipolar – elemento fundamental e definidor de qualquer plano nacional para o Brasil. 

Os BRICS foram mais longe do que meras fotos de mãos dadas de chefe de Estado dos países que compõem a sigla. Entre outras iniciativas, destacou-se o NDB, um instrumento multilateral para combater a hegemonia das instituições do Bretton Woods como o FMI e o Banco Mundial, verdadeiros instrumentos imperialistas nas mãos da plutocracia financeira ocidental.

Aqui cabe ressaltar que as relações entre Brasil e Rússia vem de muito tempo e atravessam todo o espectro político. Durante a monarquia, D. Pedro I recebeu uma missão científica do czar russo. Mesmo a ditadura militar, já em sua segunda fase nacionalista com Geisel e Figueiredo, estreitou relações com a então URSS, exportando soja para a nação revolucionária em 1975.

Desde a redemocratização, quase todos os presidentes brasileiros visitaram Moscou. Collor foi para o país eurasiático durante o processo de dissolução da URSS, sendo recebido por Gorbachev. Até mesmo Fernando Henrique Cardoso com sua arrogante vassalagem ao ocidente idealizado em sua mente uspiana foi para a Rússia em seu último ano de mandato. Lula fez o mesmo e Dilma recebeu Putin em Brasília, seguindo uma linha de relações bilaterais que se estende até o século XIX. Não à toa, uma das raras mentes sensatas nos governos petistas que é Celso Amorim defendeu publicamente a visita de Bolsonaro ao país eurasiático.

Que os leitores não se enganem: a visita de Bolsonaro à Rússia não foi fruto de sua “vontade” e sim da imposição da questão nacional. Foi obrigado a isso, pois lá estão nossos interesses geoeconômicos e geopolíticos, a começar pelas exportações de carne do Brasil para o país eurasiático. 

Também foi forçado a essa visita pelas necessidades tecnológicas nacionais. Ao contrário das nações imperialistas, a Rússia aceita transferir tecnologia para nosso país em troca de justa retribuição. O Brasil assinou importantes tratados de cooperação com a nação eurasiática, que podem resultar na participação da Rosatom no consórcio da usina nuclear de Angra 3.

É importante ressaltar que paralelamente à ida de Bolsonaro para a Rússia, Tereza Cristina, ministra da agricultura, estava no Irã, outro estratégico aliado do Brasil e inimigo dos Estados Unidos. São sinais fora da curva de um governo que em geral se comporta como um puxadinho colonial de Washington, perseguindo atipicamente aproximações que são vitais para o Brasil. Nosso destino está junto com o resto do Terceiro Mundo e contra as nações centrais.

O triste espetáculo da esquerda liberal a respeito da visita de Bolsonaro só confirma que sua vocação é ser linha auxiliar do imperialismo identitário e inclusivo encarnado em Joe Biden e Kamala Harris. 

Fernando Haddad, seguindo os passos do outro FH, vociferou asneiras, dizendo que a visita do chefe de Estado brasileiro a seu aliado estratégico visava somente aprender as últimas novidades em “fake news”. O mais tragicômico de todos foi um texto de Fernanda Torres que lisergicamente vinculava as relações bilaterais entre os dois campeões terceiro-mundistas à recente defesa do nazismo por um podcaster sob efeito de entorpecentes. Mal escondido por trás dessas e outras declarações está o complexo de vira-latas, que reduz tudo no Brasil a uma pequenez tacanha, como se não fossemos o gigante que somos.

Contudo, por pior que seja a submissão da esquerda liberal aos interesses do partido democrata estadunidense, o mais grave foram as manifestações de membros do Poder Judiciário. Convertidos em verdadeira casta autoritária, insulada da soberania popular do voto, ministros do Supremo condenaram as relações estratégicas do Brasil. Fachin, supostamente progressista, chegou ao absurdo de responsabilizar a Rússia por ataques cibernéticos contra as urnas eleitorais em entrevista para o Estadão enquanto Bolsonaro visitava nosso aliado.

É evidente o que está acontecendo. Tanto à direita como à esquerda, há um esforço para ocultar a Questão Nacional. As relações entre Rússia e Brasil são da ordem de grandeza das razões de Estado, atravessando todo o espectro político e são fundamentais para nossa reinserção soberana na economia mundial. Basta ver que nossas exportações de manufaturadas vão principalmente para outros países de Terceiro Mundo, com quem temos muito mais chances de ter relações comerciais e diplomáticas edificantes – longe do padrão de submissão que temos com nossas relações com os Estados Unidos.

Pensar estrategicamente o Brasil é ir além do cabresto liberal que oculta nossa visão. É voltar a enxergar o mundo e a importância do nosso país na definição dos rumos de toda humanidade.